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Apesar de discurso, psicólogos não são atuantes frente a Política Nacional de Saúde Mental

Pesquisa realizada pelos profissionais João Paulo Macedo e Magda Dimenstein objetivou problematizar as formas de participação técnico-assistencial e política dos psicólogos frente a Política Nacional de Saúde Mental; Os resultados apontam que o discurso dos psicólogos não condiz com a atuação destes na transformação das práticas e das posturas político-profissionais. 

A pesquisa foi realizada no estado do Pará, sendo que a realidade piauiense foi tomada como analisador do quadro brasileiro. Foram desenvolvidas três etapas: levantamento documental sobre a participação dos psicólogos no processo de Reforma Psiquiátrica local, entrevista semiestruturada com os profissionais e acompanhamento dos principais eventos e mobilizações sociopolíticas nos anos de 2009/2010 por meio da observação participante e diário de campo.

Inicialmente reuniu-se documentos e depoimentos dos principais atores institucionais que fizeram a Saúde Mental no Piauí nos últimos 30 anos; Os dados permitiram a identificação dos principais acontecimentos, cenários e movimentações sociopolíticas, bem como dos pontos de tensão, desdobramentos e dos atores envolvidos no movimento de reforma psiquiátrica piauiense. Após isso, os pesquisadores conheceram a realidade de cada serviço e entrevistaram 29 psicólogos que atuam nos Centros/ Unidades básicas de Saúde, Centros de Atenção Psicossocial/CAPS, Hospital Psiquiátrico e na Gerência Estadual de Saúde Mental, utilizando-se de um roteiro de entrevista semiestruturada. Por fim, os autores da pesquisa participaram dos eventos comemorativos do “Dia Nacional de Luta Antimanicomial” e “Dia Mundial da Saúde Mental” ocorridos no biênio 2009/2010, em Teresina-PI, além das etapas municipal e estadual da IV CNSM realizadas em 2010, acompanhando a participação e movimentações sociopolíticas dos psicólogos naqueles espaços, especialmente nas etapas municipal e estadual da conferência, assim como acerca do fechamento do Sanatório Meduna – hospital psiquiátrico privado da capital.

Os resultados da pesquisa apontaram que: são poucos os profissionais que relataram alguma aproximação ou experiência prévia com saúde mental antes de ingressarem nos serviços, muitos participantes possuem outros empregos (com prevalência para a clínica psicológica em consultório privado); há dificuldades em relação a questão salarial e fragilidades quanto às condições de trabalho, especialmente em relação à falta de material e estrutura dos serviços; número insuficiente de serviços que contam com psicólogos; profissionais orientados basicamente pelas ações do psicodiagnóstico e psicoterapia, com a utilização de nexos causais baseados nas definições de normal e patológico apresentadas pela psiquiátrica tradicional, entre outras diversas situações.

Notamos então uma distância entre o discurso de engajamento em favor da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica, bastante presente nas entrevistas, e a atuação prática dos profissionais. Os relatos de despreparo e receio para atuar neste campo foram frequentes. Além disso, os entrevistados confessaram ficar bem mais à vontade com pacientes menos comprometidos psiquicamente e de fácil adesão ao modus operandi clássico da profissão: atendimento individual. Assim, eles não precisam alterar a linha de condução do seu repertório técnico de atuação.

Ou seja, apesar do forte discurso pautado no lema do compromisso social, inclusive tendo como uma de suas bandeiras a luta pela reforma psiquiátrica brasileira, no campo das práticas e ações profissionais nos serviços, percebemos os psicólogos mais vinculados e comprometidos afetivo-profissionalmente com a reprodução e atualização do saber-fazer que tanto reafirma omodus operandi clássico da nossa profissão. Isso significa que o argumento do compromisso social frente às necessidades e demandas da sociedade, que sustenta a ideia da imprescindibilidade da psicologia no SUS, tem se materializado em práticas ainda pouco efetivas na produção de saúde e cidadania, com modalidades de cuidado culturalmente sensíveis e territorializadas.

MACEDO, João Paulo; DIMENSTEIN, Magda. Ação política-profissional dos psicólogos e a Reforma Psiquiátrica.Estud. psicol. (Natal), Natal , v. 18,n. 2,jun. 2013 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2013000200015&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 09 out. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2013000200015.

One thought on “Apesar de discurso, psicólogos não são atuantes frente a Política Nacional de Saúde Mental”

  1. Interessante notar que muito do que é dito fica retido apenas no discurso. Tem-se então uma politicagem disfarçada sob forma de pseudo-militância, mas que não consegue ultrapassar as barreiras da clínica tradicional e dos saberes e práticas estigmatizantes. Eis o grande vilão do "compromisso social" da profissão e a hercúlea tarefa a ser desempenhada pela classe: superar a prática clássica e descontextualizada.

    É claro que não dá para generalizar o quadro brasileiro a partir de apenas um Estado da Federação.

    Só um erro no 2º parágrafo texto acima: a pesquisa foi realizada no Piauí e não no estado do Pará.

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