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Poesia

Não sei se alguém
Dentro de mim desperta
Ou se desperto
Dentro de que sou.

Não sei se sou alguém
Que me transporta
Ou se transporto
Alguém que sou.

Não sei se sou
Quem bate à porta
Ou quem de dentro diz
Que não estou.

O hiato que se insere entre nós e o que somos permeia também aquilo que fazemos, de maneira especial aquilo que dizemos. Se digo “meu corpo”, “minha mente”, “minha alma”, separo de mim mesmo aquilo que me constitui. Se digo “eu sou”, também me coloco à distância daquilo que afirmo ser. Da mesma forma, há sempre uma fissura entre a palavra e seu sentido, que outras palavras, igualmente incompletas, nem sempre dão conta de explicar. Saussure aponta para essa distância entre a palavra e a realidade factual: partida entre significado e significante, a linguagem não conseguiria representar, de modo suficiente, o que de fato constitui o mundo. Não admira, portanto, que todo discurso racional se revele insuficiente, que nenhum conceito abarque de maneira completa aquilo que se propõe definir. Talvez por isso, como observa Richard Rorty, Heidegger tenha se afastado do cientista e se aproximado do poeta, buscando no diálogo com a poesia uma nova forma, talvez mais completa, de expressão e compreensão. Suspensa no abismo entre a palavra e seu sentido, a poesia reflete a essência do ser definido Sartre. Se este “não é o que é e é o que não é”, também a poesia “não diz o que diz e diz o que não diz”. E, com isso, acaba por dizer sempre algo mais que outras formas de expressão.

Humberto de Almeida
[email protected]

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