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O coração é o símbolo daquilo que não pode ser controlado nem pelo intelecto nem pela vontade



O Coração

fotomontagem: Mario Quilici

O
Coração

por
Mário L. Quilici

"Agora,
as lembranças ruidosas enchem meus caminhos até que o entardecer me
deixe em paz com minha solidão. Na tranqüilidade da noite, descubro
o que meus pressentimentos significavam. Os olhos estão baixos tentando
ver os lamentos do coração" (Quilici, 1998).

Na
seção de Psicossomática desse mês falaremos de um grande símbolo e de
um fabuloso órgão : o coração. Todos sabemos um pouco sobre a
anatomia do coração de forma que, vou deixar essa parte de lado e fornecer
outras informações. O coração humano bate 40 milhões de vezes por ano
e cerca de três bilhões de vezes no decorrer de uma vida. Numa pessoa
que tenha uma vida média, o coração bombeia 5 milhões de litros de sangue
para o corpo. Para se ter uma idéia do que isso significa, podemos imaginar
o seguinte: Se pegarmos uma mangueira dessas que se usa para aguar jardins,
ela poderia, com esse volume de liquido, dar uma volta em torno da terra.

Esse
órgão que pesa em torno de 300 gramas é, desde a antigüidade remota,
percebido como sendo ligado às situações de cunho emocional. Mas não
é à toa que essa associação foi feita. É que sempre que estamos dominados
por uma emoção forte , nosso batimentos cardíacos se alteram. O prazer
e o amor podem acelerar violentamente os batimentos cardíacos a ponto
de podermos ouvir nosso coração, é como se ele vibrasse em todo o nosso
corpo. Lembro-me que quando era adolescente era moda entre os garotos
dizerem: "Meu coração não bate pela fulana, capota".
A angústia também dá um sentimento de vazio no peito, que é onde aloja-se
o coração. Provavelmente foi essa relação entre as emoções e os batimentos
cardíacos ou o vazio da angústia que fizeram com que o homem estabelecesse
desde de muito cedo o coração como símbolo das emoções. Na antigüidade
acreditava-se que o ouro era o único metal capaz de ligar dois corações.
Daí o surgimento das alianças. Observa-se que o coração, um órgão nobre
está associado a um sentimento nobre e também a um metal nobre. Talvez
houvesse já uma noção inconsciente da anatomia do coração pois, o coração
é formado por duas câmaras que emitem um som duplo. O desenho que popularmente
se faz do coração, representam duas partes unidas. É assim, um símbolo
de união. Numa declaração de amor diz-se: ‘Você está aqui no
meu coração".
No dia das mães e no dias dos namorados, utiliza-se
o coração como símbolo que significa a união. Ë também o símbolo do
acolhimento. Há no brasil um dito popular que expressa bem isso: "Tal
coisa é que nem coração de mãe, sempre cabe mais um
".

"As
horas esperam, as estrelas vigiam, o vento se aquieta e o silêncio pesa
em meu coração" (Tagore, A colheita
)

Os
poetas e escritores sempre se utilizaram do coração para expressar emoções
de um determinado momento e, todos nós ao lermos, sabemos interpretar
essa comunicação, sem qualquer dificuldade. Identificamos imediatamente
o que o autor queria dizer. É o caso do trecho que abre o artigo e do
trecho do parágrafo anterior de autoria de Tagore, um poeta indiano
cristão. Em todas as culturas o coração recebe o mesmo tratamento, tem
o mesmo simbolismo.

Sempre
que se fala dos sentimentos utilizando o coração como referência, fala-se
de algo que se deseja extravasar, um sentimento que parte do intimo
do ser. É comum as pessoas dizerem: "Estou dizendo isso do fundo
do meu coração
". Através do coração expressamos o medo ("Estou
com o coração pequenino
"), a frustração ("Estou com
o coração quebrado"
), o carinho ("o filhinho do meu
coração
") e o amor ("Você mora bem aqui, do lado esquerdo").
O coração é o símbolo daquilo que não pode ser controlado nem pelo
intelecto nem pela vontade, é o símbolo das emoções. Da mesma forma
que o câncer está relacionado à impossibilidade de compreender o amor,
o coração é o símbolo do amor perfeito e daí sabemos que o coração é
o único órgão que não é vitimado pelo câncer.

Keith HaringÉ
pelo coração que passa o sangue, o fluído da vida. O coração está no
centro do corpo e no sentido simbólico esta no centro do desejo humano:
o amor. É um órgão de grande importância funcional, é autônomo e, simbolicamente,
significa a generosidade do amor a única emoção que tem a capacidade
de curar, unir e transformar. As pessoas que "tem um grande
coração
" são aquelas que disponíveis, entregam-se generosamente
aos demais. Dividem, assistem e amparam. Mas há os que "não
ouvem seu coração
" e controlam-se. São aqueles indivíduos que
não podem ser perturbados por sentimentos e emoções, odeiam "extravagâncias
emocionais
". Inibem a expressão das emoções e estas, se somatizam
e então o coração começa a apresentar problemas. Temos também um terceiro
tipo: o de "coração mole", para quem não há limites
e para quem a entrega é irrestrita. São aqueles para quem os astutos
e mal intencionados dirigem seus apelos. Este também é um tipo problemático.

O
cardíaco é um sujeito que deve observar a desarmonia entre seu "coração"
e seu intelecto. Será que é uma pessoa que reconhece seus sentimentos?
Dá a eles algum espaço? Tem coragem para demonstra-los? Normalmente
depois de um enfarto é que esses aspectos de um cardíaco aparecem. Lembro-me
que no tempo em que trabalhei com pacientes de um hospital público de
São Paulo, esporadicamente deparava-me com os recém enfartados. Utilizavam-se
de sua condição para evitar todos os sentimentos e muitos desenvolviam
impotência sexual por que temiam que a "entrega" fosse
mortal. Era tudo o que precisavam: algo que os ajudasse a legitimar
justamente o que os havia levado ao enfarto. Tudo o que eu dizia a eles
era: "Se você quer ter outro enfarte, continue assim, negando o
que sente, evitando perceber a única coisa que vale à pena na vida:
as suas emoções". O enfartado é alguém que dá um valor excessivo
aos seus próprios desejos e ao ego e acaba por ficar fora do movimento
da vida.

Os
colapsos cardíacos podem ser descritos como um acúmulo de raiva, todos
os urros que o sujeito não conseguiu dar durante sua vida, acontecem
num único instante. Um bate estaca direto no coração, "Pow!"
Teve que segura-los, ficar com eles parados na garganta. Assim é o cardíaco,
alguém que fica com as coisas atravessadas na garganta. Alguém que não
consegue amar de "todo o coração", é apenas alguém
que fica "por perto", participando sem entusiasmo ou
envolvimento real. Como se diz em liguagem popular: "Está sempre
em cima do muro".

Pessoas
em quem a pressão sangüínea é baixa são aquelas que tem dificuldades
de superar os limites que a vida lhes impõe. Para ser franco, nem tentam
enfrenta-los, apenas se retraem. É o tipo que fica fuçando no mundo
da fantasia só para não ter que lidar com a realidade e os problemas
dela provenientes. Daí serem pessoas que não suportam nada e nem ninguém,
nem mesmo a sexualidade tem grande importância em sua vida. Gostam da
cama, mas para ficarem desmaiados, embalando sonhos.

A
pressão alta é tem mecanismo semelhante. Há uma curiosidade: Quando
um paciente vai ao médico, tem que se considerar que a medida de pressão
pode estar alterada por causa da consulta. Há uma experiência que demonstra
que, se um indivíduo pensar numa atividade física, sua pressão pode
subir, assim como seu pulso, mesmo que esse indivíduo não mova um único
músculo. Isso é extremamente importante do ponto de vista que queremos
tratar aqui. Se o indivíduo tem raiva e não consegue expressa-la, verbaliza-la
isso pode fazer-lhe muito mal. Sabe-se que as coisas que ficam pela
garganta, geram pensamentos de raiva, fantasias de vingança e ruminações.
Isso pode, a exemplo do que acontece com o pensamento sobre o exercício
físico, deixar a pressão alta. A pressão que se eleva diante de uma
situação de conflito abaixa, quando a pessoa pode "desabafar",
expressar o que sente. O hipertenso é um sujeito que está sempre em
conflito e nunca consegue falar sobre isso. Normalmente esse tipo de
paciente está sempre se refugiando em atividades que ajudem-nos a enganar-se
e aos outros, sobre sua dificuldade de enfrentar conflitos.

Kaith Haring
um estudo feito na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos que mostra
que o candidato ao infarto é sempre um sujeito com tendências a realizar
coisas demais em muito pouco tempo (uma característica dos hipertensos).
Parecem liberar a hostilidade através das atividades. São pessoas que
se irritam por motivos tolos, exibem sinais de conflitos com relação
às outras pessoas e também contra o tempo. A pressão alta é bastante
ameaçadora para o infarto. A repressão da energia agressiva é descarregada
através de um infarto. Uma vez vi um cartaz sobre prevenção de infarto,
onde havia um coração rachado. Nada mais correto pois, só os corações
duros é que se quebram.


tive experiência curiosas com pacientes hipertensos. Lembro-me de uma
mulher de 46 anos, que tinha um sério problema de hipertensão. Nenhum
remédio para controlar a pressão funcionava por mais de um mês (se é
que chegasse aí). Ela conhecia todas as marcas de anti hipertensivos
disponíveis no mercado. Aos poucos notei que evitava falar sobre seu
casamento em suas sessões. Tinha pavor de tocar nesse assunto. Tratei
de respeitar isso e tomei todas as providencias para ajuda-la. Tinha
se casado com um homem 20 anos mais velho que não conseguia manifestar-se
afetivamente. Não discutia nenhum dos problemas domésticos com ela e
tratava-a como se fosse uma garotinha irresponsável. Isso fez com que
ficasse desvalorizada e odiasse o esposo. Tinha medo de falar dessa
raiva compactada dentro dela. Assim ficou por vinte anos. Ela parecia
querer esconder de si mesma aquela situação por que era completamente
dependente do marido e sabia que com suas habilidades e idade, não poderia
garantir um padrão de vida semelhante ao que possuía. Percebi que precisava
primeiro ajuda-la a restaurar a auto estima e adquirir alguma habilidade.
Logo ela se descobriu uma profissional de estética muito talentosa e
requisitada. Começou a trabalhar e então, a partir daí, pôde falar de
suas frustrações e raiva do marido. "Curiosamente" acertou-se
com um dos remédios que já havia tomado apesar de sua pressão ter voltado
aos 12X8.

Observa-se
que na pressão alta existe agressividade reprimida e a animosidade fica
apenas na imaginação de forma que a energia gerada não é descarregada
através do desabafo ou de uma ação. Nota-se que tanto os indivíduos
que tem pressão alta como os que tem pressão baixa, utilizam-se de mecanismos
semelhantes de ação: ambos fogem de seus problemas, evitam-nos. Talvez
essas pessoas devessem procurar ajuda pois, adotaram um ritmo rígido
do qual não conseguem escapar. Carregam uma carga de explosivos bastante
perigosa para si mesmos. Talvez precisem escutar um pouquinho mais esse
fantástico e maravilhoso coração simbólico: sua emoções.

O
ser humano prima por uma incoerência: a negação de suas emoções.
Tem-se a ilusão de que as "raivas" podem ser esquecidas,
as tristezas enterradas e os erros jogados para baixo do tapete. É como
eu disse, ilusão. Nada que não é resolvido se dissipa, desaparece.
Fica tudo lá, na mente, criando químicas indesejáveis e prejudiciais.
Será que as emoções do homem são uma aberração, um apêndice desnecessário
ou estão ai com alguma finalidade? Nada no corpo é inútil ou existe
sem finalidade. Como é que alguém pode viver negando o que tem de melhor
e de mais importante? Não são as emoções nossa bússola para navegar
na vida? Conhece-las não nos ajuda a saber o que queremos e o que não
queremos? Acho que ao permitirmo-nos o contato com nossas emoções podemos
inclusive, construir intuições. Do meu ponto de vista a intuição nada
mais é que uma síntese de sentimentos e vivências do passado, condensados
numa sensação. Nosso inconsciente libera essa sensação (o que chamamos
de intuição) quando existe uma similaridade entre uma possível experiência
atual e outra do passado.

A
negação das emoções ou, o fato de evitarmos "ouvir nosso
coração
" pode, como sabemos, se transformar num desastre que
algumas vezes atinge proporções irreparáveis: a morte.

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