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Lacan e a sexualiade humana I

A palavra teoria é uma das palavras de menor valor e de menor prestígio na cena contemporânea da suposta sociedade do conhecimento. Digo suposta, pois penso que temos informação demais e conhecimento de menos.
A palavra teoria é de origem grega. O theorein significa o ver algo em seus aspectos mais abrangentes, o ver todos os aspectos de algo o que implicaria, em compreender este algo. O teórico é, assim, aquele que vê efetivamente algo e, porque o vê realmente, o compreende. Com a ocupação de Atenas pelos romanos e pela imposição da língua latina aos gregos, a palavra teoria foi traduzida por contemplare.

É fácil perceber o downgrade do sentido original da palavra. O teórico, que no grego é aquele que vê efetivamente algo e porque o vê o compreende, foi substituído pelo contemplador. O teórico é ativo, enquanto o contemplador é passivo. O teórico funda e institui o sentido e o significado de algo, enquanto que o contemplador observa externamente a cena que observa. A possibilidade do compreender, possibilitada pela teoria é aquilo que garante a legibilidade do fenômeno e do fato que é observado. O campo teórico é o campo da reconstrução da inteligibilidade daquilo que é observado.

O teórico situa-se aquém do objeto para poder compreendê-lo. Neste sentido, o saber trazido pela psicanálise é uma ativa atividade teórica. A partir disto, podemos situar a psicanálise de Jacques Lacan como uma das aventuras mais ousadas do saber teórico produzido no século XX. A originalidade e a virulência do saber lacaniano com seu caráter de estranheza e incompreensibilidade situam-se neste lugar onde a teoria funda a significação e o sentido do fenômeno.

Alguns conceitos da psicanálise de Lacan devem ser explicitados para se pensar teoricamente a questão do feminino. Um dos elementos mais desconcertantes do lacanismo é de que é em função da relação com a linguagem, é como ser de linguagem, que se dá para o humano a estruturação da sexualidade, masculina ou feminina. A instância corpo funciona secundariamente na fundação da sexualidade. A psicanálise nos demonstra que é impossível deduzir, da pura anatomia, da pura presentificação empírica do corpo o significado de sua existência. É necessária a produção de uma Outra cena que funciona como momento de instituição do sentido e do significado daquilo que é observado no empírico, naquilo que o vulgo chama de Real. A noção de instinto, ou de um mecanismo de auto-regulação, desconhecido e não alcançável, é aquilo que sutura nossa ignorância e nossa preguiça mental de procurar entender um pouco mais além os fenômenos com os quais nos deparamos.

A psicanálise revisa a própria noção da relação que pretensamente teria instituído desde sempre entre um sujeito e um mundo como sendo constituído por uma relação do conhecimento.

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