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A Galinha e o terceiro milênio Por Nelma Firminiano
 A Galinha e o terceiro milênio Uma galinha é só uma ave que não voa. Que há de especial na existência de um tetrápode se não o fato de este ser expressar-se tão sinteticamente em seus atos ? Que espécie explicaria tão bem sua servidão, se não uma galinha solta num terreiro? É claro, se estivesse presa, a condicão de prisioneira lhe traria o desalento dos dias contados de existência pré-definida por uma porta sem volta. No caso a liberdade e a aventura lhe são sussuradas através dos ventos. A tarde ia alta e o sol alaranjado-dourado de inverno, marcava a transitoriedade de todas as coisas. Ciscar prá lá e prá cá, procurar algo comestível, cocorico, có, có, que mais a dizer. Apenas esperar para reiniciar a procura de comida na capoeira. As vezes cai de mãos gentis, os grãos dourados, solares que engole, pode-se dizer, satisfeita. No entanto, parece que nunca cessa a fome de engolir. O que vê a galinha senão enviezados vultos, imagens? Ouve bem, quite, quite, quite e responde dando de asas pequenos pulos, que não voam, apenas espacam corridas ligeiras, movimentando o elíptico corpanzil de um lado a outro.
Bem circular é este mundo que ela olha ao derredor, organizando o enquadre, o céu, o chão, bem arrumadinhos e entre eles a mata verde. Asas soltas no salto longo a empurram para longe dos atrapalhos e das chateacões da vassoura. Bica aqui, cisca acolá, vai vivendo no bem claro ou escuro, nenhum outro motivo a declarar. Perdido o sol atrás da mata, as estrelas, pingos de luz, ao lado da lua que cresce arredondando o céu azulão. São dias e horas sonolentos a aguardar. Nenhuma expectativa para ter, servidão mansa e consentida igual não há. Cadê a aventura ? A vida em si lhe basta. Nelma Firmiano |
Ciscar, ciscar, ciscar muito, o chão duro, a terra batida, mato rasteiro. Solta o bico, cacareco longo espriguiçando o tempo.