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Melancolia

Quando me baixa a nuvem
Nem jacarandá florido me consola,
Nem sabiá cantando me atenua.
É só esse querer fundir-me em pedra,
Virar musgo de árvore,
Desfazer-me em pó
Sem mais demora.

A melancolia é, em larga medida, cansaço de ser. Ser exige esforço contínuo, permanente confronto com o vazio que nos separa de nós mesmo. Por isso o melancólico inveja a completude da estátua, que simula o ser sem deixar a indiferença da pedra. Para as coisas não há tempo: mesmo a árvore, que nasce e morre, ou o musgo, que se forma na chuva e desaparece sob o sol, só existem no tempo quando alguém os observa. Para nós o tempo existe duplamente, fora e dentro, tempo do mundo e tempo subjetivo. No tempo do mundo, o melancólico consulta o relógio para não chegar atrasado ao trabalho. No tempo subjetivo, o passado o habita, porém quase sempre sob a forma do que não foi, assim como o futuro o atrai, sob a forma do que não será. Sem sincronia com o tempo do mundo, resta-lhe o solipsismo: as pessoas não lhe dizem respeito, as coisas não têm serventia para ele. Em falta permanente com a vida, não pode se dar a leveza da amizade nem os vagares de domingo. O empenho em preencher o vazio impreenchível lhe toma todo o tempo. Se foge da vida, o melancólico não o faz como um grito de protesto, nem uma calculada renúncia à existência sem sentido, e sim como um apagar-se, um escapar do tempo, um quieto e dolorido deixar de ser de quem na realidade já não é.

Como nem sempre, porém, lhe são alheios o amor e o sacrifício, nem impossível o talento, não é raro que dessa ostra dolorida por vezes resulte uma pérola.  Quem leu Fernando Pessoa ou Silvia Plath com certeza colheu algumas delas.

Humberto de Almeida
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