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A atitude fenomenológica

Um homem deveria aprender a detectar e espreitar esse raio de luz que lampeja de dentro, através de sua mente, mais que o esplendor do firmamento de sábios e bardos.

Emerson, Ensaios

Noite após noite, o físico e astrônomo italiano aponta para o firmamento seu telescópio rudimentar, ainda assim capaz de aumentar 30 vezes o tamanho percebido dos objetos. É o suficiente para que descubra pequenos corpos celestes circulando ao redor de Júpiter, que hoje conhecemos como os satélites galileanos do planeta: Europa, Io, Calixto e Ganimedes. Continuando suas observações, testemunha o movimento dos planetas então conhecidos em torno de um eixo central, o Sol.

Quase 300 anos depois, pesquisando plantas e animais no arquipélago Galápagos, ao largo da costa do Equador, o naturalista inglês surpreende-se ao encontrar diferenças nas características de certas aves, supostamente da mesma espécie. Posteriormente, refletindo sobre estas e outras observações, feitas durante sua longa viagem ao redor do mundo, ele atribui tais mudanças a um mecanismo de adaptação da fauna e da flora às diferentes condições ambientais.

No final do século XIX, o médico austríaco, interessado nos processos mentais, surpreende-se com a quantidade e uniformidade dos relatos de sedução sofrida na infância por algumas de suas pacientes. Ao longo de suas reflexões, sempre amparadas na prática clínica, conclui que os relatos não são verdadeiros, embora suas pacientes não estejam mentindo. Espantosamente, é como se elas fossem “mentidas” por alguma instância ou aspecto interior às suas próprias mentes.

Como em todas as épocas, também no tempo em que viveram Galileu, Darwin ou Freud as verdades estavam dadas. Nos séculos XVI e XVII sabia-se que a Terra era o centro não apenas do sistema solar, mas de todo o universo. No século XIX predominava a ideia de que as espécies tinham sido criadas tal como eram no presente, e havia poucas dúvidas de que a razão orientava a existência humana. No entanto, nossos três personagens estavam abertos ao que se mostrava à luz. Galileu, aos planetas que, com seus satélites, insistiam em girar em torno do Sol. Darwin, aos bicos dos pássaros tentilhões, cujo tamanho variava de uma para outra ilha do arquipélago Galápagos. Freud, a certos conteúdos trazidos por seus pacientes, que pareciam emergir de alguma instância estranha à consciência.  

Darwin, Freud, Galileu, homens de suas respectivas épocas, pareciam ter características em comum: eram cultos, criteriosos, fieis à ciência em sua forma então consagrada. Nada disso, no entanto, os impediu de se renderem ao que se apresentava às suas consciências, ainda que isso implicasse ir contra as concepções de mundo da maior parte de seus contemporâneos. Tal atitude, que certamente poderia se chamar fenomenológica, já que aberta àquilo que se mostrava, é a marca de todo pensador original. Sem ela não pode haver conhecimento novo, apenas repetição. Ocorre que o pensamento original também se cristaliza em conceitos, que nós, que não somos Darwin, Freud ou Galileu, nos habituamos a utilizar não como representações de mundo, mas como o próprio mundo, ao qual fechamos os olhos.

Conta-se que, no final do século XIX, alguém sugeriu o fechamento do Departamento de Patentes dos Estados Unidos, já que nada de novo havia para ser inventado. O que hoje soa como anedota pode também ser visto como uma metáfora da nossa atitude natural, para a qual todos os conceitos já estão dados, cabendo a nós apenas encontrar aquele que melhor explique seja lá o que for que a vida nos apresente.

Humberto de Almeida
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