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A construção social do ser humano: o sexo construindo e destruindo relações

Bauman (2004) afirma que é do encontro dos sexos que nasce a cultura, das tendências, inclinações e propensões "naturais" do ser humano, o desejo sexual foi e continua sendo a mais obvia, indubitável e incontestavelmente social. Dessa forma, se o sexo é o que torna o ser humano um ser social, como são construídas as relações de afeto entre as pessoas na sociedade? Este texto, então, se propõe a refletir sobre a influência do sexo na formação da cultura e na relação entre as pessoas.

O sexo faz com que um ser humano se estenda na direção de outro, exigindo sua presença, tentando transformá-la em união, torna qualquer ser humano insuficiente, incompleto e insatisfeito, ansiando por convívio, levando a reflexão sobre os tipos de compromisso que a união de corpos impõe, de que forma os parceiros são afetados em uma relação, e se o encontro sexual pode ser um fato isolado ou ele inunda toda a existência dos parceiros (BAUMAN, 2004).

De um encontro sexual podem surgir diversos tipos de relação, desde a formação de um casal do tipo "até que a morte nos separe" que dará origem a uma família, com a chegada dos filhos, um tipo de relação que exige amor, segurança e permanência, ou de relações mais desapegadas, que pregam o sexo pelo sexo e que buscam apenas o prazer que este pode oferecer. O "sexo puro" é construido tendo-se em vista uma espécie de garantia de reembolso – os parceiros do "encontro puramente sexual" podem se sentir seguros, conscientes de que a inexistência de "restrições" compensa a fragilidade do seu engajamento (BAUMAN, 2004, p.68).

Para Maturana (1998) o que diferencia a linhagem homínida de outras linhagens de primatas é que o homínida optou por um modo de vida no qual compartilha alimentos, com tudo o que isto implica de aproximação, aceitação mutua e coordenações de ações. É o "amor" a emoção que constitui o espaço de ações em que se estabelece o modo de viver hominídeo, a emoção central na história evolutiva que dá origem ao modo de viver do humano.

A origem do humano surge na origem espontânea da família como um modo próximo permanente de conviver na intimidade do prazer e do bem-estar psíquico-corporal-relacional que faz possível o surgimento do linguajear no fazer coisas juntos como um conviver em coordenações de fazeres consensuais. Ao surgir o humano desse modo, torna-se evidente que é o amar a emoção que funda a família ancestral no sentir intimo e relacional que gera, conserva e realiza o humano como um modo de viver e conviver. (MATURANA; YÁÑES, 2009, p. 33)

Bauman (2004) explica que a principio, o sexo surgia como um potencial de prazer e felicidade, uma forma de o ser humano atingir a satisfação no seu convívio com os outros, mas com o passar do tempo a sexualidade acaba mistificada como uma fonte de opressão, desigualdade, violência e abuso, tornando assim o sexo um ato racional, calculado com sobriedade, considerando todos os riscos e regras, desprovido de ilusão.

Para Fontanella (1995) quando a tradição cristã prega o mito de um pecado original, que diz que o primeiro homem pecou por todos, e descobrindo o corpo, através da sua nudez e do sexo, fez como que todos os outros estivessem para sempre em falta com o espírito, devendo assim desprezar os prazeres da carne. Formou-se, então, uma elite da vida espiritual, deixando ao povo os encargos da vida terrena e do corpo, inclusive a reprodução: o sexo só é permitido dentro de regras muito restritas, afinal os maiores pecados que podem ser cometidos, são os pecados do corpo. Nesse caso, o sexo, que multiplica a maravilha da vida, é mais parceiro do Diabo do que de Deus, e o corpo acaba por pagar pela vontade, pela intenção.          

Depois de passar anos subjugado, o sexo novamente emerge libertando-se das amarras imputadas por uma sociedade patriarcal, puritana e hipócrita, agora é defendida a mais absoluta liberdade, o sexo então se apresenta como um evento fisiológico e a palavra sensualidade esta ligada, basicamente, a prazerosas sensações físicas (BAUMAN, 2004).

Segundo Maturana e Yáñes (2009) esse é o pensamento que rege a Era Psíquica Moderna, onde o amor murcha antes mesmo de aparecer, e esta negação, sua ausência no intimo de nossos sentires, ainda causa dor, onde busca-se a conexão ou o amor com noções equivocadas de sua origem racional.

Fromm (2006) afirma que com o sexo pelo sexo o homem deixa de ter a experiência de uma fusão total para ter uma "ilusão de união". União é o que homens e mulheres buscam para se escapar da solidão (a atual ou a que ainda esta por vir), mas isso é ilusão porque a união desaparece logo após o orgasmo, deixando os estranhos tão estranhos quanto antes. Dessa forma, o orgasmo assume uma função parecida com a do álcool e das drogas, trazendo sim alegria, mas que é passageira e transitória.

Não é possível ficarmos comparando qual das posições (repressão versus liberdade) traz mais horror e repulsa, nem qual das duas tem o preço mais alto a ser pago. "Para cada ganho a uma perda. Para cada realização um preço" (BAUMAN, 2004, p. 66). Enquanto não surgir uma nova visão de sexo e das expectativas que podem ser legitimamente investidas nos atos sexuais, sempre haverá angustia e tormento quando se falar no assunto.

Nesse contexto, segundo Maturana e Yáñes (2009), emerge a pisque da pós-pós-modernidade, onde nos reencontramos com o fato de que somos seres vivos amorosos e éticos desde a nossa origem biológica e faz-se possível, então, poder escolher desde si a autonomia da seriedade e da responsabilidade, num conviver na colaboração no mutuo respeito, seja qual for a tarefa que se empreender na família, nos estudos, no trabalho, como cidadão, ou simplesmente só.

Todos esses sentires íntimos, que emergem como dimensões psíquicas que surgem da consciência, da compreensão e do entendimento de que nossa existência biológica-cultural é o fundamento de todo o nosso sentir e fazer (Maturana e Yáñes, 2009, p. 48).

Segundo Bauman (2004) diante dessa realidade, as intimas conexões do sexo com o amor, a segurança, a permanência e a imortalidade via continuação da família não eram tão inúteis e constrangedoras quanto se pensava, os antigos companheiros de sexo, supostamente antiquados, talvez fossem o que dava suporte a sociedade.

Maturana e Yáñes (2009) ressaltam que a Era pós-pós-moderna que sentimos que se inicia no presente cultural que agora vivemos, é a nossa grande oportunidade de escolher um viver e um conviver que não negue a autonomia reflexiva e de ação própria da nossa constituição biológica, que é amorosa e ética.

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

FONTANELLA, Francisco Cock. O corpo no limiar da subjetividade. Piracicaba, SP: UNIMEP, 1995.

FROMM, E. A arte de amar. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MATURANA, Humberto Romensín; YÁÑES, Ximena Dávila. Habitar Humano. São Paulo: Palas Athena, 2009.

MATURANA, Humberto Romensín. Da biologia à psicologia. 3ª Ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

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