O Conselho Federal de Psicologia entregou parecer nesta última terça-feira, em audiência pública da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado realizada na Câmara dos Deputados, parecer este que contempla vários contextos da questão das drogas contidos no Projeto de Lei nº 7.663/10 – que prevê mudanças na Lei Antidrogas 11.343/06; O PL deverá ser votado no Plenário na próxima quarta-feira (9).
O documento elaborado pelo CFP enfatiza que a aprovação do dispositivo potencializará os efeitos perversos das abordagens tradicionais na área, aumentando o número de prisões e o tempo de privação da liberdade. O projeto poderá, ainda, aumentar as condenações, criando uma indústria de internações compulsórias, aumentando de forma exponencial a despesa pública e violando os direitos elementares de pessoas em situação de fragilidade social.
Os pontos mais criticados pelos palestrantes presentes na audiência pública giraram em torno das internações, tanto voluntária quanto involuntária, do aumento das penas para usuários e traficantes e da eficácia das comunidades terapêuticas. Apesar das contradições, o PL deverá ser votado no Plenário na próxima quarta-feira (9).
De acordo com o psicólogo Dário Teófilo Schezzi, representando o Conselho Federal de Psicologia (CFP), para compreender problemas como o do crack no Brasil, é necessário enxergar o contexto em que as pessoas vivem. “Temo que o PL 7.663/10 piore a situação das pessoas que vão parar no sistema penal. O projeto tem vários retrocessos e um dos principais é a não garantia dos direitos à dignidade humana, assegurado pela Constituição Federal”, diz. “O aumento das penas não vai resolver a questão”, estima o psicólogo.
O aumento das penas para usuários e traficantes foi duramente criticado pela representante do Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej), Maria Tereza Uille: “Prendemos muito mais em razão do tráfico do que em danos ao patrimônio ou homicídios”, aponta Uille.
De acordo com o representante do Viva Rio, Sebastião Santos, e para Uille, a condenação por tráfico deveria levar em conta a natureza e a quantidade de droga, local, condições, circunstâncias sociais, conduta e antecedentes criminais dos indivíduos. “Precisamos de uma lei que defina o que é usuário e o que é traficante. Uma legislação que criminaliza não é um avanço”, considera Santos.
Em relação a internação involuntária, o representante da Associação Brasileira de Psiquiatria Rodrigo Godoy Fonseca apontou que aproximadamente 99% das internações no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), do Rio de Janeiro, foram voluntárias e apenas 1% de forma involuntária, mas não compulsória. “A internação involuntária deve ser o último recurso”, explica.
As comunidades terapêuticas no sistema nacional de tratamento de dependentes também foram alvo de críticas no PL. O professor da Unicamp, Luiz Fernando Tófoli, ressalta que existem entidades sérias, mas não são todas. “O projeto não permite a fiscalização adequada e coloca o poder de administração nas próprias comunidades”, argumenta.
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De forma resumida, pode-se dizer que o projeto pretende ampliar a adoção de métodos de tratamento, e propõe um novo sistema nacional de políticas de drogas – não reconhecendo, por exemplo, a redução de danos como estratégia principal de prevenção.
Em relação à área penal, o PL cria um sistema punitivo diferente do hoje existente: contempla novo aumento da pena mínima do delito de tráfico (que já sofrera aumento em 2006), a qual passará de cinco para oito anos, superior até à pena mínima do crime de homicídio , entre outras mudanças que envolvem o aumento de cumprimento de pena frente a determinadas situações – agravando ainda mais o precário sistema carcerário brasileiro.
No que tange as políticas públicas de maneira geral, o substitutivo pretende aumentar o controle sobre usuários de drogas, criando um “cadastro” no qual as internações e altas devem ser registrados em 72 horas, e ainda realizará no usuário que for penalizado com medidas alternativas um monitoramento para avaliar o seu progresso.
No que diz respeito ao tratamento, constitui categorias de internação: voluntária e involuntária – sendo esta última podendo ser solicitada pela família ou servidor público, aumentando o prazo máximo de internação para 180 dias para “desintoxicação”.
Em relação a adolescentes e crianças usuárias de drogas e em situação de rua, a proposta contraria uma diretriz do Estatuto da Criança e do Adolescente – que aponta que nessa situação os menores devem ser entregues a seus familiares – ao prever a obrigatoriedade de acolhimento institucional aos indivíduos, além de criar hipóteses obrigatórias de internação (reduzindo o papel do judiciário no controle das medidas restritivas de direitos), priorizando a internação obrigatória de usuários em instituições não médicas sem o controle judicial.
Além dos fatos supracitados, o PL também obriga a política de atenção ao usuário a fomentar parcerias com “instituições religiosas e associações e organizações não governamentais na abordagem das questões do abuso de drogas”, configurando interferência religiosa na política de drogas e violando a Constituição Federal em seu art. 19, I, que proíbe a subvenção estatal em cultos ou igrejas e consequentemente favorecendo a ampliação e financiamento da atuação das comunidades terapêuticas – autorizando inclusive o custeio com dinheiro público do tratamento nesses estabelecimentos em caso de inexistência de vagas em programas estatais e possibilitando a redução das exigências de fiscalização.