O qué é Análise? Todo indivíduo é um conjunto de possibilidades pessoais únicas, específicas e sujeitas, em suas articulações, à natureza das experiências vividas no mundo real (Bollas 1992).
por Mário L. Quilici
Muitas vezes as pessoas perguntam: O que é uma analise (ou psicoterapia)? Está ai uma pergunta difícil de responder. Creio que muitos profissionais se sentiriam incapazes de responder à essa pergunta de uma maneira objetiva e precisa. Como vamos falar das sutilezas de um silêncio, das revelações escondidas que as palavras desviantes nos trazem, dos gestos que contradizem as falas? Como descrever a apreensão do inconsciente no conteúdo narrativo do paciente? Como descrever a fragilidade dos momentos em que ele passa perto dele mesmo sem poder ver, justamente por que a necessidade de ser o outro o cega? E como é difícil a tarefa de seguir seu olhar interno e ajudá-lo a reconhecer-se no que vê. Como falar da leitura de seus gestos desamparados quando ele conta a grandeza de sua compensadora onipotência? Os clínicos até podem trazer exemplos, descreverem interpretações modificadoras mas o processo de análise é único. Por ser único, por ser um processo pessoal e individual com objetivos pessoais, não pode ser descrito. Não existem regras de análise, existe a análise. Só quem faz é que pode sabe-lo. Ninguém mais.
Muitos pacientes comentam que alguns amigos que estão prestes a fazer uma terapia perguntam: "Como é? Que proveito se tira da terapia? O que o psicoterapeuta fala?" Os pacientes são pressionados a serem específicos. Os amigos querem saber detalhes, coisas estonteantes, grandes descobertas e de grandes modificações. Entretanto a resposta dos pacientes será de pouca utilidade: "Ah!, não sei, mudou minha vida", "Eu não estava me entendendo com minha mulher e então fui fazer análise e consegui me ajeitar" ou "Eu estava com problemas que não conseguia resolver sozinho".
Muitas piadas e comentários desvalorizantes tem sido criados em torno da psicanálise com o objetivo de ridicularizá-la. Muitas das piadas apresentam os matizes freudianos do começo do século como modelo. Mítica e antes reservada a alguns poucos privilegiados, a psicanálise ficou misteriosa. As pessoas fantasiam coisas inacreditáveis. Mesmo entre alunos de psicologia prevalece às vezes a crença naquele modelo arcaico da psicanálise e observa-se então uma grande desinformação e mistificação. Mas cabe lembrar que a psicanálise, como qualquer ciência moderna, movimenta-se, altera-se, sofre acréscimos e decréscimos, moderniza-se. Freud, em seu tempo, criou a psicanálise. Essa mesma psicanálise de Freud foi se alterando, recebendo contribuições de novos psicanalistas e observadores que empreendiam pesquisas. A psicanálise acompanha a evolução dos tempos e portanto do ambiente onde o sujeito que é seu objeto, se insere. Dessa forma, a psicanálise tornou-se hoje a base para quase todas as escolas psicológicas e psiquiátricas existentes no planeta. É impossível estudar psicologia sem estabelecer uma relação com a psicanálise.
Mas voltando à questão do que é uma análise ou psicoterapia, lembro-me das diversas pessoas que já passaram por meu consultório e quais eram suas fantasias e angústias sobre o processo analítico.
Um dia um arquiteto jovem de 24 anos marcou uma consulta. Quando entrou na sala estava, como a maioria dos pacientes, um tanto constrangido. Procurei deixa-lo à vontade. Depois de alguns minutos tentando contar-me o motivo que o trazia até mim, interrompeu e perguntou:
– Você pode me explicar o que é a análise? – Só se viver é que vai saber, disse eu deixando que ele se ativesse com sua angústia. – Sabe por que estou perguntando?, disse finalmente após algum silêncio. É que eu estou um pouco preocupado. Tem um amigo meu que é psicólogo. Eu disse a ele que queria fazer análise. Sabe o que ele me disse? Me contou a seguinte piada para definir a análise: Havia um sujeito que sofria de prisão de ventre e diarréia constante. Foi a tudo quanto é médico e não apresentava nenhuma patologia. Mandaram-no para o analista. Depois de dois anos ele encontrou o amigo com quem tinha comentado que faria análise e o amigo perguntou: "E aí, a analise acabou com a diarréia?" O rapaz respondeu: "Não. A diferença é que antes eu tinha diarréias sem saber o motivo e agora eu tenho as mesmas diarréias, sabendo por quê".
Agora, as curiosidades não param por ai. Lembro-me de uma mulher que veio para análise por imposição do marido. Segundo ela, a esposa de um amigo tinha feito análise e "tinha melhorado muito", e então o marido dela "achou" que ela tinha que fazer análise. Discutimos essa "ordem" do marido e concluímos que havia um desejo dela no que dizia respeito a fazer análise. Anos mais tarde o marido me procurou. Disse que estava perdendo a paciência e já estava disposto a cortar a verba da análise. Quando "mandou" a esposa para o tratamento esperava que ela se tornasse "mais boazinha", mas agora a mulher tinha ficado muito pior. Tem uma referência a isso no texto: "A Cidade dos Anjos", no número 2 da REDEPSI.
Pode parecer um disparate. Mas não é. É com essa idéia que muitos pacientes se apresentam no consultório. Pais trazem seus filhos para que "se tornem bonzinhos" quando na verdade eles é que precisariam dar uma olhadinha em si mesmos. Um jovem um dia compareceu à entrevista. Sua demanda: "Eu queria ser uma pessoa melhor". Mas esse "melhor" era ser bonzinho. Tratava-se de um jovem de grande inteligência e cultura que vivia em conflito com aqueles menos privilegiados em volta dele.
Outra questão curiosa que já ouvi inúmeras vezes é: "Olha, eu quero fazer análise mas não quero perder a sensibilidade. Sabe, eu sou muito sensível e se eu perder essa sensibilidade nem imagino como eu ficaria". Além dessa há outra idéia que não é rara: a do poder que é atribuído ao analista de fazer "lavagem cerebral" no paciente. E tem uma muito freqüente, bastante reforçada por filmes, livros e comédias: a dependência do analista. Muitas vezes esse é o primeiro assunto abordado numa entrevista: o pavor de ficar dependente.
Pode-se observar que as idéias populares sobre análises e analistas são esdrúxulas. Há outros tipos de idéias: são aquelas que dão conta do analista como um cara preparado para "resolver problemas". Não é raro alguém que é apresentado a você dizer: "Nossa! Que caca de profissão. Ficar o tempo todo ouvindo problemas dos outros!" Tem até uma piadinha a esse respeito; Diz que o cara chegou no analista e disse:
– Estou deprimido, muito mal, tudo dá errado na minha vida. – Você sabe identificar o problema? perguntou o analista. – Bem, é que estou devendo cinco mil e não tenho como pagar. – Ora, disse o analista, isso não é problema e estendeu-lhe um cheque naquele valor. O paciente fixou exultante, melhorou rapidamente. No final da sessão o paciente levantou-se e perguntou: Quanto lhe devo por essa consulta?
– São 5.200,00 reais.
Houve também um tempo em que ir ao analista era chique. Tive pacientes que justificavam sua ida ao meu consultório dessa forma: "Acho que todos os chiques fazem análise e eu quero fazer também" ou "Soube que fulana de tal faz análise com você. Acho aquela mulher o máximo. Se ela se dá bem deve ter aprendido aqui".Essa idéia acabarou por criar a idéia de que psicotarapia era coisa de ricos. Muitas vezes falava-se que pobres não tinham tempo para arrumar dificuldades. Mas a verdade é que alguns postos de saúde do governo que tem atendimento psicológico estão com as vagas para psicoterapia esgotadas.
Poderíamos ir bem à frente nessa lista. Mas acho que é o bastante para termos uma noção do que se pensa sobre o trabalho dos psis de uma forma geral. Isso creio eu, nasce mesmo da dificuldade de se descrever com alguma precisão o objetivo do trabalho analítico e também das angustias pessoais daqueles que temem a análise. Mas se tivéssemos que escolher um autor que definisse com alguma precisão o trabalho de análise, eu escolheria D.D.Winnicott. Esse autor dizia: "O homem é, quando nasce, um conjunto de disposições geneticamente predispostas que existem antes do relacionamento com a mãe. É através desse relacionamento com o objeto (mãe) que esses potenciais poderão se realizar ou estagnar. Quando ocorre um impedimento da manifestação do self verdadeiro (tentativa de realizar os potenciais), o equilíbrio estará comprometido e o bebê (e o futuro adulto) terá sua capacidade psíquica diminuída. Talvez a gente pudesse dizer que a análise é uma forma de conquistar a liberdade de expressão desses potenciais inibidos e permitir assim o surgimento do verdadeiro Self (eu) e com isso a possibilidade de relacionar-se de forma genuína e espontânea com a vida."
Uma paciente, uma mulher de 46 anos, após cinco anos de análise, definiu assim sua experiência: "Passei 20 anos casada e fazendo de tudo para não perder meu marido. Eu dependia dele e nunca havia aprendido a fazer nada. No fundo sentia-me como uma terra cansada e sem vida. Hoje deixei de depender do meu marido, tenho meu trabalho e gosto de criar com tintas. Adoro as cores. Sabe, é como se tivesse um monte de sementes adormecidas em mim e que aos poucos, sem que eu percebesse, começaram a brotar. Agora estou cheia de frutos".