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Psicanálise não cura; o que conjugar?

          A clínica psicanalítica objetiva a cura do sujeito que sofre. Contudo, a cura não é um conceito possível para a psicanálise. Essa afirmação exige uma compreensão da doença e de sua cura. Curare significa o restabelecimento de um estado pré-mórbido, de uma retomada normal das funções diversas do organismo. Para a psicanálise, o sujeito não está doente, ele é doente. Portanto, não há um estado pré-doente na psicanálise o qual seria o objetivo de restabelecimento numa cura, e isso a define como conceito impossível para a psicanálise. O que resta como conceito é a mudança, uma reestruturação do sujeito. Essa mudança que se inicia com uma conjugação intransitiva, não é conjugável.

O conceito de cura foi introduzido no pensamento psicanalítico e em suas pretensões clínicas, advindo das ciências médicas. Curare, do latim, é um termo que designa o restabelecimento de um estado saudável. Contudo, em termos psicanalíticos existem algumas problemáticas que necessitam ser abor­dadas com esse conceito. A psicanálise adotou o termo cura variando-o simplesmente para "amenização dos sofrimentos". Para analisar isso, é necessário primeiramente entender o conceito de saúde; aquilo que se objetiva como meta de restabelecimento na cura.

O termo saúde (salute) engloba o estado normal das funções orgânicas, físicas e mentais, não apenas enquanto estado das funções, mas também do sensível ao sujeito quanto à elas. Caracteriza-se essencialmente pela ausência de sofrimento e/ou de dor e pelo desenvolvimento das diversas matrizes humanas – motoras, psíquicas, sensitivas, cognitivas, orgânicas, etc. – de tal forma que um processo em desenvolvimento não impeça sua própria continuidade futura ou as outras matrizes que se concomitam. Saúde, ainda, não é apenas ausência de doença, mas o sentimento de bem-estar. Essa definição de saúde que advém da Organização Mundial da Saúde (OMS), nos indica que o sofrimento psíquico, nas suas mais variadas formas, se caracteriza como estado de não-saúde.
       Há um desdobramento para isso. Ele se segue.

 Saúde e Doença 

Imediatamente encontramos um paradoxo no conceito de saúde a partir do olhar psicanalítico: o sofrimento como condição de desenvolvimento. Se focarmos os desenvolvidos do período edípico poderemos classificar como não-saudável, uma vez que se desenvolvem sentimentos de angústia, culpa e sofrimento. Esse estado que por características pode ser considerado patológico, se focado apenas a sintomatologia, é na verdade um potencial básico e necessário para o desenvolvimento psíquico desse sujeito. Ou seja, os estados gerados pela cena edípica caracterizam um estado patológico e necessário. Se não houvesse esse sofrimento surgiria posteriormente uma ruptura ou algum tipo de desdobramento que seria caracterizada como patológica. Portanto o estado de sofrimento é parte do desenvolvimento saudável. Não se trata de uma contradição conceitual, mas de uma condição do desenvolvimento humano tido por saudável.

Naturalmente pode-se indagar se esse é um estado patológico. Como não classificá-lo assim se gera um estado de sofrimento? Se não é caracterizado como estado patológico, logo, podemos afirmar que o sofrimento não é universalmente estado patológico. Se todo o sofrimento que se desenvolve a partir das fases iniciais do desenvolvimento não pode ser caracterizado como patológico, é correto afirmar que o estado saudável comporta estados de sofrimento. A linha que divide um estado saudável e um estado patológico é muito tênue; qualquer transição exige alto grau de perspicácia de análise. A compreensão desta linha é essencialmente subjetiva o que dificulta os diagnósticos. Isso também indica que estados patológicos estão presentes na natureza humana independente do desenvolvimento que tiver.

Freud (1900) já afirmava que não há desenvolvimento sem trauma; o trauma exige características de sofrimento, de angústia, pois se desenvolve como agressão psíquica. Os traumas e os sofrimentos vividos ou postergados nesta agressão constituem fonte essencial dos desajustamentos que o psiquismo humano possui. Esses momentos iniciais, embora essenciais para o desenvolvimento, geram as características neuróticas, perversas, maníacas, e demais que integram o nosso psiquismo.

Dessa forma, podemos colocar que há uma condição permanente que nos determina como seres que sofrem. Nos cursos de psicologia afirma-se que: "Se alguém disser que não tem problemas, já tem um: o fato de não ter problema; isso merece análise". De alguma forma estamos doentes, e uma análise psicoterápica mostra isso. Sempre há algo que merece ser tratado, que pode melhorar nosso estado psicológico. Isso quando tal sujeito já não é acometido de uma patologia orgânica. Possivelmente as características psicopatológicas fundamentais não se manifestam escancaradamente na psicoterapia, uma vez que se originam essencialmente da fase inicial do desenvolvimento. Mas sempre há uma espécie de desajustamento social, de conflito interno, de sentimento de culpa, de sadismo, de perversão, etc. algo que gera um sofrimento do qual o sujeito tem consciência.

Esse conjunto de afirmações nos indica de que não há saúde como condição permanente se entendida como o pleno bem-estar orgânico-emocional. Não se trata de um negativismo desmedido, mas de uma concepção clínica do ser humano. A cabida afirmação de que nem sempre sofrimento significa estado patológico nos conduz à ideia de saúde. De fato, a saúde se configura como um estado em que há sofrimento, o que contradiz a origem primeva do termo. Na série de rupturas da psicanálise se perpassa a semântica e se incorpora o sofrimento como um estado saudável e necessário, anulando a cisão que havia entre os conceitos de loucura e sanidade. Psicanaliticamente, esse sofrimento que é inerente ao ser humano se torna patológico quando passa a dificultar o desenvolvimento das matrizes humanas.

A Cura do Sofrimento:

A proposição de uma cura (do alemão, Heilmittel) necessita um entendimento do que demanda ser curado, quem precisa ser curado, o que se define por curado. A psiquiatria hodierna foca essencialmente os processos bioquímicos que se relacionam com o sofrimento independente de sua natureza. De fato, o sistema límbico é alterado quanto a sua funcionalidade em um estado de sofrimento, de dor. Essa alteração, contudo, é uma conseqüência de um todo que geralmente não se inicia nesta estrutura orgânica. A pergunta pertinente: é o sofrimento que gerou a alteração neuroquímica ou é esta alteração que gerou o sofrimento? O fato de o fármaco atuar na redução de sintomas, e não na solução do problema induz a uma resposta. Esse ímpeto de curar através dos fármacos que busca a psiquiatria, gera nos psicólogos algo como uma curafobia[1]

Nos últimos tempos, tem-se produzido uma reiterada prédica contra o modelo médico. Critica-se o modelo médico, em seus diversos aspectos: pretensão de cura, normatização social, controle ideológico e legitimação da ordem instituída. Por isso, e além da pertinência relativa desta crítica, gerou-se uma atitude de repúdio, ou melhor, uma atitude quase fóbica frente ao problema da cura. (HORNSTEIN 1990 p. 10) 

O que pode ser pensado como cura para uma psicoterapia de orientação psicanalítica? Alguns responderão como a elaboração do sentimento de culpa (kleinianos); outros como um processo interminável (freudianos); outros como travessia do fantasma (lacanianos); outros como prevalência do ego sobre os desejos (hartmanianos e afins); e outras colocações dependendo da escola. O conceito de cura para a psicanálise é delicado, não somente pela variabilidade do que se conceitua como cura (conforme as escolas de pensamento), mas pela proposta do que essa cura vai gerar.

Observe que uma patologia orgânica ao ser curada (do latim, curare) restabelece um estado pré-patológico. Portanto, restabelecer, corrigir, pressupõe um estado anteriormente estabelecido, que já estava correto. Uma infecção ao ser curada restabelece um estado pré-infecção, em que não havia doença. Mas em termos psicanalíticos, como seria esse restabelecimento? Como seria essa correção? O que seria restabelecido? Pensar o termo cura na psicanálise exige uma resposta às referidas questões.

Toda patologia[2] de origem psíquica, ou ela em si, comporta uma alteração das ou entre as instâncias que compõe esse psíquico. Essa alteração é essencialmente de caráter estrutural e origina-se essencialmente na infância[3]. Um trauma na vida adulta que gere uma fobia, ou comportamento desajustado, não se enquadra como de natureza psíquica estrutural, mas geralmente está pré-disposta e, uma vez afetando o sistema límbico, pode causar uma patologia de ordem psicológica. Esse friso é importante, pois a pré-disposição é concebível uma vez que, não o sendo, todos ficariam fóbicos ­a cães quando por estes atacados; contudo algumas pessoas o ficam, outras não. Isso nos permite afirmar que toda doença psíquica possui um norte estrutural.

Se uma patologia de origem estrutural, portanto infantil, passa por um processo de cura, ela estabelece um estado que não existiu, portanto não pode ser cura. De qualquer forma, a estrutura do psíquico humano, ao começar sua constituição na tenra infância, traceja um caminho sem volta. O que seria o estado pré-patológico de uma estrutura que era apenas potencial? O caminho sem volta decorre da impossibilidade de retroceder o desenvolvimento. Esse desenvolvimento é linear e contínuo. Mesmo quando em termos de desenvolvimento ocorrem fixações em algumas fases, temos um estado de não desenvolvimento, jamais de retomada de uma fase anterior ao que se está, para depois seguir normalmente o desenvolvimento.

Para que o conceito de cura fosse possível, teríamos que admitir um processo que clinicamente não ocorre. Esse processo seria a retomada da fase geradora do problema, para, a partir daí reiniciar o desenvolvimento da estrutura psíquica de outra forma. Isso seria o restabelecimento de um estado pré-patológico. Por isso a pertinência da colocação de que o sujeito não está doente, ele é doente; não se trata de um estado, mas de uma constituição que causa sofrimento e pode ser considerado patológico.

A clínica psicanalítica é a base de conceituação das teorias. É sob essa base que a "cura", enquanto pretensão, está fundada. Ao colocarmos a impossibilidade de cura distinguimos o que ocorre em termos bioquímicos, onde efetivamente há um processo de cura, e em termos psíquicos. Em termos bioquímicos há um restabelecimento de um estado pré-patológico enquanto retomada dos processos de desenvolvimento e de manutenção. Mas a clínica psicanalítica aborda outra dimensão: a re-subjetivação a partir de sua própria compreensão.

 Da Cura à Re-subjetivação? 

Embora o conceito de estrutura psíquica possa ser visto como um universal acachapante, o adota-se teoricamente para fins de compreensão didática e possibilidade de diálogo. Por isso, determina-se, a partir da clínica, que há uma estrutura psíquica universal nos sujeito quanto ao seu modo de formação. Essa estrutura possui uma variedade infinita de ajustamentos; as patologias surgem a partir da formação destas estruturas, do modo como se configura.

O entendimento de estrutura se torna um facilitador teórico que tende a gerar dificuldades no campo prático. O que é uma estrutura em termos clínicos? É uma forma universal de ser, de manifestar (se), de pensar? A subjetividade fica como que oculta com o universalismo das estruturas. A noção de universal estruturante é fundamental para o diálogo teórico. Contudo, pensar em termos de subjetividade ao invés de estrutura, nos dá maior plasticidade para os efeitos que a clínica apresenta.

Qual seria a posição do analista na subjetividade do paciente a partir da transferência? Primeiramente consideremos a pré-transferência como uma projeção sobre o terapeuta que está imbuída na demanda de "cura" pelo paciente. Essa pré-colocação do terapeuta pelo sujeito é definida por Lacan como o "sujeito suposto saber". A partir desta demanda encontra-se o conceito de "retificação subjetiva" que seria a resolução desta demanda de "cura", para o estabelecimento da transferência propriamente dita.

A transferência supõe que comecemos a nos introduzir no sofrimento do outro. Dessa maneira, a demanda de cura feita no início da análise, acaba sendo substituída progressivamente por manifestações transferenciais. A relação, que por brevidade se chama transferência, logo toma o lugar, no paciente, do desejo de cura. Notadamente o conceito de empatia[4]  ganha sentido uma vez que o analista é colocado no lócus de sofrimento do paciente. Pode-se pensar que o analista faz parte da subjetividade do sujeito; e que a transferência assume o pensar deste sujeito.

A "cura" proposta por Freud centra-se em um ideal nocivo a análise, uma vez que o processo se define em uma produção de um novo sujeito a partir daquele que se apresenta. Esse sujeito não se limita a uma confecção egóica. Trata-se de uma subjetividade que se forma sob uma organização estrutural do sujeito. Não podemos pensar em reorganização por se tratar de uma ordem que não existia, senão em potencial. Há de fato uma mudança na estrutura do sujeito, e isso implica uma mudança na sua subjetividade, no seu modo de ser-pensar.

 Dessa forma, a clínica que se centrava no ideal médico deparou-se com um paradoxo: como que o médico Freud que buscava a construção de uma psicanálise assentada em um ideal orgânico, coloca a impossibilidade de "curar". "O edifício doutrinário da psicanálise que construímos, é, na realidade, uma superestrutura, que um dia deverá ser assentada sobre seu fundamento orgânico; mas nós ainda não o conhecemos"(Lição 24 de Lições de introdução à psicanálise). O que se admitia como "cura" para Freud, era essencialmente uma organização do sujeito em termos de auto-conhecimento assentada em bases orgânicas. Por ser interminável, gera-se uma constante reconfiguração de subjetividade.

Nas palavras de Lacan, afirma-se que o terapeuta ouve e a psicanálise cura; a terapia não objetiva a eliminação dos sintomas de sofrimento, isso ocorre como "benefício anexo" da análise. Se "benefício anexo" é resultado de um processo que é indefinível e interminável, a psicoterapia psicanalítica busca essencialmente esse benefício colocando sua plenitude em um infinito possível. Sua diferença básica está no objeto focado: no primeiro é o sujeito-inconsciente, no segundo o sujeito-sofrimento.

O produto de uma clínica psicanalítica é vastíssimo não somente pelo terapeuta sujeito, mas pela noção de paciente que exige-se: o terapeuta trata um sujeito ímpar. "Sujeitos" surge nomenclatura para o pensamento clínico, não apenas pela singularidade da "estrutura psíquica", mas pela singularidade entre o sujeito que (se) apresenta à queixa e o sujeito que emerge com o "benefício anexo" ou com a melhora, e ainda o que emerge no seu existir desse sujeito novo.

A impossibilidade do conceito de cura não modifica em nada a função da psicanálise. Há, em termos conceituais, uma forma mais singular de compreender o sujeito que se apresenta na busca de uma melhora de seu sofrimento. O terapeuta não vai curar o sujeito, mas melhorá-lo, mas colocá-lo como possibilidade de não-sofrimento.

Não se trata de um relativismo desmedido, mas clinicamente, as noções teóricas são defrontadas com um sujeito único, indefinido e incabível em um padrão universal de doença. Trata-se de uma subjetividade; algo totalmente distinto de uma estrutura psíquica; ele a possui, mas não a é. Esse é o fascínio na psicanálise: proporcionar um processo indefinível e interminável para um sujeito único e inapreensível, com um anexo de alívio de sofrimento e uma nova forma de ser.

Sujeito conjugado? 

Esse tratamento que se propõe não é baseado exatamente, em extrair uma anomalia que se instalou no sujeito. Objetiva-se que o sujeito modele-se de tal forma que alivie o seu sofrimento. É ele próprio que conquista o alívio de seu sofrimento. O sujeito que sofre, no transitar por suas problemáticas, obtém como "benefício anexo" uma subiectum diferente da que sofre. O sujeito portador de sofrimento psíquico não se cura ou não é curado. É um novo sujeito que surge. Ele é re-subjetivado.

Adiciona-se nesta compreensão a noção de "sujeitos", alocado no plural. Uma subjetividade única inviabiliza uma nominação padrão como se apresenta pelo sujeito no singular. O "sujeitos" enquanto conceito para a clínica psicanalítica compreende um duplo processo: ele modifica e é modificado; é ao mesmo tempo produto e produtor do processo, sendo estranho a ambos e imanentes a estes ao mesmo tempo.

Esse sujeito que gramaticalmente não é ativo nem passivo, ao mesmo tempo em que é sujeito, é objeto da mudança. Isso externaliza o sujeito de ambas as determinações gramaticais, pois na cisão desta colocação o sujeito é sempre o todo do processo que atua-reflete sobre si. Essa noção é habitualmente vista nas conjugações verbais do intransitivo: "João cortou-se".

Apressadamente diríamos que é o que ocorre na psicanálise clínica. Contudo, para a psicanálise algo distinto ainda. Esse intransitivo que é gerado pela psicanálise, difere do intransitivo convencional por alterar essencialmente o sujeito ativo em termos de ser a não apenas de estado. Se pensarmos em constância do processo de resubjetivação, esse sujeito que se modifica, modifica justamente o objeto sobre o qual atua, sobre si mesmo. Um sujeito que se modifica naturalmente modificará o processo intransitivo que se seguirá. Dessa forma, a inominação do que se gera é ainda mais presente.

Ainda, em qualquer conjugação dos intransitivos o sujeito é sujeito e objeto do verbo. A cura psicanalítica introduz mais um elemento: a psicanálise, na pessoa do terapeuta. Este (con-)funde-se com o sujeito para produzir um novo sujeito. Como conjugá-lo? É um processo em que um sujeito munido de outro sujeito reconstrói-se para ser outro sujeito. Praticamente, o processo existe. Mas sua construção gramatical é única, pois não há sintaxe que de conta de um processo tão ímpar. A sintaxe se limita no movimento deste processo, a sua dinâmica permanece "estranha-ímpar". Ainda, para que conjugá-lo?

Se não somos senhores de nós mesmos, como propõe a existência do inconsciente, podemos modificar quem somos para não sofrermos com esse desconhecido. Essa conjugação não é possível sem enfrentar o desconhecido, como o fez Riobaldo. Mais apavorante que o desconhecido, é saber que dele tudo podemos esperar. Pior, que deste tudo que podemos esperar é justamente quem realmente nós somos. Essa talvez constitui a maior complexidade da conjugação do sujeito.

 Conclusão

Mesmo partindo da proposição freudiana de assentar a psicanálise em uma base orgânica, tendemos a pensar na psicanálise como uma ciência distinta da organicidade: à pensamos como ciência da alma; não que o orgânico seja neutro, mas que a centralidade seja o meta-orgânico. Dessa forma, o "benefício anexo" gerado pela terapia se assenta em um discurso de (re)conhecimento próprio; é um processo que não se assenta na mudança orgânica, pois trata-se de uma mudança na forma de pensar, de ver o mundo. Portanto, não há possibilidade de pensar em um processo de cura (curare) a partir da psicanálise dada a condição da mudança que se propõe.

A cura como conceito de restabelecimento de um estado saudável se torna impossível, pois não se trata de uma anomalia instalada, mas que é da própria constituição de quem sofre. Em termos clínicos essa compreensão não altera a expressivamente a psicoterapia. Mas a noção de sujeito se torna mais central; objetiva-se não mais o entendimento puro da patologia, senão o entendimento do sujeito que sofre.

A modificação do sujeito que sofre assenta-se justamente em uma pretensão de melhora. A possibilidade de melhorar o sofrimento não representa ameaça para a terapia psicanalítica, muito pelo contrário, valida a efetividade do processo. Notadamente uma análise é interminável, mas isso não inviabiliza o que se nomina como "cura".  A plasticidade que se gera em uma análise interminável surte como ineficácia do processo. Não pela condição da melhora, mas pela amplitude das possibilidades que surgem com algo interminável. Por isso é importante ressaltar a possibilidade de melhora frente à um processo que não se conclui.

Se a cura  enquanto conceito não é possível  e se a psicanálise não possui o status de ciência, certamente isso não diminui a dignidade dos seus feitos. As críticas são devidamente importantes desde que visem auxiliar nos modos de ajudar o sujeito. Para isso, uma fundamentação teórica é basilar não apenas para a efetividade dos trabalhos, senão para um sentido do seu trabalho. Compreender a singularidade do que ocorre na psicanálise pressupõe uma nomenclatura distinta da que ocorre organicamente pois além de trabalhar com o verbo "estar" do sujeito, trabalha-se com o verbo "ser". 

Bibliografia
 

LUIZ, Hornstein. Cura Psicanalítica e Sublimação, Porto Alegre, Artes Médicas,    1990.

BROUSSE, M.- H. O destino do sintoma. In M. B. da Motta (Org.), Clínica lacaniana: Casos clínicos do campo freudiano (pp. 69-79). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.

FREUD, S. (1976). Cinco lições de psicanálise. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 11). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1910).

LACAN, J. (1998). Intervenção sobre a transferência. In J. Lacan, Escritos (pp. 215-225). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1951).

     


[1] Termo forjado para dar conta de um processo inominado: uma aversão fóbica à cura.

[2] Pathologie, do alemão, é um termo usado amplamente por Freud, mas merece a acuidade de não ser sinônimo de sofrimento.

[3] Essa concepção é variável conforme as correntes. Mas há o consenso de ser essencialmente de origem infantil e de natureza estrutural.

[4] Do alemão: Einfühlung.

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