Desde os tempos pré históricos a humanidade tem transmitido e perpetuado seus conhecimentos, sua forma de pensar, de sentir o mundo e a si mesmo, através de atos sagrados. As informações que chegaram até nós através de desenhos, já nos põem em contato com rituais sagrados. Os primeiros textos escritos ou tratavam de listar propriedades e produtos comerciais ou de relatar crenças, vivências religiosas e mitos de seus povos; mesmo as histórias de seus governantes estavam marcadas pela visão mítica e buscavam a explicação da origem e existência dos homens.
Estes fatos nos fazem pensar que desde sempre a vida foi entendida através do sagrado. Tratou-se de tentar responder as tradicionais, fundamentais e eternas questões:
De onde viemos? O que somos? Porquê somos? Porque estamos aqui? Para onde vamos?
Em contato com as forças naturais os homens encontraram a dualidade da existência, a transformação enquanto princípio, a síntese como criação e como etapa de entendimento, a experimentação enquanto forma e a representação enquanto expressão.
Na tentativa de penetrar estas respostas criamos nossos mitos, estruturamos nossas religiões, fundamos nossas seitas e nossas ciências e nos retratamos em nossa arte. Somente através do entendimento de nossas criações podemos rastrear a nós próprios e continuarmos na eterna busca das respostas tão perseguidas .
Para garantir a sobrevivência, nos organizamos em sociedade e os povos sempre organizaram os espaços de vivência mística dentro de suas comunidades, o que permitiu ao ser humano vivenciar socialmente de seu universo místico interior e tratar de forma compartilhada suas problemáticas psíquicas com o acolhimento necessário a sua sanidade.
A transcendência sobre universo concreto, as transformações da vida e da psique de cada indivíduo eram, nos primórdios da civilização, absorvidas como naturais pela sociedade em sua cultura, ritualizadas e marcadas como momentos importantes nas vidas das comunidades e das pessoas que incorporavam e integravam as dificuldades individuais minimizando sofrimentos e desequilíbrios psíquicos.
O trato íntimo com os sofrimentos, paixões e relações das pessoas nas comunidades, pôde criar a "compaixão" enquanto prática, (paixão com, estar no lugar de) e enquanto conceito de grande parte das religiões, chegando hoje a ser um valor humano.
A humanidade, apesar de ter lidado melhor com as questões internas dos indivíduos nos estágios civilizatórios de antanho, sempre produziu suas insanidades e os homens, atrás de formas de buscar a cura, encontraram os mesmos que se detinham em encontrar as respostas àquelas perguntas fundamentais.
Os Sacerdotes e Padres serviram como psicólogos, as Bruxas, curadoras, os Xamâs, médicos, os Pais de Santo foram sempre o apoio de sua comunidade.
Estas personalidades, por vocação, função ou contingência, tiveram que penetrar mais que ninguëm a alma humana, existindo ainda hoje grandes homens que detendo conhecimentos e técnicas, as vezes bastante sofisticadas, as utilizam no auxílio e cura de quem lhes procura. Bem se vê que a psicologia e a religião sempre se cruzaram, grandes estudiosos do seculo passado (1880/90) como Willian James, Starbuk, Stanley Hall para citar alguns, tratavam do tema psicologia e religião com rigor cientifico e suas pesquisas além de contribuirem para o desenvolvimento da psicanálise manêm sua atualidade nos dias de hoje, tonando-se referencias importantes para aqueles que querem compreender o fenomeno religioso na psique humana.
Não podemos esquecer, também, que sempre existiram charlatões e agora às vésperas da passagem do milênio, proliferam muitos pseudo-iluminados se colocando como curadores, sábios, milagreiros, e outros, comercializando com a fragilidade humana. Este crescimento, no entanto, faz parte da nossa sociedade atual que com seu consumismo, padronização de comportamentos e massificação, assegura cada vez menos os espaços adequados para a incorporação, do diferente, do novo e para o acolhimento dos sofrimentos. A maioria dos cidadãos das grandes Urbes, têm pouco ou nenhum espaço para sua expressão individual, com o que criamos cada vez mais doente mentais.
Não é por conta da existência do charlatanismo, entretanto, que devemos desconhecer o conhecimento real acumulado a partir da vivência humana do sagrado, ou mesmo descartar a priori experiências atuais que podem responder a velhos problemas. É fundamental o resgate dos conhecimentos guardados por aquelas personalidades, nas organizações não formais e no seio das comunidades. Assim, em conjunto com o debate acadêmico, poderemos desfrutar da sabedoria da humildade de quem sempre tem o que aprender.
No estudo da psiquê e na busca da saúde, mais do que em qualquer outro campo das ditas ciências, somos obrigados a penetrar o conhecimento de nossas representações e vivências místicas, para além da história de vida, sob pena de sermos superficiais, tacanhos e ficarmos formalizando conceitos e pré-conceitos que nos fecharão o caminho do conhecimento naquelas sínteses parciais que nos deveriam servir de alavanca.
Ë nesta proposta que esta seção deverá trabalhar tentando trazer a tona experiências e reflexões de novos paradígmas e vivências de sociedades tradicionais, junto com o diálogo científico.