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Hipnose I – Reabilitando uma Possibilidade Terapêutica



Hipnose I

Hipnose I – Reabilitando
uma Possibilidade Terapêutica

por Mário Quilici
e Rafael Tassinari

Tarin - Francis Picabia (fragmento)Para
inaugurarmos a sessão das PSICOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS onde falaremos
de diversas abordagens não psicanalíticas, vamos falar por coincidência,
daquela que foi em parceria com Freud, a mãe da psicanálise: a hipnose.
Nas "Obras Completas",  volume 1,  deparamo-nos
com a experiência de Freud no campo da hipnose. Nesse primeiro volume
onde se trata da trajetória do pai da psicanálise, encontramos diversos
artigos sobre o período em que Freud estudou e praticou a hipnose. Freud
vai abandonar a hipnose já no tratamento de Isabel de R. Passa a utilizar
com essa paciente o método da coerção associativa. Descobre a dissociação
da consciência. Cria então a teoria do trauma sendo que este estaria
na origem da dissociação da consciência. Freud então abandona a hipnose
e utiliza-se da coerção associativa para chegar ao trauma. Isso confirma
a Freud que as coisas doloridas são esquecidas por necessidade de evitar
o que é desagradável. Logo Freud descobre a resistência, pedra fundamental
da psicanálise. Deixa de lado então a coerção associativa porque, conclui
ele, sempre haverá de tropeçar na resistência. Surge a técnica da associação
livre e daí para a frente nasce a psicanálise.

Por muitos anos essa conclusão
freudiana deixou a hipnose relegada a um plano sem importância. Creio
que por um lado a conclusão de Freud havia esgotado o assunto e não
havia mais nada a ser dito e por outro, no Brasil a hipnose sempre esteve
mais relacionada à circos e palcos e não à ciência. Observo que ainda
hoje, quando se fala em hipnose, temos duas reações a saber: alguns
profissionais torcem o nariz com desconfiança e descrédito ou então
trata-se da hipnose com certo misticismo.

Seria tolo criticar as pessoas
que olham a hipnose com desconfiança. No Brasil o tema, como se disse
anteriormente, é tratado em palcos televisivos e de forma sensacionalista.
Os hipnotizadores, na maioria das vezes, são pessoas que nem tem autorização
legal para faze-lo e violentam em público algumas pessoas menos avisadas
ou até mesmo contratadas. Os cursos sobre hipnose são de curta duração,
incompletos e vendem uma imagem exagerada e mentirosa da hipnose como
uma panacéia para todos os males. Não é. É uma ferramenta importante
sim, mas com as limitações normais de qualquer técnica. Além disso,
tais cursos deveriam ser dirigidos por médicos e psicólogos. As pessoas
deveriam ser legalmente habilitadas para realizar um trabalho desses,os
quais são ministrados com outras formações a um público sem qualquer
conhecimento fundamental.

Nos E.U.A. a hipnose é utilizada
como um recurso terapêutico eficiente. Existem muitas teses de Mestrado
e Doutorado sobre trabalhos com hipnose demonstrando que é um recurso
terapêutico muito eficiente. A hipnose é utilizada em tratamentos médicos
como por exemplo em anestesiologia. Muitos anestesiologistas estão desenvolvendo
estudos com hipnoses para diminuir a quantidade de anestesia química
utilizada durante as cirurgias. Na área de odontologia a hipnose vem
sendo utilizada pelos americanos e brasileiros para ajudar os pacientes
a reduzir a ansiedade e o pânico. Também para analgesia e anestesia
já que muitas pessoas são alérgicas à drogas utilizadas pelos profissionais
de odontologia. Uma outra utilidade recentemente descrita em odontologia,
mostra que uma boa técnica hipnótica pode reduzir o fluxo de sangue
para a área em tratamento o que resulta numa experiência menos traumática
para o paciente e mais limpeza para o dentista. Nas áreas policiais
e forenses utiliza-se também a hipnose pelos policiais de algumas cidades
americanas para ajudar a diminuir o trauma de pessoas vitimadas por
criminosos. Utiliza-se ainda a hipnose para ajudar testemunhas e vítimas
a recordarem-se de detalhes que lhe escapam por terem sido por demais
traumatizadas e estão por isso impedidas de dar depoimentos. No campo
educacional a hipnose também é utilizada com ampla gama de possibilidades.
Um exemplo é a diminuição da ansiedade a o aumento da concentração.
Hoje muitos professores ensinam seus alunos a utilizar alguns recursos
de auto hipnose para aprenderem a gerenciar a ansiedade durante as provas
e aumentar suas habilidades de observação e organização de objetivos.
A hipnose também é utilizada hoje em empresas e na área esportiva com
objetivos semelhantes àqueles utilizados na educação com resultados
significativos.

Tarin - Francis PicabiaComo
se pode ver, a hipnose na maioria dos casos, dirige-se à processos ligados
à mente. Por que então excluir a hipnose da psicoterapia? A hipnose
é uma ferramenta eficiente para o tratamento de alguns problemas comportamentais
e emocionais. Por isso já é parte do curriculum de muitas universidades
americanas. Mas vale esclarecer uma coisa: hipnose é uma ferramenta
e não um processo de terapia. Por isso pode trabalhar adequadamente
com qualquer abordagem teórica. Uma das vantagens de usar a hipnose
na psicoterapia reside na sua habilidade de utilizar-se dos extraordinários
recursos da mente inconsciente. Todos sabemos que a mente inconsciente
contém os registros de todas as nossas experiências e aprendizados de
vida. A hipnose permite um acesso maior aos recursos e recordações inconscientes.
Além disso, com o transe hipnótico que sempre proporciona um relaxamento
profundo, pode-se interromper com segurança os processos de stress,
pânico e ansiedade.

Com os tempos modernos, onde
cada vez mais as pessoas estão procurando terapias breves ou aquelas
terapias que tratam apenas do sintoma, a sugestão pode ser uma forma
de ajuda ao paciente. Mas não é o único uso da hipnose. É um recurso
interessante para ajudar alguns pacientes a se recordar de situações
traumáticas de suas vidas. Muitas experiências mostram que alguns pacientes
que só conseguiam falar insipidamente sobre determinadas situações de
suas vidas, situações essas que intuímos traumáticas, mas por carecerem
de colorido afetivo, parecem inconsistentes, conseguem numa regressão
hipnótica recordá-las com todo os matizes afetivos do momento em que
ocorreram. Muitas vezes o que chamamos de trauma cumulativo pode ser
recordado com fidelidade desconcertante. A idéia de que o paciente esquece
o que lembrou-se durante a hipnose raramente é verdadeira. Mas se isso
ocorre, pode-se sugerir ao paciente que lembre-se do que ocorreu durante
o transe. Na maior parte das vezes o paciente lembra-se do que lhe ocorreu
e pode após encerrar o processo hipnótico elaborar seu drama pessoal.

Nota-se que, especialmente
nos processos fóbicos, a hipnose tem se revelado eficiente. Alguns pacientes
recordam-se de situações que desconheciam ou então tinham conhecimento
porque um dos pais ou outro parente havia feito menção mas tal recordação
não fazia parte de seu repertório de memória consciente. Entretanto
como se disse acima, a hipnose não é uma panacéia para todos os males
e por isso tem indicações muito precisas no tratamento psicoterápico.
Quando se fala em indicações precisas é necessário ter em mente que
o profissional tem que ter um domínio preciso do manejo psicoterapeutico
para determinar o que deseja obter com o processo hipnótico. Além disso
é necessário ter conhecimentos claros sobre as técnicas de indução de
transe bem como das técnicas de exploração desses estados.

É importante chamar a atenção
para os cursos de hipnose que se oferecem por ai. Devem ainda obedecer
um curriculum rigoroso de onde constem estudos consistentes sobre a
história da hipnose, conhecimentos claros sobre os processos mentais
(Cs, Pcs, Ics), conceituação, estudos sobre a sugestionabilidade humana,
dinâmica dos processos mentais, psicopatologia, fisiologia, ética e
após isso, o inicio da prática com esclarecimentos precisos sobre as
técnicas de indução e utilização do transe como instrumento terapêutico.

No próximo número da REDEPSI
em revista, completaremos esse artigo falando da memória, sugestionabilidade,
da controvérsia da repressão, resistência em hipnose e ética.



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