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Abaixo os valentões

A escola pode ser uma tortura para crianças que são vítimas de bullying – a intimidação física e psicológica feita por alunos briguentos. O fenômeno, que também envolve a disseminação de apelidos, boatos e fofocas, é mais comum que se supõe.

Fonte: [url=http://www2.uol.com.br/vivermente/conteudo/materia/materia_31.html]Revista Viver Mente&Cérebro[/url]A escola pode ser uma tortura para crianças que são vítimas de bullying – a intimidação física e psicológica feita por alunos briguentos. O fenômeno, que também envolve a disseminação de apelidos, boatos e fofocas, é mais comum que se supõe.

Fonte: [url=http://www2.uol.com.br/vivermente/conteudo/materia/materia_31.html]Revista Viver Mente&Cérebro[/url]Os meninos atacam Basini quase toda noite, arrancando-o da cama e empurrando-o escada acima para o sótão. Nenhum professor vai ouvir seus gritos de lá. Eles o forçam a se despir, então fustigam suas costas. Nu e indefeso, o garoto se encolhe enquanto seus torturadores o fazem gritar “Eu sou uma besta!”. Durante o dia, outros estudantes o cercam no pátio e o empurram até ele cair, sangrando e sujo.

O jovem Törless, de Robert Musil, romance sobre os anos da puberdade passados num colégio interno da Áustria na virada do século, foi publicado em 1906. Os impulsos que fervem por trás dos muros da Academia Militar Imperial e Real podem soar como relíquias embaraçosas de uma era passada, mas não são. Violência de um grupo contra um indivíduo, acobertada pelos colegas e mantida a distância pelos professores, ainda acontece nas escolas hoje. E o bullying – termo em inglês para intimidação física e psicológica -, assim como a disseminação regular de apelidos depreciativos, boatos e fofocas, são mais comuns que a sociedade, os funcionários de escolas e os pais gostariam de acreditar.

Nos Estados Unidos, infelizmente, foi preciso ocorrer um episódio de violência chocante para chamar mais atenção ao problema. O tiroteio na escola secundária Columbine, no Colorado, foi uma tentativa trágica de revide de dois meninos que vinham sendo intimidados por dois atletas populares da escola. O bullying foi um dos fatores que levaram Jeffrey Weise para uma vida de isolamento antes de partir para o tiroteiro desordenado de retaliação na Red Lake High School em Minnesota, matando nove pessoas e a si próprio. E todos os anos adolescentes cometem suicídio, deixando para trás bilhetes como o de uma menina canadense de 14 anos: “Se eu tentar buscar ajuda, será pior… Mesmo se eu delatasse, nada os deteria”. As escolas devem tomar medidas mais agressivas para parar o tormento, e a mais importante é entender melhor o que motiva os autores de bullying.

Abuso sistemático
A partir do início da década de 80, liderados em grande parte pelo psicólogo norueguês Dan Olweus, da Universidade de Bergen, psicólogos e pesquisadores do comportamento estudaram com seriedade o abuso coletivo (mobbing, em inglês) – equivalente ao bullying em grupo – entre estudantes. Em sua pesquisa pioneira com estudantes suecos e noruegueses, Olweus concluiu que as crianças podem ser muito hábeis em usar sistematicamente o poder social contra os colegas de escola mais fracos. O objetivo é fortalecer sua própria posição.

O mobbing cresce em circunstâncias hierárquicas porque permite que a dominação e a força prevaleçam como medida de valor social de um indivíduo. Portanto, não é surpreendente que prisões e bases militares, com sua ênfase em regras e hierarquia, sejam cenários de abuso coletivo com freqüência. Características similares são encontradas na escola, onde as crianças mais velhas e fortes usam o poder da idade sobre os mais jovens e fracos. Lançado dentro de um universo de personalidades variadas, certos indivíduos tentam criar uma estrutura que os favoreça. E, normalmente, esse poder é usado para abusar dos outros.

De acordo com o Centro Nacional de Estatística de Educação dos Estados Unidos, em 2003 cerca de 7% dos estudantes americanos com idade entre 12 e 18 anos notificaram ter sido alvo de bullying nos seis meses precedentes (e certamente muitos outros nunca disseram uma palavra). A probabilidade de bullying foi maior entre as crianças com menos idade: 14% dos estudantes do 6o ano (equivalente à 5a série do ensino fundamental no Brasil), 7% dos estudantes do 9o ano (8a série do ensino fundamental) e 2% dos alunos do 12o ano (3o ano do ensino médio) disseram ter sido importunados. Um estudo de 2001 elaborado pela Fundação Família Kaiser e Nickelodeon revelou que 74% das crianças entre 8 e 11 anos reportaram a existência de bullying em suas escolas; 86% das crianças entre 12 e 15 anos também observaram a existência de bullying.

As crianças que são vítimas desse tipo de intimidação normalmente enfrentam o assédio sozinhas. Outros meninos e meninas ficam do lado dos perpetradores, temendo que possam ser os próximos da fila, ou fingem que nada aconteceu e permanecem quietos. Poucos encontram coragem para defender os colegas. No final, o abuso coletivo afeta todo o ambiente da escola, não apenas os autores de bullying e seus alvos.

Sede de poder
Para aprender sobre o que motiva os que abusam, uma equipe de pesquisa (da qual fiz parte) da Universidade de Munique conduziu um estudo de longo prazo com 288 alunos da 2a e 3a séries de diferentes escolas infantis no sul da Alemanha. Nós os questionamos sobre suas experiências. Que tipo de criança era mais inclinado a se tornar presa dos agressores? Como o resto da classe reagia? Nós entrevistamos as mesmas crianças seis anos mais tarde, quando elas estavam na 8a série.

Perguntamos se as vítimas anteriores ainda eram alvo de bullying. E perguntamos como lidavam com tais problemas agora que eram adolescentes.

Nossa primeira descoberta foi que os agressores podiam ser identificados cedo na escola primária: mesmo com pouca idade, eles são capazes de organizar um cerco contra certas crianças: os chamados bullies parecem estar sempre observando para escolher novas vítimas. E encontram dificuldade em abandonar seus papéis com o passar do tempo; intimidadores tendem a continuar intimidando ao longo de muitos meses e até mesmo anos.

Os agressores normalmente são crianças dominadoras, que aprenderam cedo que poderiam se tornar líderes de um grupo sendo agressivos. Seu modus operandi é humilhar o colega física ou psicologicamente suscetível para ascender ao topo da ordem social. Com atitudes brutas, eles tentam forçar os outros a se curvar. Outras crianças podem se impor simplesmente através do medo. Freqüentemente as crianças intimidadoras aprendem sobre o poder da agressão em casa.

Pesquisadores da Universidade do Arizona que estudaram mais de 500 alunos da 5a à 8a série do ensino fundamental descobriram que as crianças mais propensas ao bullying haviam sido mais expostas a punições físicas pelos pais, tinham visto mais violência na TV e tiveram menos modelos de referência do papel adulto. Até certo ponto, essas crianças haviam aprendido com exemplos.

Da mesma forma, encontramos crianças de 8 anos que, por suas próprias declarações e pelas de seus amigos, haviam sido alvo de abuso coletivo por um bom tempo. Elas suportaram o tormento e a rejeição sem nunca opor resistência ou informar os adultos sobre a situação. As conseqüências podem ser de longa duração. Nos primeiros estudos, mostramos que crianças atormentadas pelos colegas de escola ao longo de um período prolongado são incapazes de se defender contra a hostilidade e reagem aos ataques com angústia e retraimento. Essas terríveis experiências aumentam as probabilidades de elas caírem nas armadilhas colocadas pelos bullies.

Quando fizemos as mesmas perguntas seis anos mais tarde, as respostas dos estudantes confirmaram. Depois de perguntar aos alunos de 13 e 14 anos de quais crianças eles gostavam e de quais não, desenvolvemos um perfil de preferência que nos deu uma boa percepção de um ranking social individual em classe. O resultado foi surpreendente. Em contraste com a relativa baixa posição dos agressores durante a escola primária, eles haviam se tornado muito populares entre seus colegas de classe. As vítimas, por outro lado, receberam poucos pontos de empatia.

Como certos estudantes são selecionados, abusados e finalmente rejeitados por muitos de seus colegas? Essas crianças são desprezadas porque são hostilizadas ou são hostilizadas por ser desprezadas? Parece que ambas as dinâmicas acontecem. Mesmo se as vítimas forem capazes de evitar alguns dos agressores quando são mais jovens, a escola se torna uma tortura quando elas ficam mais velhas. Seus colegas agem como se elas não estivessem lá ou reagem com total rejeição e cochicham pelas costas. Os agressores intensificam esse jogo, insultando e zombando delas. Muitas das vítimas são estigmatizadas com o papel de coitadinhas e se tornam o brinquedo de quem as persegue. E, quanto mais tempo prossegue a intimidação, mais a lealdade dos amigos é perdida.

Essa dinâmica é agravada pelo suposto desinteresse das pessoas próximas, uma idéia explorada em profundidade no início da década de 90 pela psicóloga canadense Debra Pepler. Depois de entrevistar estudantes sobre o abuso coletivo, ela e sua equipe os seguiram com câmeras escondidas e microfones. Os pesquisadores descobriram que quase 60% dos supostos estudantes neutros estavam em termos amigáveis com os bullies. Quase metade dos observadores “não envolvidos” mudou gradualmente para uma atitude de zombaria das vítimas e estímulo aos agressores. Outros estudos demonstraram que a grande maioria dos estudantes coopera com os bullies ou se tornam os próprios agressores.

Ajudando a vítima
Entender melhor o que faz os bullies prevalecer sobre os demais ajudaria a cortar sua fonte de poder. Ao mesmo tempo, é preciso fazer mais para minimizar os prolongados efeitos sobre aqueles que sofreram. Em 2002, eu e meus colegas entrevistamos 884 homens e mulheres da Alemanha, Reino Unido e Espanha; mais de 25% deles lembraram de ter sofrido ataques físicos e psicológicos de outras crianças quando estavam na escola. A mágoa de terem sido excluídos e ameaçados continuava afetando-os na vida adulta. Ex-vítimas de abuso coletivo em geral têm problemas para desenvolver relações de confiança e sentem insegurança quando interagem com outros adultos. Suas expectativas sobre si próprios e outras pessoas são mais baixas do que a média. A única observação positiva foi a constatação de que a experiência anterior em geral não se repete na vida profissional, embora o abuso coletivo – conspiração de subordinados ou superiores através de rumores, insinuações, intimidação, humilhação, descrédito e isolamento – também ocorra em locais de trabalho.

As conseqüências a longo prazo do mobbing tornam claro que a prevenção antecipada é importante. A difícil tarefa de intervir no momento certo recai sobre professores e pais, que podem não estar preparados para agir de forma apropriada. Por exemplo, estudantes noruegueses reclamam que os adultos nem mesmo reconhecem a situação em sala de aula. Nossa equipe de trabalho confirmou isso: questionados, os professores admitiam se sentir incapazes de entender o complexo relacionamento dos estudantes.

Os professores podem pelo menos dar exemplo através de seu próprio comportamento. Devem evitar comentários pejorativos e nunca devolver o trabalho de casa em ordem de nota decrescente. Estudantes mais fracos não devem ser criticados em sala de aula. Se um professor deixa claro que todos são tratados da mesma forma, os alunos vêem nisso um sinal para não excluir outros do grupo.

O assunto “abuso coletivo” certamente cabe no currículo, talvez em combinação com discussões sobre violência ou projetos especiais. Outra forma de melhorar como as crianças e adolescentes se comportam socialmente é apontar alunos mediadores, que possam ajudar a resolver conflitos em sala de aula. Iniciativas como essas promovem coesão dentro do grupo e faz com que os agressores encontrem dificuldade para corroer a comunidade escolar, isolando e acossando seus membros mais fracos.

Na narrativa de Musil, o jovem Basini não encontra ajuda, e os três agressores ficam sem punição. Os outros estudantes acobertam os bullies e os professores terminam enredados numa teia de mentiras e trocas de acusação. No final, Basini é expulso. A vida real para uma vítima de verdade pode ser muito pior.

Seu filho é vítima?

Muitas crianças não dizem aos pais se estão sendo alvo de bullying porque ficam com medo de que, de alguma forma, eles venham a culpá-las ou de que outros fiquem sabendo que elas “contaram” e, assim, os agressores aumentem ainda mais as provocações. Contudo, os pais podem ficar atentos para certos indicadores suspeitos:

 Resistência inexplicável em ir à escola.
 Medo ou ansiedade incomuns.
 Distúrbios de sono e pesadelos.
 Queixas físicas vagas, tais como dor de cabeça ou de estômago, especial mente nos dias de aula.
 Pertences que são “perdidos” ou que chegam em casa avariados.

Se você suspeita que seu filho pode ser uma vítima, não pergunte a ele diretamente. Você deve fazer perguntas como “O que acontece durante o horário de almoço?”, “Como é ir para a escola a pé ou de ônibus?”, “Há alguma criança agressiva na escola?”. Seja um bom ouvinte. Permita que a criança tenha tempo para explicar como se sente. Se você suspeita que seu filho(a) pode ser uma vítima, diga claramente que não é culpa dele(a). Então pergunte a si mesmo se a situação é séria o suficiente para procurar o professor, o diretor da escola ou até mesmo a polícia.
Por Sarah Shea, professora associada de pediatria da Universidade
Dalhousie em Halifax, Nova Escócia.

Adaptado de “Cartilha para os pais sobre bullying na escola”, de Richard B. Goldbloom, publicado no Reader’s Digest
on-line do Canadá, em 9 de março 2005.

Como coibir o bullying

Não demonstrar fraqueza é uma forma de a criança reduzir as chances de um agressor vir a escolhê-la como alvo. Algumas táticas para o confronto:

 Manter postura ereta e olhar o agressor direto nos olhos.
 Ser educado, mas firme. Dizer “Pare” ou “Me deixe em paz”.
 Não chorar ou mostrar que ficou aborrecido, mas afastar-se se não puder esconder o medo.
 Informar um adulto de confiança sobre o ocorrido.
Os pais também podem ajudar as crianças que estão sendo vítimas de perseguição das seguintes maneiras:
 Contatar a escola, mantendo anonimato, e perguntar se a instituição tem uma política para lidar com os agressores.
 Se ficar seguro de que uma investigação não irá expor seu filho a riscos, informar a escola dos acontecimentos que ficaram conhecidos, fornecendo datas, hora e lugar.
 Acompanhar o caso junto com os administradores da escola. Perguntar que ações foram adotadas e como o filho vai ser mantido em segurança.

Por Cindi Seddon, diretora da Pitt River Middle School em Port Coquitlam, Colúmbia Britânica, Canadá, e co-fundadora da Bully B’ware Productions.

A Autora

Mechthild Schafer é livre-docente em psicologia educacional da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, Alemanha.

Tradução : Suzi Yumi

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