Da Teoria à Prática Ambientalista Por: Luciana Cerqueira Copydesk: Rafael Tassinari “O princípio particular à ecologia ambiental é o de que tudo é possível, tanto as piores catástrofes quanto as evoluções flexíveis. E, no entanto, é justamente na articulação da subjetividade em estado nascente, do socius em estado mutante, do meio ambiente no ponto em que pode ser reinventado, que estará em jogo a saída das crises maiores de nossa época”. (Felix Guatarri, em As 3 Ecologias) Definir a Ecologia do Meio Ambiente, em primeiro lugar, implica algo anterior e mais abrangente: é preciso vivenciar a Ecologia da Subjetividade e das Relações Humanas. Partindo desta linha de pensamento, Félix Guattari, em “As 3 Ecologias”, ao problematizar nossas possibilidades de ação tanto em nível individual quanto em escala planetária, nos conclama à reinvenção do ser e do estar no mundo. Isto traz à tona, em primeiro lugar, a constatação de quão distanciados estamos de nossa essência (natureza). Guattari nos revela o grau de desconexão que permeia nossas relações sociais ao contextualizar o homem moderno no seu modus vivendi serial, que louva a velocidade tecno-científica, a especialização (laminagem das subjetividades) em contrapartida à homogeneização dos comportamentos . Sem conhecer a si próprio, o homem age mecanicamente, negando sua individualidade e também o coletivo (o outro); conduzindo, por fim, a um estado de tamanha apatia que compromete o significado da própria existência humana. Isto leva à falência de toda as possibilidades de recriação, crescimento, liberdade e espontaneidade. Assim, o que mais intriga nas “3 Ecologias” de Guattari é o desafio, quase inegável, de recuperarmos o entendimento da Parte como componente do Todo; ou quem sabe, do Todo presente em cada Parte, que é justamente a interligação de singularidade existente em um átomo – unidade de vida. “Esta revolução deverá concernir não só as relações de forças invisíveis em grande escala, mas também os domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo”. E aqui subentende-se a dinâmica do que ele define como Ecologia Mental. Quando nos fala da relação da subjetividade com sua exterioridade – seja social, animal, vegetal, cósmica – Guattari sinaliza um ponto de partida para uma nova compreensão da vida. “A ecosofia mental será levada a reinventar a relação do sujeito com o corpo, com o fantasma (inconsciente, no sentido psicanalítico), com o tempo que passa, com os mistérios da vida e morte”. Já sob a ótica social, seu discurso nos fala de flexibilidade frente à diferença (multiplicidade de territórios existenciais), comprometimento (resistência aos valores essenciais) e revolução em termos políticos, sociais e culturais, capaz de reorientar os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. E aqui é possível vislumbrar o componente da transformação social como uma possível resposta à crise ecológica deste final de milênio. Emprestando algumas palavras de Paulo Freire, é somente depois de compreender-se como sujeito que faz e refaz o mundo que o homem pode então assumir atitudes de mudança de comportamento, movidas não só pelo desejo* da liberdade, mas também pelo sentimento de responsabilidade planetária (não mais a passividade). Este talvez seja o grande desafio para quem vivencia o movimento ambientalista e sua proposta de respeito à vida, no sentido mais amplo. Ao se anunciar a possibilidade de uma nova apreensão do mundo, pela percepção do que é belo , prazeroso e positivo, traz –se à luz alguns componentes das desterritorialiazações inerentes ao processo de transformação de nossa subjetividade. Nesse sentido, abre-se a perspectiva de um construtivismo, que se apropria tanto das pré-referências já dadas e estabelecidas (nossas representações) quanto das percepções que advêm da nossa experimentação, para promover um salto do conhecimento, uma mudança de paradigma. Enfim, lançado está o desafio: uma mudança de paradigma, ou seja, um novo modo de viver, compreender e se relacionar com a vida. * Desejo, do latim de-sid-erio, provém da raiz sid, da língua zenda, significando estrela, como se vê em sideral – relativo às estrelas. Seguir o desejo é seguir a estrela – estar orientado, saber para onde se vai, conhecer a direção… (J.A. Gaiarsa, As carícias e o Iluminado, p.12) Luciana Cerqueira jornalista, membro do Grupo de Estudos Multidisciplinar em Educação Ambiental (GEMEA) do Instituto Thoreau – São Paulo |