RedePsi - Psicologia

Notícias

Revista PSYU Nº6 – Coluna DELPHO – Novembro/2000

Afinal, é ou não Psicologia?
Afinal, é ou não Psicologia?
Em Ser e Tempo, Heidegger realiza uma analítica existencial – interpretação da estrutura que possibilita os modos de ser (condição ontológica) – do ser humano, ser que é abertura para o ser dos entes. Os termos ser humano, sujeito, pessoa, consciência (âmbitos de investigação da psicologia) são evitados pelo filósofo por serem usados sem uma preocupação com suas determinações ontológicas. Refere-se ao ente que é abertura para o ser como Dasein (ser-aí). O ser do Dasein está sempre em jogo. Ele se dá sendo (conversando, sonhando, caminhando, p. ex.); esses modos fatuais são ônticos.

O ser sempre em jogo, assim como o fato de sermos nós mesmos o ente a ser investigado, torna o Dasein um ente diferente dos entes meramente dados; suas características ontológicas são os existenciais (p. ex. espacialidade, temporalidade, corporeidade, co-existência, disposição), as dos demais entes são categorias.

É aí que se estabelece a diferença fundamental entre a analítica do Dasein e a psicologia: a fundamentação da maioria das psicologias é científico-natural, o que determina a investigação do ser humano a seguir os mesmos procedimentos que acerca dos demais entes. Mas a questão não é apenas metodológica, é de compreensão prévia.

A analítica do Dasein, pode dar os fundamentos ontológicos dos fenômenos estudados na psicologia (o “social” é fundando na co-existência, a “transferência” no estar-com, etc.).

A maioria das psicologias tem a preocupação de formular, a partir de hipóteses, uma ontologia embasada numa compreensão prévia de homem como ente igual aos demais entes tematizados pelas Ciências Naturais, apreendendo-o de modo descaracterizante e desumanizante. Por outro lado, quando as mesmas o descrevem nos seus modos ônticos, estão o tematizando na sua imparidade. As sessões clínicas transcritas por Freud, p. ex., são muito importantes numa investigação do modo de estar-com característico da relação analista-analisando.

Na sessão clínica, o daseinsanalista deve discutir os fenômenos que surgem em relação ao paciente concreto (são os modos desse paciente ser que são tematizados). É assim que a fundamentação fenomenológico-existencial se configura nesse âmbito de relação.
PAULO EVANGELISTA, FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
————————————————————–

Creio que para responder esta questão não bastam algumas linhas, pois o tema, além de extenso, requer uma análise constituída de outros saberes, tais como filosofia e política. Os pressupostos epistemológicos são de fundamental importância para o entendimento da Ciência (Análise Experimental do Comportamento) e da filosofia desta ciência (Behaviorismo Radical), que por hora, estão inseridos dentro do campo da Psicologia.

Embora não tenha uma posição formada a respeito, inclino-me a aceitar a seguinte proposta: “o estudo do comportamento difere fundamentalmente do estudo da psique e logicamente não pode partilhar a mesma disciplina (…)”. Ao nos auto-denominarmos uma disciplina, confrontamos várias questões difíceis, tais como continuar trabalhando em laboratórios antitéticos ao behaviorismo e vários problemas como aqueles que assumimos para identificar nossas preocupações científicas e profissionais. Por exemplo, precisamos de um termo descritivo de nossa ciência em seu sentido mais amplo. Esse termo não é Psicologia. Inúmeras pessoas persistem em manter seu compromisso com o cognitivismo. Seja lá qual for o termo escolhido, “comportamento deve constituir sua raiz (…) não na suposta psique subjacente ou sua atualização cognitiva (…). Será que nossa disciplina prosperará mais como um ramo da Psicologia ou como uma disciplina independente? Lentamente, porém com segurança, nossas ações demonstram que a última opção é a preferida (…). Ao elaborar uma programação específica voltada para a obtenção do status de profissão independente, aumentamos a possibilidade de agir desta forma.”*

A resposta dos rumos dessa disciplina, independente ou não, somente o futuro nos dirá.
WAGNER MOHALLEM, Análise do Comportamento

*VARGAS, E. A. [e] FRALEY, L. E. (1986) – The Behavior Analyst; 9, p.47-59.
————————————————————–

É possível encontrar livros que dizem saber o significado dos símbolos dos sonhos. Basta que a pessoa que sonhou siga a simbologia proposta pelo autor – como quem segue um mapa – para que possa compreender seus sonhos. Freud chama isso de decifração. Leigos e muitos psicólogos insistem que ele faz o mesmo. Mas convém citar um pequeno trecho do “A Interpretação dos Sonhos” que nos esclarecerá:
“Se aquele que sonha tem uma escolha ampla entre grande número de símbolos, ela decidirá em favor do que estiver ligado, em seu tema, com o restante do material de seus pensamentos – o que, vale dizer, tem motivos individuais para sua aceitação além dos típicos”.1

Assim, quem dá o sentido do símbolo, para Freud, é sempre o paciente. Essa forma de ver impede qualquer método de interpretação a priori, ou seja, qualquer decifração. O que isso tem a ver com nossa pergunta? Qualquer pessoa que tenha algum estudo em psicologia sabe das diferenças entre suas abordagens. No centro de seus campos teóricos, temos objetos divergentes. Mas há um fio que une todas e que as diferencia das outras formas de saber tais como biologia, sociologia, história, entre outras: a psicologia estuda o indivíduo isolado. Esse é o único ponto em comum entre todas as psicologias. Se para isso deve estudar a sociedade, o ambiente ou o inconsciente, é outra questão.

Nesse sentido, ao focar a clínica e o trabalho interpretativo no indivíduo, local de onde sai todo o material para a produção do conhecimento psicanalítico, Freud e a Psicanálise adentram ao hall da psicologia.
IVAN ESTEVÃO, PSICANÁLISE

1. FREUD, S. (1970) – A Interpretação dos Sonhos [in] Obras Completas. Rio de Janeiro: Ed. Imago; vol.V, p.375-6.

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter