Desde William James e de Wundt (pelo menos), a psicologia se considera como disciplina científica. Diante dessa afirmação há dois questionamentos evidentes: 1) o que é psicologia? 2) o que os psicólogos entendem por ciência? Se acompanharmos a história da psicologia, perceberemos que essas duas perguntas tiveram (e ainda têm) uma infinidade de respostas, o que muitas vezes alimentou a crítica à pretensão científica da psicologia.
O que é psicologia? Um breve olhar sobre a história da psicologia revela que essa pergunta pode ser respondida de diversas maneiras. Não cabe aqui analisar cada uma dessas respostas, o que possivelmente nos conduziria à desconfortável conclusão de que cada psicólogo pode escolher a resposta que mais lhe agradar. Ao invés disso, gostaria de apresentar resumidamente a resposta dada pela psicologia da Gestalt, mais especificamente por Kurt Koffka.
Faço isso porque me parece que mesmo se não concordarmos com a conclusão desse autor, a discussão que ele levanta parece ser válida. Para Koffka a psicologia científica tem três objetos de estudo: a consciência, a mente e o comportamento. No entanto, ao contrário de muitos psicólogos, a posição defendida por Koffka é a de que a psicologia não pode ser apenas uma ciência da mente, da consciência ou do comportamento, mas sim uma ciência que deve ser capaz de explicar os três objetos de estudo. Por outro lado, a psicologia será obrigada a escolher entre os três qual será seu ponto de partida (mesmo que não admita um reducionismo).
A psicologia da Gestalt defenderá que esse ponto de partida é o comportamento, e a justificativa para essa escolha é a de que é muito mais fácil partindo do comportamento falar de mente e consciência, do que partindo da mente ou da consciência tratar do comportamento. Isso me parece razoável. Não vou analisar aqui como a psicologia da Gestalt conduzirá essa empreitada (o que demandaria páginas e páginas), e nem quero entrar no mérito de julgar se ela foi ou não bem sucedida. Quero apenas frisar que a partir dessa proposta de Koffka, é possível construir uma espécie de parâmetro para avaliar a completude dos projetos psicológicos. Isso porque se é plausível que uma psicologia deve dar conta da mente, da consciência e do comportamento, podemos classificar como incompleto o projeto que seja incapaz de falar sobre algum desses objetos de estudo.
Em outras palavras, não importa se partimos do comportamento, da mente ou da consciência, importa sim se somos capazes falar de cada um deles, bem como da possível relação que há entre eles. Assim, a psicologia da Gestalt parece evitar o incômodo produzido pela pluralidade de respostas que encontramos à pergunta, o que é psicologia? Seguindo a discussão de Koffka podemos concluir que o ponto de partida varia (comportamento, mente ou consciência), mas o objetivo é o mesmo (estudar o comportamento, a mente e a consciência). Cada psicólogo é livre para escolher o ponto de partida que achar melhor, desde que consiga dar conta do comportamento, da mente e da consciência. Resta agora falar sobre a concepção de ciência adotada pela psicologia.
Acho mais fácil começar a discussão desse assunto em termos de métodos. Podemos assim formular as seguintes questões: quais os métodos empregados pela psicologia? Esses métodos podem ser considerados científicos? Sobre essa discussão também é possível encontrar uma infinidade de impasses na história da psicologia científica. Muitas vezes esses impasses fundamentam-se na defesa de que o único método científico é o experimental. Se aceitarmos essa tese pouco do que se chama psicologia (inclusive atualmente) pode ser chamado de científico. Acredito que os objetivos adotados pela ciência psicológica estão na raiz dessa ênfase no método experimental.
Se estivermos interessados em produzir uma tecnologia, em produzir mudanças (em previsão e controle, como alguns defendem), parece que o método experimental é o mais adequado. Por outro lado, quisermos construir uma ciência contemplativa, compreensiva (nos moldes de uma ciência pós-moderna, como a defendida por Boaventuda de Sousa Santos, por exemplo), podemos admitir outros métodos, que não apenas o experimental, como legítimos para nossa ciência. Sem tomar partido por nenhuma das posições, acho que se voltarmos à proposta de Koffka cabe perguntar se uma pluralidade de objetos de estudo não acarreta uma pluralidade de métodos. Nesse sentido, é interessante lembrar de James, que defendia a legitimidade dos métodos introspectivo, experimental e comparativo na psicologia científica. Uma das vantagens que vejo em admitirmos a legitimidade da pluralidade de objetos da psicologia (mesmo considerando a possibilidade de diferentes escolhas como o começo do estudo dessa pluralidade), bem a de métodos empregados, talvez evitemos a conclusão desagradável a que chega Wittgenstein em relação à psicologia científica, de que “existem na psicologia métodos experimentais e confusão conceitual”.