Um dos problemas filosóficos que mais interessa à psicologia é possivelmente o chamado problema mente-corpo. Encontramos, historicamente, dois modos “clássicos” de tratar esse problema na filosofia. O primeiro deles, o chamado dualismo, consiste na defesa de que mente e corpo são “coisas” irreconciliáveis e irredutíveis. A segunda tentativa filosófica de solução do problema mente-corpo é o chamado fisicalismo (muitas vezes também chamado de materialismo), cuja proposta baseia-se na crença de que tudo é de natureza física e, portanto, a mente pode, e deve, ser descrita em termos físicos (ou seja, em termos de processos cerebrais).
Podemos destacar, pelo menos, dois “tipos” de dualismo no contexto do problema mente-corpo. O primeiro deles é o dualismo interacionista, que como o nome já diz, admite que embora mente e corpo sejam coisas distintas, há uma interação entre eles. O problema colocado por essa vertente é explicar como se dá essa interação entre a “coisa” mental e o corpo, ou mais precisamente qual a natureza dessa interação.
O segundo dualismo é o paralelismo, o qual admite que processos mentais e processos corporais (físicos/fisiológicos) funcionam em paralelo sem que haja qualquer ligação de fato entre as duas séries. É evidente que a dificuldade a ser enfrentada por esse dualismo reside na explicação de por que parece haver uma interação, se de fato não há (por que quando damos uma topada imediatamente sentimos dor, dando a impressão de que foi a topada causou a dor?) É verdade que a maioria dos problemas, que surgem na aceitação do dualismo, desaparece quando nos filiamos ao fisicalismo.
Entretanto, o compromisso com o fisicalismo nos conduz ao reducionismo, que por sua vez tem conseqüências funestas para a psicologia científica. Esclarecendo, o fisicalismo é uma posição reducionista, na exata medida em que se propõe tratar a mente como algo físico. Isso quer dizer que a mente (e tudo que consideramos como mental, tal como emoções, sentimentos, sensações, desejos, etc.) identifica-se com processos cerebrais e, portanto, um estudo exaustivo do funcionamento do cérebro revelará o funcionamento da mente. O primeiro problema da aceitação do fisicalismo é justamente a idéia de que há uma identidade real entre uma infinidade de processos eletroquímicos que ocorrem no cérebro e, por exemplo, o gosto que sinto quando saboreio uma fruta. Sem dúvida há algum tipo de relação entre essas duas coisas, o que pode ser traduzido pelo enunciado banal de que sem um cérebro não sentimos gosto algum, mas aceitar que há uma relação não é o mesmo que defender que se trata de uma relação de identidade.
O segundo problema trazido pelo fisicalismo diz respeito ao estatuto de uma ciência psicológica. Se levarmos o programa reducionista até as suas últimas conseqüências, chegaremos à conclusão de que a psicologia não é um campo de conhecimento legítimo. Isso porque, de acordo com o fisicalismo, se alcançarmos uma neurofisiologia (ou mesmo uma neuroquímica) avançada o suficiente não há motivo para continuarmos a falar de psicologia como uma disciplina autônoma. Desse modo, parece que nenhuma das duas soluções clássicas do problema mente-corpo (dualismo e fisicalismo) é satisfatória para a psicologia. Ao meu ver, esse fato não deve servir de pretexto para a paralisação da pesquisa psicológica sobre o assunto. Ao contrário, essa dificuldade em resolver o problema mente-corpo serve com indicador de que o tratamento de problemas filosóficos pela psicologia exige um rigor e complexidade maior do que geralmente se imagina.
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Fisicalismo esclarecendo o dualismo……