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O Manifesto pela Psicanálise conclama

O Manifesto pela Psicanálise pronunciou-se em fevereiro de 2004 contra
qualquer regulamentação da psicanálise. Nesse dia, ele recolheu 700
assinaturas, lista que continua a crescer desde a reunião de 10 de
janeiro próximo passado no Ministério da Saúde.

O artigo 52 da lei de saúde pública de 9 de agosto de 2004 traçou o
quadro do « uso do título de psicoterapeuta », confirmando em seu texto
os temores que havíamos formulado. Agora as negociações serão feitas
para a redação dos decretos de aplicação dessa lei. Elas colocam em
presença grupos com interesses ferqüentemente divergentes, de modo que
alianças são feitas segundo objetivos puramente táticos.
O Manifesto pela Psicanálise pronunciou-se em fevereiro de 2004 contra
qualquer regulamentação da psicanálise. Nesse dia, ele recolheu 700
assinaturas, lista que continua a crescer desde a reunião de 10 de
janeiro próximo passado no Ministério da Saúde.

O artigo 52 da lei de saúde pública de 9 de agosto de 2004 traçou o
quadro do « uso do título de psicoterapeuta », confirmando em seu texto
os temores que havíamos formulado. Agora as negociações serão feitas
para a redação dos decretos de aplicação dessa lei. Elas colocam em
presença grupos com interesses ferqüentemente divergentes, de modo que
alianças são feitas segundo objetivos puramente táticos.
Qualquer que seja a redação final desses decretos de aplicação, uma
etapa terá sido vencida pela instauração de listas que, de fato,
instaurarão um corpo de psicoterapeutas do Estado. A partir de então,
uma linha divisória será criada no campo da psicanálise, pois as
associações de psicanálise se encontrarão diante de uma escolha : ou bem
elas participam da formação validante ou bem se recusam a fazê-lo. Se
algumas participam, isso significa que aceitarão constituir-se como
formadoras de psicoterapeutas, o que não poderá ser feito sem revisões
doutrinárias maiores. Se algumas não o fazem, aparecerá assim uma
polarização do campo analítico, mostrando que ele não é um e que
escolhas são possíveis para cada um.

Por isso parece-nos urgente formular alguns pontos fundamentais nesse
momento crucial da história da psicanálise na França. Dentro desse
espírito propomos desde já elaborar uma espécie de Carta, esclarecendo
um certo número de posições doutrinais, o que deveria permitir a todos
resistir melhor às ameaças multiformes da instrumentalização estatal.
Associações poderiam tomar a iniciativa imediatamente.

Em primeiro lugar lembremos alguns dos pontos fundamentais que
conduziram à situação atual. A progressiva politização da medicina e,
além dela, de todo o setor da saúde, traduziu-se por um direito à saúde
que se estende doravante ao campo da saúde mental. O imenso sucesso da
psicologia e das psicoterapias que dela derivaram não podia deixar o
Estado indiferente, o qual, em múltiplas ocasiões, buscou associar mais
estreitamente esse setor à sua política através de uma regulamentação do
título de psicoterapeuta. Hoje em dia a coisa está praticamente feita,
sob a pressão de vários fatores que são freqüentemente, e na mesma
proporção, álibis para estender uma empresa estatal de controle e de
avaliação que coloca antes de tudo a ideologia securitária : isso
ocorreu com a luta contra as escolas, « cheias de boas intenções », mas
essencialmente destinada a se premunir contra eventuais processos, marca
da preocupação jurídica crescente ; ocorreu com a progressão cega da
burocracia, preocupada em apaziguar sua sede devoradora de controle e de
medidas avaliativas passíveis de tranqüilizar uma população suposta
inquieta, por meio de afirmações e de decisões que aleguam sua exatidão
; e ocorreu ainda com o cuidado econômico, eterno álibi de faraônicos
desperdícios.

Allguns psicanalistas pensaram que essa questão da regulamentação das
psicoterapias não os concernia. Hoje está claro que se enganaram
redondamente e que as « psicoterapias » são parte integrante desse vasto
conjunto que se tornou negócio do Estado e que tem por nome « saúde
mental ». Esse território é objeto de uma perturbação considerável,
segundo dois eixos estritamente articulados, a saber : de uma parte a
organização comprimida de uma rede de profissionais estreitamente
enquadrados e avaliados ; e, por outro, a intervenção do Estado na
escolha incômoda das respostas técnicas. Assim, o privilégio dado aos
TCC pelo INSERM visa a orientar as prescrições futuras da Alta
Autoridade sanitária, em nome da eficiência e da redução de custos. São
colocados em primeiro plano dessa organização burocrática os médicos
generalistas — prescritores de psicotrópicos — e os psicoterapeutas. A
proclamação feita pelos « experts » sobre a pouca eficácia da
psicanálise deixa entrever a sorte que lhe será reservada nas futuras «
recomendações de boas práticas » às quais deverão se submeter os
psicoterapeutas efetivos.

Dado que a regulamentação prevista só diz respeito aos que decidirão se
increver nas listas oficiais de psicoterapeutas, alguns analistas
continuam a sustentar que o caso não concerne a psicanálise enquanto
tal. Essa opinião é, na verdade, desmentida pelo investimento ativo das
associações de psicanálise nas negociações em curso. A defesa da idéia,
feita por algumas delas, segundo a qual a psicanálise teria o monopólio
do termo psicoterapia graças à noção de psicoterapia analítica revela-se
um erro fatal dado que, hoje, a referência da psicoterapia não é mais,
de modo algum, a psicanálise. O fato de que, apesar dessa evolução do
contexto, psicanalistas se agarrem à defesa da psicoterapia analítica,
mostra a que ponto essa noção — que associa dois termos que, em seu
fundamento, são antinômicos — pôde produzir confusão nos espíritos, sem
contar os desgastes na formação dos psicanalistas, que têm cada vez mais
dificuldades para manter o caráter categórico (tranchant) de sua
posição. Não se trata aqui de meras alegações e nem mesmo de
aproximações : uma carta do Grupo de Contato [Groupe de Contact],
dirigida ao ministro da Saúde e datada de 19 de julho de 2005, diz
explicitamente que, « como as outras aplicações da psicanálise, aquilo
que às vezes se chama de “psicoterapia psicanalítica” é uma modalidade
da psicanálise ». Por meio dessa afirmação pode-se medir como, depois de
ter sustentado que a psicoterapia estava fora do campo da psicanálise,
as mesmas pessoas fazem dela, doravante, « uma aplicação ». Fundando-nos
nisso que acabamos de relatar, também apreendemos que é através desse
viés que a psicanálise entrou em regulamentação, segundo os termos dos
próprios psicanalistas !

Alguns psicanalistas não somente não recusaram as negociações
regulamentares, mas correram para adiantar-se a ela. Lembremo-nos de que
o ministro Mattéi estava pronto para deixar a psicanálise fora do campo
regulamentar, o que foi recusado pelos membros do Grupo de Contato
(verbatim do encontro de 12 de dezembro de 2003). Da mesma forma, hoje
(verbatim do encontro de 10 de janeiro de 2006) podemos ler que alguns
se engajam em pedir ao Estado que distinga, entre as associações e os
psicanalistas, quais devem ser reconhecidos, provocando sempre a mesma
surpresa do representante do Estado, que não pedia tanto…

É então vital para a comunidade analítica que essas questões cruciais
sejam discutidas pelos analistas aos olhos de todos, e não nos
corredores ministeriais. Por exemplo : é verdade que certas pessoas
desejam a constituição de uma ordem dos psicanalistas ? É verdade que
eles desejam um reconhecimento oficial de um estatuto de psicanalista ?
É tempo de substituir as confusões consensuais ou que se encontram em
oposições puramente conjunturais por um engajamento de cada um sobre
pontos de doutrina decisivos. É dentro desse espírito que os signatários
do presente texto insistem em reafirmar certos princípios fundamentais :

1) Oposição radical à inclusão da psicanálise no campo das
psicoterapias regulamentadas pelo Estado. Estas podem ter sua
pertinência, mas seu objetivo não é o mesmo que aquele da psicanálise.
Sobre este ponto, adotamos sem reserva a tese de Lacan (« Proposição de
9 de outubro de 1967 sobre a Psicanálise da Escola ») : « Esta
experiência (experiência psicanalítica) é essencial para isolá-la da
terapêutica que não distorce a psicanálise somente por relaxar seu
rigor. Eu observaria, com efeito, que não há nenhuma definição possível
da terapêutica, salvo a restituição de um estado primeiro. Definição
justamente impossível de colocar na psicanálise. »

2) A formação do psicanalista resulta de sua cura. É a partir da
transformação operada por esta que ele pode se autorizar a ocupar um
lugar de analista de uma maneira que não seja vã. É em relação a essa
transformação que ele deve se dotar dos meios necessários à apropriação
e à invenção do saber psicanalítico, a fim de ser digno da prática que
ele escolheu. Mesmo os psicanalistas que não pertencem a uma associação
de psicanálise são obrigados a submeter-se a esse princípio.

3) A lei de 9 de agosto de 2004, assim como o decreto de aplicação
em elaboração, não lesam, formalmente, o exercício da psicanálise.
Porém, confundir a areia sob a qual a avestruz esconde a cabeça com uma
proteção propícia à psicanálise equivale a não ver que eles fazem parte
de um dispositivo visando a controlar a psicanálise e a fazê-la refluir,
integrando-a mais ou menos a uma política de saúde na qual o mercado dos
« cuidados » imporá suas exigências liberais .

4) A decisão de iniciar uma psicanálise e de escolher um/uma
psicanalista é uma decisão íntima à qual nada obriga, mas o
desenvolvimento ou a extinção da psicanálise, a manutenção de seu
caráter categórico (tranchant) ou a sua edulcoração, terão conseqüências
sobre a civilização. O pior adviria para a psicanálise se ela se
tornasse, mais ou menos, oficial e estatal. Sob esse aspecto a idéia de
uma ordem também não é boa, pois ela se tornaria bem depressa um lugar
de jogos de poder entre aqueles psicanalistas sensíveis ao prestígio da
administração em detrimento de seu ato.

5) Deveria ficar claro que não saberíamos falar dessa perspectiva
de associações de psicanalistas, mas de associações ou escolas de
psicanálise e que estas não saberiam se engajar no processo de formação
de psicoterapeutas, quaisquer que sejam as modalidades.

Diante do que devemos reconhecer como uma verdadeira crise própria à
psicanálise, há uma urgência em reagir por meio de uma reflexão
renovada. É por isso que convocamos os psicanalistas, membros ou não de
uma associação, a deixar de lado os ditos interesses corporativistas,
aliás pouco seguros, a fim de redefinir, por meio de textos
argumentados, os meios de transmissão da psicanálise que não os apartem
dos fundamentos de sua prática.

Paris, 26 de janeiro de 2006
Sophie Aouillé, Pierre Bruno, Franck Chaumon, Guy Lérès, Michel Plon,
Erik Porge.
Tradução de Nícia Adan Bonatti

fonte:[url=http://www.psy-desir.com/ced/article.php?id_article=122]www.psy-desir.com[/url]

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