Psicoterapia do Movimento: conceitos e aplicações por Teresa Pacchiega*
Psicoterapia do Movimento é uma forma de psicoterapia que inclui movimento como veículo de expressão, comunicação, interação e conhecimento pessoal.
O uso de movimento e dança expressiva como método na psicoterapia vem se expandindo em países da Europa, Estados Unidos, Japão e Austrália. É conhecida nesses países como Dança Movimento Terapia, fazendo parte de uma modalidade das chamadas Terapias pelas Artes Criativas como dramaterapia, musicoterapia e arteterapia.
A Psicoterapia do Movimento é baseada em conceitos teóricos que descrevo a seguir:
1. O corpo e a mente estão em constante interação. Neste sentido, o trabalho terapêutico visa facilitar a percepção do indivíduo na relação entre o emocional e o modo de agir e estar no mundo. Vários estudos foram desenvolvidos no campo de como o movimento reflete aspectos da personalidade e do funcionamento cognitivo.
2. O reconhecimento da importância da linguagem não-verbal como parte da comunicação. Postura, gestos e linguagem corporal oferecem insights do estado emocional do paciente, e o terapeuta utiliza-se destes mesmos canais de expressão assim como da entonação da voz e produção de sons como parte ativa da comunicação.
3. O valor atribuído ao processo criativo como método no trabalho de investigação psíquica. A psicoterapia do movimento faz uso do movimento como instrumento na produção de insight e como interpretação simbólica, uma vez que este é uma forma de expressão do inconsciente, assim como sonhos, associações livres, desenhos, pinturas e esculturas.
4. Como toda forma de psicoterapia, o processo psicoterápico é baseado no relacionamento entre terapeuta e paciente. Na psicoterapia do movimento o terapeuta utiliza-se de recursos verbais e não verbais para estabelecer rapport e facilitar uma dinâmica favorável para a exploração (inter)pessoal.
A psicoterapia do movimento incorporou conceitos teóricos de várias disciplinas, como a dança, psicologia, neurologia, psiquiatria, dinâmica de grupo, observação e análise de movimentos. Como movimento é um método de intervenção psicoterápica, o processo terapêutico se delineará conforme a linha psicológica adotada pelo terapeuta. Entre elas destacam-se as correntes psicanalíticas, psicodinâmicas, Junguiana, cognitiva, gestaltiana, existencialista e humanística.
No decorrer da história e do desenvolvimento da Dança Movimento Terapia, correntes e técnicas desenvolvidas pelos pioneiros serviram como base do trabalho de outros profissionais. A prática surgiu nos anos 40 com a exaltação da investigação do inconsciente, do processo criativo e da dança moderna como linguagem expressiva. Nos Estados Unidos, Marion Chace, fazendo uso da “dança como comunicação” e influenciada por Sullivan na psiquiatria, desenvolveu um trabalho no St Elizabeth’s Hospital, um hospital psiquiátrico em Washington, com ênfase na formação de relacionamentos interpessoais. Estruturava a sessão de forma que iniciava os movimentos onde e como os pacientes se encontravam na sala, evoluindo para interação de grupo usando ritmo e técnicas de sincronia e espelhamento como forma de interagir com a qualidade de movimento apresentada pelos pacientes.
Nos anos 50, Mary Whitehouse, trabalhando na prática privada com os chamados ‘neuróticos normais’, utiliza-se de movimentos espontâneos e conceitos de Jung, para desenvolver uma linha de trabalho denominada como “movimento autêntico”. Esta foi aprofundada pela psicoterapeuta junguiana, Joan Chodorow, no ínicio dos anos 90.
Simultaneamente na Europa, inicialmente na Alemanha e posteriormente na Inglaterra, Rudolf Laban, instigado pelo aspecto motivador do ato de movimentar-se (seja este por estímulo externo e/ou necessidade interna), desenvolvia um sistema de observação e análise qualitativa do movimento. Através deste, observa-se a intenção e o estado emocional da pessoa ao analisar a qualidade do movimento pela combinação de elementos comuns do uso do Espaço e Tempo e atitude em relação ao Peso e Fluência do movimento.
Alunas de Laban, Marion North, durante um trabalho experimental em escolas da Inglaterra, formulou uma teoria de Avaliação da Personalidade através da análise do Movimento, e Irmgard Bartenieff desenvolveu trabalhos nos Estados Unidos correlacionando fases do desenvolvimento a nível cognitivo, emocional e neuromuscular. Posteriormente, Kestenberg, uma psicanalísta americana, dedicou-se a estudos que combinavam o sistema de análise de movimento de Laban com teorias de fases do desenvolvimento infantil e teoria da sexualidade, identificando padrões no desenvolvimento do movimento.
O instrumental desenvolvido por Laban é de grande valia para outros profissionais da área e serve como embasamento de importantes estudos. Apenas alguns foram citados neste artigo que tem o intuito de oferecer uma breve contextualização da história e de variadas linhas teóricas que dão suporte para a prática de outros profissionais. Assim como na psicologia, o trabalho do profissional é embasado nos conceitos de uma escola teórica definida; do mesmo modo, na Dança Movimento Terapia diferentes linhas de trabalhos orientam profissionais em suas observações e atuações.
Aplicações da Psicoterapia do Movimento
A aplicação de estudos teóricos no campo da psicoterapia do movimento e de técnicas não-verbais foram de grande importância no tratamento de traumas pós-guerra e de vários distúrbios psiquiátricos, e suas aplicações se estenderam da prática clínica e instituições como hospitais e centros de reabilitação para centros educacionais e de prevenção.
Hoje, Dança Movimento Terapia vem atendendo uma população bem mais abrangente. É de extrema valia para pacientes com dificuldades de expressar-se verbalmente, mas também como instrumento no processo de auto-conhecimento. O método beneficia pessoas que vivenciam ansiedade, depressão, stress, abuso de drogas, psicoses, deprivação e abuso físico ou emocional. Estudos e pesquisas científicas vêm mostrando sua eficácia na prática com pessoas com dificuldades de aprendizagem, autismo, Alzheimer e transtornos alimentares. Os profissionais atuam na prática privada ou em equipes multidisciplinares na área da saúde mental, educacional e social.
A estrutura da sessão assim como técnicas e linhas teóricas adotadas variam conforme a população de atendimento em questão, as peculiaridades do caso e a forma de psicoterapia. Seja esta individual ou em grupo, o movimento serve como instrumento na produção de insight, e seus significados são articulados verbalmente pelo terapeuta através de descrição e comentários, durante as experiências de movimentos que podem incluir música, dança, jogos, objetos, imagens associativas, técnicas de relaxamento e expressão criativa. Geralmente a sessão inclui espaço para discutir o conteúdo explorado com o paciente ou grupo após as atividades desenvolvidas.
A psicoterapia do movimento se diferencia das terapias corporais no sentido que estas atuam diretamente no corpo, propondo movimentos específicos que devem ser praticados com precisão para atingirem determinados objetivos. A intervenção corporal nessas práticas varia na aplicação de massagem, re-equilíbrio da respiração, balanceamento do tônus muscular e dissolução das couraças musculares como recursos para liberação da energia psíquica das couraças caracteriológicas, reencontro com o corpo e reestablecimento da energia vital. (Oliveira, 2000) Em contrapartida, o movimento como prática da Psicoterapia do Movimento ou Dança Movimento Terapia apresentada neste artigo é usado como processo criativo com conteúdo simbólico.
Recentemente, técnicas da psicoterapia do movimento vêm sendo utilizadas em empresas e organizações que visam maximizar formas de comunicação, criatividade e recursos pessoais. Atenção tem sido dada à redução e manutenção de nível de stress, ao relacionamento e espírito cooperativo entre funcionários, assim como em fortalecer o trabalho em equipe e buscar novas perspectivas e soluções diante de problemas e dificuldades.
Formação de profissionais em Psicoterapia do Movimento
A formação de profissionais capacitados para tal prática ainda se restringe a algumas universidades da Europa e dos Estados Unidos, diferenciando-se no enfoque teórico abordado. É uma especialização a nível de mestrado cuja formação exige, complementar aos estudos teóricos, uma extensa experiência clínica, supervisão com profissional senior da área e processo contínuo de psicoterapia pessoal. Profissionais atuando nesta área devem ser registrados junto a Associações de Profissionais da Dança Movimento Terapia, as quais visam à qualidade do exercício da profissão segundo um código de ética profissional.
Tais associações organizam conferências anuais e mantêm em circulação jornais e revistas, incentivando o desenvolvimento de projetos, pesquisas e publicação de artigos também em outros jornais científicos, como forma de divulgar a prática entre profissionais de áreas afins e fortalecer o desenvolvimento da profissão.
Bibliografia e literatura referente ao tema
Bartenieff, I. & Dori Lewis (1980) Body Movement. Coping with the Environment, New York: Gordon and Breach Science Publishers.
Chodorow, J. (1991) Dance Therapy and Depth Psychology, The Moving Imagination, London: Routledge
Kestenberg, J. (1975) Children and Parents, Psychoanalytic Studies in Development, New York: Jason Aronson
Laban, R. (1960) The Mastery of Movement, Plymouth: Macdonald and Evans
Levy, F. (1988) Dance Movement Therapy, A Healing Art, Virginia: American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance
North, M (1972) Personality Assessment Through Movement, London: Macdonald and Evans
Oliveira, C. E. M. (2000) Psicoterapia Corporal, Uma introdução as principais concepções das distintas aborgagens. http://www.artesdecura.com.br/
Sandel, S., Chaiklin, S., & Lohn, A. (1993) Foundations of Dance Movement Therapy: The Life and Work of Marion Chace, Columbia: Marion Chace Memorial Fund
Stanton-Jones, K. (1992) An Introduction to Dance Movement Therapy in Psychiatry, London: Tavistock/Routledge