Num dias desses estava numa loja olhando camisas. Uma jovem obesa aproximou-se e olhou algumas peças femininas. A vendedora e ela pareciam cúmplices, sabiam que tudo não passaria daquele ritual: olhar, desejar e depois ir embora. Os olhos da moça pareciam alternar entre o encantamento com as peças e a tristeza de não poder vesti-las. A vendedora depois me confidenciou que a moça obesa vinha freqüentemente à loja admirar as roupas sem entretanto poder adquiri-las.
Esse fato se repete inúmeras vezes no dia a dia de muitos obesos. Um amigo obeso me dizia que comprar roupas em lojas especializadas é um negócio chato porque as roupas não têm o mesmo charme. Não sei se isso é verdade, nunca me preocupei em observar esse aspecto. No entanto sei que deve ser muito bom ter a liberdade de comprar uma roupa pela qual nos apaixonamos, no momento em que nos apaixonamos. Mas isso nem sempre é possível para o gordo.
Um dia desses me perguntava: De quem é o problema, do gordo que não emagrece se sabe que o mundo é feito para magros ou dos industriais que são preconceituosos e não investem mais efetivamente nessa área. Acho que as duas questões são pertinentes. Entretanto, nossa preocupação nesse número de REDEPSI, é falar sobre obesidade.
Num primeiro momento poderíamos nos perguntar: qual o problema com o fato de alguém ser gordo? Acho que existem dois enfoques para se pensar esta questão: a estética e a saúde. O ponto de vista estético também pode ser dividido em dois aspectos: O pessoal e o cultural. O que eu chamo de ponto de vista pessoal é o gosto individual de algumas pessoas. Tenho amigos que são vidrados numa rechonchuda e não há Vera Fischer nem Luiza Brunet que possam despertar mais sua atenção do que uma fofinha sexy e simpática. O mesmo acontece com algumas amigas minhas. Uma delas é radical: "Se for magro pode passar longe" ou "Homem sem um pneuzinho, não dá". Há também aqueles que adoram os gordinhos mas os evitam em público porque temem o que os outros vão pensar. Isso nos leva à questão cultural. Vivemos num momento em que as regras estabelecidas para o corpo exigem silhuetas delgadas, de formas definidas e delicadas. As manequins, top models, são esqueléticas. No que diz respeito às mulheres, que são as que mais sofrem que esse tipo de problema, já houve momentos na história em que ser fofinha era absolutamente obrigatório. Na época de Napoleão e até mesmo mais tarde, no período do Art Nouveau, as mulheres eram mais cheias. As magras não tinham a menor chance. Por volta dos anos 60, começaram a surgir as manequins esqueléticas. O grande mito foi Twig, uma lourinha inglesa que era só pele e osso. Na minha opinião um exagero. A coisa mudou pouco de lá para cá. A ditadurada moda exige como já se disse, corpos bem delineados quase secos. Isso causa conflitos e angústias que leva o obeso a ter dificuldades com sua auto estima. Mulheres envergonham-se de seus corpos e homens ficam constrangidos nas paqueras.
Do ponto de vista da saúde a obesidade de fato representa um problema. Sabe-se que o coração do obeso trabalha muito e por isso o aumento da área cardíaca é comum em indivíduos muito obesos. O coração dos obesos tem excesso de gordura epicárdica (membrana serosa que envolve o coração) e também infiltração de gordura no miocárdio (músculo cardíaco). Alguns estudo mostram aumento de massa muscular cardíaca e aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo. O consumo excessivo de oxigênio é uma das características da obesidade sendo essa a razão por que muitos obesos cansam-se com facilidade. O coração tem um trabalho redobrado em pessoas obesas porque o volume de sangue circulante está aumentado nessas pessoas. Mesmo em estado de repouso o coração do obeso trabalha bem mais do que numa pessoa magra. Isso pode conduzir à patologias graves e às vezes mortais.
Antes de discutirmos os fatores emocionais envolvidos na obesidade, convém lembrar que podem haver fatores endócrinos causando esse tipo de problema e isso, após ser adequadamente investigado por um endocrinologista, que pode sanar o problema medicando adequadamente.
Quais os fatores emocionais envolvidos na obesidade? Minha experiência nessa área mostrou que existem inúmeras causas associadas à obesidade. Entretanto, há um grupo em especial que observei com mais freqüência. Alguns se referem a hábitos adquiridos durante a vida e outros às carências emocionais.
Se voltarmos à nossa infância ou assistirmos algumas pessoas tratando com suas crianças, vamos observar a angústia de alguns pais no que diz respeito à alimentação de seus filhos. Faz-se de tudo para que a criança coma. Às vezes ficamos com a sensação de que é uma questão de vida ou morte. Trata-se apenas da angústia dos pais e não da necessidade das crianças. Estas, ao sentir fome, logo procuram o que comer. Mas parece que essa necessidade de comer dos pais transfere-se para o indivíduo e então, comer torna-se imperativo para o sujeito. Este tipo de pessoa não tem noção da quantidade de calorias que precisa durante um dia, apenas precisa comer. Tais relacionamentos com os pais ficam gravados em nosso inconsciente: se comemos, mamãe sorri, fica alegrinha, aliviada. Isso pode ajudar a criança a ver-se livre da culpa. Mais tarde o hábito e a necessidade de livrar-se da culpa, ainda persista mesmo que os pais estejam ausentes.
Outra coisa curiosa é quando o alimento é oferecido como prêmio por alguma atividade que a criança executa. Se ela se comporta e come tudo o que está no prato, ganha um chocolate ou um biscoito. Se ela se comporta direitinho com as visitas, ganha balas e assim por diante. O alimento fica associado à recompensa e indivíduo pode, mais tarde, comer para obter esse tipo de recompensa, ainda que de forma inconsciente.
A comida está sempre associada à situações de proximidade e sucesso. Observe que quando nos tornamos adolescentes encontramos nossa turma em festinhas para os comes e bebes, nas lanchonetes e pizzarias. No cinema os adolescentes (mais freqüentemente) entretém-se consumindo pipocas, chocolates e refrigerantes. Quando a gente se forma, casa, ou recebe uma visita especial, recebe-se uma promoção, comemora-se um noivado, faz-se um jantar, almoço ou uma festinha. Um jantar romântico à luz de velas, dá um clima especial para uma noite especial onde sexualidade e efetividade são as estrelas. No trabalho, muitas das negociações com clientes são feitas em almoços ou jantares. Talvez muitas dessas situações sejam inevitáveis, mas esses detalhes servem para ilustrar como a comida está ligada a entretenimento e gratificação e como já dissemos, à aproximação.
Constata-se também que comemos para negar uma experiência desagradável. Quantas vezes não estamos sozinhos em casa, sem ter o que fazer e então, nos postamos diante da televisão comendo pudins, bolachas, doces etc.? É uma forma de driblar a solidão. Ao perdermos um contrato no trabalho, um emprego ou, ao ficarmos de dependência na escola, logo chegamos em casa, entramos na cozinha e vamos direto à geladeira, onde encontramos algum conforto.
Algumas pessoas também engordam por que querem ser notadas, ganhar alguma importância. Tive uma paciente, uma mulher jovem ainda, por volta dos 40 anos e que pesava 165 Kg. Era uma mulher extremamente inteligente e com grandes habilidades de comunicação. Era professora e por questões de problemas com sua auto estima, restringiu-se ao ensino primário em escolas estaduais. Não achou que tinha capacidade de ir mais além. Essa restrição foi fatal por que lentamente tornou-se obesa e carente de atenções. Foi só quando entendeu suas necessidades é que os regimes começaram a funcionar para ela. Isso é comum naqueles que têm um pequeno ego e então compensam isso criando um grande corpo. Simbolicamente o obeso é alguém que demanda maior atenção, precisa sentir-se mais importante e dessa forma busca ocupar mais espaço. Indivíduos de grande tamanho causam sempre alguma impressão naqueles à sua volta. E além disso é sempre melhor receber uma atenção negativa do que não receber nenhuma atenção. Essa é uma matemática comum para o obeso e crianças mal amadas.
Outras pessoas comem por precisar de amor. Essa é uma questão difícil de assumir. Parece tão humilhante para as pessoas admitirem que precisam de amor. O que é mais curioso é que amor é a única coisa de que todos precisam, mas não ninguém gosta de admitir. Os indivíduos preferem comer, fazer muitas compras, tomar grandes sorvetes nos shoppings, chupar deliciosas balas, devorar chocolates com castanhas e amendoins e cozinhar deliciosos pratos. Para alguém declarar "Eu preciso de amor", é sempre uma coisa que fere. As pessoas obesas são aquelas que comem quando na verdade precisariam de alguém que lhes desse um abraço, um sorriso e quem sabe, um pouco de atenção. Uma outra paciente, que fora na adolescência uma mulher belíssima, após o casamento engordara de forma exagerada. Chegou perto dos 200 Kg. Perdeu a habilidade para dirigir e só saia de casa com os filhos ou marido. Como muitos obesos, fizera todos os regimes. Durante o período de análise percebeu que vivia em busca de atenção do marido que a ignorava completamente. Divorciada, a paciente emagreceu e conseguiu manter o peso sem grandes esforços.
Muitas pessoas comem por medo. Medo! De quê? Acho que essa é uma das causas mais importantes da obesidade: o medo. Podemos pensar naquelas pessoas que por não serem bonitas (ou se sentirem bonitas), não serem atrativas para o sexo oposto, ficam gordas por que dessa forma não têm que lidar com os conflitos que isso traz. A gordura é uma capa que isola o corpo do mundo. A maior parte da gordura fica espalhada sob a pele e cria uma barreira. A gordura é uma forma de evitar o contato com o mundo, esconder-se das outras pessoas. Um paciente, de boa aparência e grande talento nos negócios disse que detestaria ter uma aparência atrativa pois detestava lidar com os relacionamentos que eram sempre complicados. "As mulheres não me olham e eu não tenho com que me preocupar então". Isso não era verdade, mas ele preferia ver assim. Muitas pessoas obesas têm medo de sua sexualidade e não sabem lidar com suas dificuldades afetivas.
Um outro medo que observei é o da falta de saúde. Muitas vezes as pessoas associam a obesidade à saúde. Uma grande bobagem mas que recebe crédito de muitas pessoas. "Se você é gordo, é mais saudável" ou "Gordos não sentem frio" ou ainda, " Gordos não pegam resfriados". A arsenal de besteiras que inventam é inacreditável e o que é pior, nunca se renova. Gordura, como pudemos ver nos parágrafos anteriores, nunca foi sinônimo de saúde.
Os regimes podem ser bons quando nosso psiquismo está equilibrado. Caso contrário, os obesos sempre enfrentarão o efeito rebote: acabam o regime e tudo volta ao que era antes. O equilíbrio emocional, como já se disse antes e cada vez mais a ciência comprova, pode interferir de forma positiva e negativa em todos os processos orgânicos. Precisar de um profissional que entenda e ajude a solucionar certos conflitos emocionais não é senão um gesto de honestidade para consigo mesmo. A grande hostilidade do homem em relação a si mesmo é negar-se à ajuda, ao contato que pode ajudá-los a aproximarem-se de si mesmos.