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Uma confissão dualista

Para os pouco familiarizados com a Filosofia da Mente temos de início que situar as duas grandes indagações de como se daria a Relação Cérebro-Mente: O Dualismo ou o Monismo? Os dualistas, que admitem a geração independente do mental em relação ao cerebral, vale dizer, a mente existe enquanto tal, tanto quanto o cérebro. Encontram-se outros “assim chamados” dualismos, que na verdade são monismos. Em seguida, os monistas, uns que só admitem a existência única do mental, outros a existência única do material, esta última ganhando, na contemporaneidade, cada vez mais adeptos das comunidades filosófica e científica.
Na contramão do fluxo majoritário e congesto, declaro-me dualista, e não estou sozinho nessa posição. Neste mundo de Guerras Eternas, o Existencialismo francês do século XX pregou um ateísmo sedutor (o ateísmo leva necessariamente ao monismo materialista), pelos nefastos resultados da incompetência humana em praticar o seu convívio. Infelizmente, tornou-se pruriginoso e constrangedor para alguém admitir a possibilidade de filiar-se a um não-materialismo fora do travesseiro.

Entretanto, seria mais fácil para autores consagrados da Filosofia da Mente cooptarem o dualismo do que fazer acrobacias e malabarismos epistemológicos para manter-se no campo monista, e em geral finalizando suas hipóteses com argumentos circulares, que não metabolizam qualquer contribuição com os demais pensadores da área, ou, então, somente ratificam as tantas hipóteses já existentes, a meu ver, equivocadas.

Vou me ater à questão da Causalidade Mental. Vale dizer, a mente causando no cérebro a resposta do mental como efeito necessário. Contudo, da maneira como ela é apresentada, por exemplo, pelo filósofo Mario Bunge, torna-se uma grande falácia, talvez uma tautologia. Vejo-o como um monista-materialista, que tenta nos persuadir de que a Causalidade Mental existe. Entretanto, ao longo de sua exposição, todos os eventos apresentados por ele são cerebrais. Uma troca de causalidades intra-cerebrais, ascendentes e descendentes. Ora, Prof. Bunge, não seria, então, mais fácil o Sr. eliminar de vez o vocábulo mental ? (Ética profissional à parte, um orientando de Bunge, meu amigo, disse-me ao pé-do-ouvido, que na intimidade, longe dos meios acadêmicos, Bunge é um místico!)

Seguindo uma lógica aristotélica do terceiro excluído, se existe uma Causalidade Mental, como muitos admitem, ela tem de ser originalmente extra-cerebral, mesmo que esteja alojada dentro do cérebro. E para que alguém não sugira um outro órgão pensante, digamos, também, extra-física, ou extra-somática, no sentido de não depender deles para sua geração, evolução e transmissão.

E por que não? A Ciência dá conta deste dilema? Não. E, dificilmente o dará sem um instrumental mais adequado para abordar esta questão, penso eu. Não que o problema não exista. Ele existe, mas ainda está em aberto.
Levanto esta questão atrelada às NeuroTudo – ética, justiça, direito, teologia etc. – pois tenho observado, que hoje se fala em centros cerebrais para estas funções, como se o cérebro as gerasse, e somente ele, já trouxesse dentro de si, estes conceitos e sua prática, bastando apenas alguns exercícios de "mentalização…" – é, a palavra é esta, o uso do mental (!). Mais um paradoxo – para acessarmos estes pontos quase sobre-humanos em nós mesmos.

Com Einstein podemos especular através da sua E=mc2, a possibilidade de raciocinar que entre massa, ou seja, a quantidade de matéria de um corpo, e energia, exista um continuum que vai de 0 a 100. Assim, energia pura = 100%; massa pura = 100%. Com todas as suas intergraduações.

Posso admitir que o mental não seja totalmente imaterial, e sim de uma densidade branda de matéria. Com isto, apresentando novos atributos, como, por exemplo, não estar submetido ao eixo espaço/tempo, isto é, não ter duração no tempo, nem ocupar lugar no espaço, e ocupando uma outra dimensão para nós invisível. Assim, dizer que o mental vem de fora do cérebro não faz sentido. Para o mental não existe o fora e o dentro, o antes e o depois.

Acredito que o mental toma-nos fisicamente por inteiro, e não somente o cérebro. Manifestando-se em outra dimensão, nosso sistema sensitivo-sensorial não o capta. Mas, determinadas regiões do nosso cérebro altamente especializadas para a linguagem, por exemplo, o capte, como se fora um aparelho receptor. Entretanto, o restante do corpo também participa desta interação emissor/receptor. Admito que a psique de um mutilado, seja de uma perna ou de um braço, necessariamente terá um funcionamento diferente daquele que tem o corpo completo, pois àquele cérebro faltam as aferências do membro ausente com importante repercussão anátomo-funcional em interação com o mental.
E como se daria a emissão do mental? Escrevi um livro, "Teorias da Mente" (com a colaboração de minha mulher, Ana Cecília), onde repertorizo cerca de 40 hipóteses para tentar explicar a Relação Cérebro-Mente. Claro que nenhuma explica, pois se o fizesse, bastaria uma. Enfim, de algum modo tem que se dar início à busca de uma solução. É como na Física Quântica, onde boa parte de sua teorização ainda hoje é mostrada somente por meio de equações matemáticas, e não no laboratório experimental. Não sei como se daria a emissão do mental. Mas acredito que cada ser humano tenha sua própria dimensão emissora, que o caracteriza.

Não quero me esquivar da palavra Deus. Ela é muito boa para o que quero transmitir. Conhecidíssima no mundo inteiro. Com traduções e versões para todos os idiomas, não vejo porque usar outra. Acho interessante a concepção judaica para este nome JHVH, isto é, Javé, vale dizer, "aquele que é". E ponto.

Gosto de pensar em uma dimensão divina, de energia pura, isto é, pura luz. Lá estariam todas as manifestações do divino que já tiveram forma de gente: Krishna, Moisés, Buddha, Jesus Christo, Mahomé, Yogananda etc., avatares que conquistaram a Iluminação e, também, tornaram-se deuses.

Não sou religioso no sentido de seguir uma determinada religião, ou credo. Sou um espiritualista na busca da dimensão divina e do conhecimento transmitido por seus avatares. Como disse Jesus:- "Meu Pai e Eu somos Um". É a unidade da globalidade, do todo.
Bem, eu estava tentando defender o dualismo na Filosofia da Mente, e, de repente, falo em Espiritualidade e Religião. Acho que não há como escapar destes discursos. Estamos lidando com a interface mesma deles todos entre si para os nossos propósitos.

Descartes não teve esta liberdade ecumênica que temos hoje. Vivia sob o jugo de um Estado Forte com Religião Oficial. Mesmo assim, ele foi preciso nas suas colocações, sem abandonar a defesa do mais difícil dos dualismos, o ontológico, ou de substância – mente tem uma natureza e matéria tem outra natureza substanciais. E fez isto com uma elaboração teológica.

E quando lhe pressionaram para explicar como a alma imaterial faria contato (atrito) com a matéria, Descartes definiu a glândula (ou corpo) pineal, a epífise de hoje, como sendo o ponto de comunicação entre estes dois universos. Era à época uma glândula misteriosa, projetada para cima e para trás, terminando em ponta, como se fosse uma antena. Ainda agora, nenhum neuroendocrinocientista, contemporâneo a nós, poderá dizer que desvendou totalmente a fisiologia deste órgão.

Descartes era um intelectual inquieto, que certamente entrara em contato com culturas milenares vindas do Oriente, as quais seguindo uma outra anatomia, a energética, davam uma especial posição hierárquica ao corpo pineal.

Aceito e assumo o dualismo cartesiano como minha profissão de fé.
Entretanto, para não correr o risco de mostrar-me alienado no eixo espaço/tempo, advogo plenamente um outro dualismo moderno: o naturalista, do australiano David Chalmers.

Chalmers coloca a experiência consciente (ou, como a chamo, vivência reflexiva), como um dado primordial (primevo), que nos foi presenteado pela Natureza, assim como nos foi dado uma boca e dois ouvidos, a vida e a morte, ou no plano humano, como os matemáticos que criaram postulados inquestionáveis, como, o ponto, a reta etc.

Enquanto Descartes teoriza a mente com uma ontologia teológica, Chalmers o faz com uma ontologia filosófica, inteiramente compatível com a visão atual científica do mundo, excluindo totalmente daí algo de místico-religioso nesta teoria. Coloca-a como naturalista, afirmando que a mente/consciência obedece a um conjunto de leis como todas as demais entidades materiais básicas do universo.
O percurso que tomo partindo da Filosofia da Mente pode parecer bastante peculiar, afinal aportamos em uma Cosmologia Universal. Mas, creio eu, não poderia ser diferente, afinal estamos lidando com a relação de corpo e alma, massa e energia, matéria e espírito. Se concebo, ao lado de muitos, que Deus é energia infinita de pura luz, ausente de massa, em Sua dimensão própria e única, faço um salto para o outro extremo, descendo até nossa dimensão física, e chegando ao buraco negro da Astrofísica, que possui massa infinita, que não emite luz, a qual é prisioneira da densidade do buraco negro, também infinita. Pode ser uma simples metáfora da concepção de Paraíso e Inferno. Da luz e das trevas. Da criação – que tudo emite – e da destruição – que tudo devora -.

Avalio Descartes e Chalmers como dois gênios com obras complementares.

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