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Alfabetização modifica auto-imagem dos adultos

Pesquisa de mestrado na Faculdade de Educação mostra como a alfabetização altera a auto-estima dos adultos. Para muitos, o analfabetismo já é superado com a capacidade de escrever o próprio nome.
Pesquisa de mestrado na Faculdade de Educação mostra como a alfabetização altera a auto-estima dos adultos. Para muitos, o analfabetismo já é superado com a capacidade de escrever o próprio nome.
Os adultos que aprendem a ler e escrever passam, ao longo da aprendizagem, por um processo de transformação que vai muito além da simples alfabetização: o contato com a escola modifica a imagem que a pessoa tem de si mesma e permite a superação de limites e preconceitos. A conclusão é da psicóloga e educadora Maria de Lurdes Valino, que acompanhou no ano passado a trajetória de 15 jovens e adultos matriculados em um curso de alfabetização.

Os resultados da pesquisa, composta principalmente por entrevistas, compõem a dissertação de mestrado “Quem não sabe ler nem escrever pede favor. Até quando?,” recentemente apresentada na Faculdade de Educação (FE) da USP.

As entrevistas foram feitas numa escola particular de São Paulo que oferece educação gratuita para adultos, da alfabetização à quarta série. Cada etapa corresponde a seis meses, com possibilidade de reprovação. Maria de Lurdes entrevistou os alunos no início do ano (com algumas semanas de aula), no meio e no fim do ano (quando alguns deles já estavam concluindo a primeira série). A idade dos entrevistados variava de 16 a 58 anos, sendo 11 mulheres e quatro homens. O objetivo era detectar a influência que o fato de ir à escola e aprender novas coisas exerce sobre a vida dessas pessoas e, mais especificamente, quais as transformações na identidade.

Na primeira entrevista, Maria de Lurdes percebeu a forte presença do estigma (marca) de analfabeto. “Enquanto alguns se assumiam como ‘analfabetos’, outros procuravam afastar esse rótulo dizendo, por exemplo, que não sabiam ler nem escrever, mas que eram capazes de fazer muitas coisas, como pegar um ônibus ou recordar fatos com facilidade”, conta a educadora. No meio do ano o status dessas pessoas havia mudado. “Todos já não se consideravam analfabetos e haviam incorporado o papel de estudante.” Contudo, ao se referirem ao passado, a maioria deles admitiu ter sido analfabeta – uma prova de que o estigma, apesar das tentativas de afastá-lo, estava lá.

Segundo a pedagoga, esses adultos chegam à escola com uma auto-estima muito baixa, sentindo-se culpados por sua própria situação – uma herança dos valores da sociedade, que tende a considerar o adulto analfabeto como “incapaz” e a alfabetização como “coisa de criança”. Esse “peso” é tão grande que faz da capacidade de escrever o próprio nome algo de muita importância para essas pessoas. “Para muitas delas, o analfabetismo acaba quando aprendem a escrever o próprio nome e já não precisam sofrer o julgamento de alguém que antes as via, por exemplo, colocar a impressão digital num documento em vez da assinatura.”

Maria de Lurdes informa que cerca de dois terços dos adultos precisam de um ano e meio para se alfabetizarem. “É um tempo razoável, considerando-se que essas pessoas chegam à escola sentindo-se culpadas e com a idéia de que ‘adulto não aprende'”, afirma. A pesquisadora cita o exemplo de uma aluna de 55 anos: enquanto estava na etapa de alfabetização, ela dizia que não conseguia aprender o conteúdo, que ‘não entrava na cabeça’. Ao passar para a primeira série, entretanto, seu discurso mudou. “Ela passou a admitir que o adulto pode, sim, aprender e seguir adiante.”

E esse processo de aprendizagem, salienta a educadora, implica numa “nova apropriação do mundo”. “A empregada doméstica, por exemplo, que antes não saía de casa ou tinha seus relacionamentos restritos a alguns parentes, passa a ter um novo grupo de amigos, a freqüentar outros lugares na cidade – ela passa a se relacionar com o ambiente de uma nova maneira.”

Fonte: [url=http://www.usp.br/agenciausp/repgs/2006/pags/104.htm]http://www.usp.br[/url]

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