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Ter ansiedade é saudável?

O conhece-te a ti mesmo, é um apelo que ecoa através dos séculos desde a Grécia Antiga, mas poucos estão aptos a fazerem juízo dessa imperiosa necessidade gerando graus diversos de adoecimento.

Neste texto trataremos especialmente de um sentimento muito comum e que tem função de alerta, contribui para que a pessoa fique atenta a um perigo e assim, possa tomar medidas necessárias de precaução: a Ansiedade. A ansiedade normal é uma sensação difusa e desagradável, que vem acompanhada por sensações físicas, como: palpitações, sudorese, cefaléia, falta de ar, tremores, entre outros. Entretanto em algumas pessoas esse função parece exceder sua utilidade. É o que começou a ser considerado como distúrbios de ansiedade.

Freud em 1895 escreve sobre a “neurose de ansiedade” e identificou duas delas: a 1ª era um sentimento difuso de medo que surgia a partir de um desejo ou pensamento, tratável através da psicoterapia; e a 2ª um sentimento aterrorizante de pânico, acompanhado de descargas orgânicas e sentimento subjetivo de um terror tão intenso que muitas vezes chegava a sensação de morte. Dentro dos quadros de ansiedade, ele classificou essa última
de “Neurose Atual”, que hoje é conhecida como“Síndrome de Pânico”.

Na atual literatura psiquiátrica a Síndrome ou Transtorno de Pânico é assim classificado quando se encontram presentes fisiologicamente os seguintes sintomas: falta de ar, tontura, suores, tremores e taquicardia, além da sensação iminente de morte. Invariavelmente, as pessoas que são acometidas destes acabam por desenvolver agorafobia, que é o medo de ficar preso num local com dificuldades de fuga.

Esses sintomas encontram atualmente manifestações físicas que vêm sendo pesquisadas nas investigações neurobiológicas e têm confirmado as suspeitas de Freud quanto a determinação psicólogica em uma, e biológica na segunda. Esta última tem sido alvo da indústria farmacêutica. Porém, a ministração de fármaco isoladamente, não têm sido capaz de interromper o descontrole fisiológico, restituindo plenamente à saúde. Na medida que a doença encontra representante psíquico e emocional daquela vivência, a compreensão do momento que surge o pânico tem sua subjetivação acionada e clama por intervenção, também nessa ordem. E é desse ponto de vista que pretendemos abordar o presente tema. Já que o tratamento mais eficiente que se tem observado é o que combina intervenção medicamentosa, com psicoterápica.

Quando nos defrontamos com uma situação específica de medo temos um objeto que induz a esse sentimento, o corpo se prepara para a reação, e tão prontamente o objeto assustador sai de cena, o corpo está apto a voltar a seu funcionamento normal. No pânico não há objeto circunscrito, o que nos induz ao primeiro alerta de cuidado, ao mesmo tempo dá indícios de que o “objeto” que apavora é interno e evanescente, e por isso difícil de ser apreendido. Gerando uma idéia ampla de insegurança e um medo pavoroso de que aquilo volte a acontecer, é o que resta à memória. Uma vivência que não passa de meia hora de duração, tendo atingido seu ápice no máximo em dez minutos.

A sensação é como se a pessoa perdesse completamente o controle de si mesma e seu corpo tivesse se tornado um mecanismo de sensações perigosas que arriscam invadir e se apoderar de sua consciência, ou falir completamente. Partindo do pressuposto que o “eu” é a instância onde cada um de nós se reconhece, e é formado pela representação dos objetos (uma relação, outro ser humano, uma coisa, uma fala, uma música…) enfim, o “eu” é a imagem dos objetos refletidos nele. Para a constituição do “eu” é imprescindível o outro, o que Freud denominou narcisismo secundário, e Lacan a imagem no espelho.

A ansiedade extremada então, é sentida pelo “eu” como uma ameaça proveniente do inconsciente. Nesse momento podemos refletir que o “eu” que se constituiu no ser humano e adoece sucumbe no momento de crise, deixando esse sujeito à mercê do objeto (isto é de suas representações inconscientes), sem intermediação do “eu”. É como se toda a especularidade do “eu” que o mantém incólume a ataques internos e externos se esvaísse e o “eu” fosse ser pulverizado, daí a sensação iminente de morte, e toda a sintomatologia que se desencadeia na crise.

Invariavelmente, quando pessoas em tratamento procuram relacionar acontecimentos recentes que possam de alguma forma ter sido gerador da crise, num primeiro instante, elas dificilmente têm clareza sobre tal. Acreditando que seria algo extraordinário o fator desencadeante das crises, não conseguem chegar a lugar nenhum. Todavia, ao longo do tratamento, o que se evidencia são lembranças de abandono e/ou separações dolorosas, que de tão próximas da dor acabam por não serem permitidas de serem lembradas, as vezes até algo considerado banal ou já superado.

Com o passar do tempo, surge à memória vivências (acontecimentos, comportamentos e/ou pensamentos) que remetem o sujeito a um “traço único”, a viagem da mãe em tenra idade, a ameaça de viagem do marido, a sua própria viagem para tratamento de saúde, enfim vivências únicas que se repetem ao longo da vida, e que àquele/a que não tem um auto-conhecimento satisfatório, está longe de poder perceber o quanto de si está representado nesse traço. Ausente de si, tendo como possibilidades perdas, separações ou abandonos, é através do(s) sintomas(s) que sua singularidade surge, pois de outra forma esse ser humano ainda não é capaz de ser.

Cuidar de si, conhecendo-se, amando-se e amando o outro parece ser o único meio de melhora que se evidencia no tratamento de todo e qualquer sofrimento psíquico.

O ser humano, para conhecer-se prescinde da relação de Amor com seu próximo, pois é através do outro, do que é capaz de doar-se, de olhar-se, de ver-se refletido sem se perder nas águas do lago (como Narciso) que o ser humano encontra saída para viver. Trazendo para dentro de si toda proteção que necessita, e interagindo com o outro como seu igual, fortalecendo-se em sua fé, e superando as separações ou dolorosas perdas que assim, um dia foram vivenciadas, deixando tão profundo rastro de dor.

Bibliografia:
Gabbard, Glenn – Psiquiatria Psicodinâmica na Prática Clínica – Artes Médicas, 1992, Porto Alegre;
Freud, S. _-Vol.II – Estudos Sobre a Histeria (1893-1895)
Nasio, Juan David – Lições sobre os 7 Conceitos Cruciais da Psicanálise – 2ª edição, Jorge Zahar Editor, 1991, Rio de Janeiro;
Nunes, Portella; Bueno, Romildo; Nardi – Psiquiatria e Saúde Mental – Atheneu, 1996, São Paulo – Rio de Janeiro – Belo Horizonte

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