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Série: Quem é o estudante de Psicologia do Brasil? Parte 1 – A elitização dos cursos brasileiros de Psicologia

A Rede PSI está desenvolvendo uma série de notícias acerca de publicações que investigam o estudante de Psicologia brasileiro, e os aspectos que o envolvem (como as condições dos cursos, estado socioeconômico dos indivíduos, contexto sociocultural, desempenho dos estudantes e das IES etc.) e começa a partir de hoje a publicação das mesmas; As publicações serão periódicas, abordando a cada notícia um artigo/estudo que trate dos aspectos supracitados.

A notícia hoje apresentada abordará a tese da elitização do curso de graduação em Psicologia no Brasil, com base em dados sociodemográficos dos estudantes que participaram do ENADE-2006.

Os autores Oswaldo Hajime Yamamoto, Jorge Tarcísio da Rocha Falcão e Pablo de Sousa Seixas desenvolveram um artigo onde, como citado acima, discutem a tese da elitização do curso de Psicologia no país; O artigo divide-se em três partes, sendo que na primeira delas os autores delineiam as características sociodemográficas dos estudantes através de análise das respostas do questionário socioeconômico que acompanhou o ENADE – 2006; Na segunda parte, é tratado o fato da elitização do curso, buscando a identificação de percursos acadêmicos possíveis mediante análise de um conjunto de dados socioeconômicos selecionados e, na última parte, retoma-se e discute os percursos acadêmicos analisados, concluindo acerca da questão da elitização do curso de Psicologia.

Algumas variáveis como categoria administrativa, região geográfica de funcionamento da IES, grau de escolaridade do pai e da mãe, faixa de renda mensal da família, situação financeira do estudante, categoria administrativa da escola de ensino médio e modalidade de ensino médio concluído, turno de matrícula, faixa etária, estado civil, etnia, situação de residência, carga horária de trabalho, tipo de financiamento para despesas do curso e tipo de bolsa para auxílio na formação universitária.

Foram analisados as respostas de 26.613 estudantes de 294 cursos de Psicologia do país, sendo que 83,7% destes frequentam Instituição de Ensino Superior  da rede privada de ensino e 16,3% a rede pública; Informação importante analisada é de que 43,3% dos estudantes estudam no turno noturno, sendo que tal turno cria algumas dificuldades em função da própria organização  de sua carga-horária. Em relação ao sexo, os dados indicam que há ampla predominância de mulheres (84,1%), confirmando a qualificação da Psicologia como uma profissão feminina; No aspecto da etnia, há ampla predominância de respostas nas quais os estudantes se declaram brancos (73,2%), contra 19,3% de pardos/mulatos, 4,3% de negros, 1,9% de origem oriental e 1,2% de indígenas.

Foram realizadas duas análises dos dados, onde cada uma abordou diferentes aspectos do estudante de Psicologia brasileiro e desenvolveu perfis para o mesmo; Na primeira delas os autores apontaram algumas observações que ora aproximavam o estudante da visão elitista, ora o distanciavam; A maioria dos estudantes – além de serem do sexo feminino, jovens e solteiras – reside com os pais ou outros parentes, e 30% dos mesmos tem pais e mães com o nível superior completo, fatos estes que indicam o acesso a bens culturais específicos que permitem uma associação a noção de elitização.

Observa-se também com base no dado que 71,8% dos estudantes possuem renda familiar situada na faixa de até 10 salários mínimos, a tese de elitização no curso de Psicologia (tomando como referência apenas o rendimento) não parece se sustentar; Porém ao abordar os dados relativos as condições de realização dos estudos (especificamente a necessidade de vinculação ao mercado de trabalho como condição para o sustento), indica-se uma direção diferente: 49,8% dos estudantes não trabalham, tendo seus estudos financiados pela família e apenas 23,8% dos respondentes afirmam não depender da família; Tais dados (levando em consideração que as faixas salariais familiares declaradas pelos estudantes são acuradas) não afastam portanto a hipótese de elitização. Em adição a isso, 72,4% dos estudantes informam que dependem de outro tipo de financiamento que não modalidades de crédito estudantil, sugerindo portanto a participação familiar na manutenção do estudante no ensino superior.

Em relação à formação pregressa os dados não indicam predominância, com 43% dos estudantes advindos de escolas da rede privada e 41,8% da rede pública.

Os dados analisados na primeira análise apresentaram dois perfis caracterizados do estudante de Psicologia: no denominado Grupo 1, tem-se o estudante oriundo de ensino médio cursado preponderantemente em escola pública e de tipo profissionalizante/magistério, com pais de baixa escolaridade, faixa de renda mensal familiar de até três salários mínimos e/ou entre três e cinco salários mínimos, estudante este que trabalha e é responsável pelo sustento familiar ou se sustenta, cursa instituição de ensino superior municipal ou particular e é oriundo predominantemente das regiões sul/sudeste/norte do país.

Já o Grupo 2 é representado pelo estudante proveniente de ensino médio de escola privada e de tipo ensino regular, com pais de nível superior de escolaridade, faixa de renda mensal familiar entre 10 e 30 salários mínimos, indivíduo este que não trabalha o faz eventualmente e tem seus gastos financiados pela família, além de cursar instituição de ensino superior estadual ou federal e é oriundo predominantemente das regiões nordeste e centro-oeste do país.

Com a segunda análise realizada os autores desenvolveram quatro possíveis percursos dos estudantes de Psicologia, sendo estes representados por cada um dos grupos detectados por tal análise:

Grupo 1: Estudante na faixa etária de 22 a 27 anos, que mora preponderantemente sozinho ou com pais/amigos, preponderantemente separado/viúvo ou solteiro, que trabalha em paralelo à sua formação (40 h.), recebeu suporte de crédito de sua instituição ou FIES ou créditos estadual/municipal, com bolsas integral/parcial oferecida pela própria instituição, PROUNI parcial ou integral e bolsas de entidades externas, vinculado a instituições de ensino Particular/municipal, oriundo de ensino médio cursado todo/em parte/preponderantemente em escola pública, preponderantemente negro/indígena/pardo e preponderantemente do sexo masculino.

Grupo 2: Estudante bastante jovem, na faixa etária de 16 a 21 anos, que mora preponderantemente em alojamento universitário, com os pais ou com amigos, predominantemente solteiro, não trabalha/trabalha eventualmente/trabalha até 20h, tendo recebido suporte financeiro familiar (outro financiamento) ou créditos municipal, estadual ou da própria instituição, com bolsa PROUNI integral, parcial ou nenhuma bolsa, oriundo de instituições federal, estadual, municipal e particular, com ensino médio cursado preponderantemente em escola particular (mas com contingente oriundo de escola pública), sem contribuições significativas de etnia e gênero para este grupo.

Grupo 3: Estudante da mesma faixa etária do grupo 1 (adultos jovens, 22 a 27 anos), morando com amigos ou família, preponderantemente solteiros, com trabalho moderado ou sem trabalhar durante o curso, sem referência a financiamento a não ser FIES e suporte familiar, com bolsa apenas do tipo oferecida pela própria instituição/entidades externas ou nenhuma, vinculado preponderantemente a instituição de ensino estadual e federal, oriundo de ensino médio todo cursado ou preponderantemente cursado em escola particular, preponderantemente amarelo/oriental/branco/indígena, sem contribuição significativa de gênero para este grupo.

Grupo 4: Estudante de faixa etária mais elevada (28 até 78 anos), preponderantemente casado e morando com esposo/a e filho/s, trabalhando em tempo integral ou entre 20 e 40h, sem contribuição significativa de tipo de financiamento para este grupo, bolsa integral ou parcial oferecida por entidades externas ou pela própria instituição ou nenhuma bolsa, vinculado preponderantemente a instituições particulares e municipais, oriundo de ensino médio cursado em escola pública e particular ou preponderantemente em escola pública, pardo/mulato/branco, preponderantemente do sexo feminino (mas a contribuição dessa variável aqui está muito próxima do limiar de significância).

Os autores apontam que, apesar das análises serem produzidas a partir de conjuntos de variáveis diversos, as mesmas possuem claras conexões entre si, tendo em vista que a estrutura em dois grupos da Análise 1 reaparece na Análise 2.

Após a apresentação dos resultados das análises e do desenvolvimento dos perfis, os autores concluem que há uma dificuldade em definir uma resposta simples, positiva ou negativa acerca da possível elitização do curso; De modo geral, a análise levou a identificação de dois grupamentos que indicam percursos acadêmicos demarcados e divergentes tendo como base a seletividade socioeconômica (um não elitizado, para estudantes do Grupo 1 da primeira análise ou dos Grupos 1 e 4 da segunda, e outro elitizado, para estudantes do Grupo 2 da primeira análise ou dos Grupos 2 e 3 da análise mais nuançada).

Em relação aos aspectos de elitização, a família representaria as condições de produção e consumo de seus membros, sendo um do principais eixos das condições socioeconômicas de seus integrantes; Por relacionar-se com padrões de renda e consumo, a família proporciona o acesso de seus membros a bens e serviços (incluindo educacionais), constituindo assim um dos pilares da representação da ideia de elitização.

Ainda em relação à família e em análise aos grupamentos identificados como não-elitizado e elitizado, um dos indicadores de condições familiares de maior importância é a escolaridade dos pais, sendo caracterizados com uma ausência total de formação superior no primeiro e predominância de formação superior no segundo; Outro ponto tocante às condições familiares relaciona o exercício da atividade remunerada e o estudo, sendo que praticamente todos os estudantes do grupo não-elitizado trabalha (fato este inversamente ao que se observa no grupo elitizado) e por muitas vezes é responsável pelo sustento da família. Considerando juntamente esse fato à carga horária estabelecida pelos currículos de um curso de Psicologia, reconhece-se que há uma distância de um cenário familiar que possa ser associado com qualquer sentido de elite.

Os autores apontam outros diferenciais entre os agrupamento elitizado e não-elitizado, como a renda familiar (renda de 5 salários para a segunda opção e faixa de 10 a 30 para a primeira), a dependência administrativa da instituição no qual o estudante realiza sua formação em Psicologia (estudantes do percurso não-elitizado vinculam-se às IES da rede privada enquanto estudantes do percurso elitizado frequentam instituições da rede pública, federal e estadual) e predominância regional (percurso não-elitista encontrado nas Regiões Norte, Sul e Sudeste do país, enquanto percurso elitista nas regiões Nordeste e Centro-Oeste).

Por fim, os autores concluem que a análise feita demonstra a existência de segmentos elitizados e outros longe de tal realidade; Os mesmos apontam como conclusão inescapável da análise a existência de trajetórias claramente definidas, onde no percurso elitizado associa-se o ensino médio em instituição da rede privada como ensino superior realizado na rede pública e o não-elitizado sendo associado o ensino médio de caráter profissionalizante em instituição da rede pública com ensino superior realizado na rede privada e predominantemente no turno noturno.

Concluindo, levando em consideração a enorme prevalência das vagas na rede privada de ensino superior, considera-se o percurso não-elitista como realidade na formação do psicólogo, e não a propiciada pelas instituições universitárias do setor público – que é minoritária; Os autores apontam que é preciso atentar-se para condições de alteração desse quadro, como a expansão da rede privada de ensino superior nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o aumento de programas de ações afirmativas ou ainda diferentes modalidades de financiamento público para os estudantes.

YAMAMOTO, Oswaldo Hajime; FALCAO, Jorge Tarcísio da Rocha; SEIXAS, Pablo de Sousa. Quem é o estudante de psicologia do Brasil?. Aval. psicol.,  Itatiba,  v. 10,  n. 3, dez.  2011 .   Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712011000300002&lng=pt&nrm=iso. acessos em  18  jun.  2012.

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