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Sob a Lente da Psicanálise – Parte II

Como uma segunda parte, estou enfocando um dos pilares que compõe o tripé da formação analítica, a saber: a Supervisão.

Conforme havia prometido ao final do meu primeiro artigo: "A psicanálise sob a lente da própria", passarei agora a tecer algumas considerações sobre algo de extrema importância, o qual constitui um dos pontos do tripé da formação analítica, a saber: a supervisão. Muitos são os que supervisionam, mas aqui também estamos muito longe de alcançarmos um denominador comum.

Pensei que talvez fosse importante dar início a este artigo, relatando sucintamente uma situação de supervisão, onde eu era o supervisionando. O material que eu levei para supervisão era referente a uma primeira entrevista que eu havia realizado com uma moça de uns trinta e cinco anos, dentista e que trabalhava com especialização em endodontia (tratamento de canais). Havia cursado uma excelente faculdade, tendo sido sempre uma ótima aluna.

O motivo da consulta, segundo ela, era porque desde o marido, passando pelos pais dele e dela, achavam que ela deveria se tratar. Quando perguntei baseado em quê eles diziam isso, referiu-se a uma enorme labilidade afetiva, a qual se manifestava aparentemente do nada e que fazia com que ela chorasse compulsivamente. Esse choro era tão intenso que já estava começando a atrapalhar a sua atividade profissional. Se imaginarmos que para praticar a endodontia, ela teria que ter uma motricidade fina bastante preservada, concentração da atenção, além de boas condições de visão.

Assim, por várias vezes, quando estava com o cliente na cadeira, "do nada" começava a chorar, o que lhe embaralhava a visão, além, é claro de ficar uma situação extremamente constrangedora em relação ao paciente.

Escutei-a por mais de uma hora (em se tratando de entrevistas, tenho por hábito, deixar um tempo mais flexível, até para o meu próprio conforto), e, em seu relato, falou várias vezes que não sabia por que tinha que estar ali. Que na verdade, tinha vindo por não estar mais agüentando o marido e os outros familiares insistirem para que ela viesse se tratar. Essa temática, aparentemente antagônica, permeou essa primeira entrevista por todo o tempo.

Quando nos aproximamos do final do tempo, que eu havia reservado para estar com ela, eu lhe disse que, embora eu a tivesse ouvido por quase uma hora, ao olhar para ela, eu conseguia ver a demanda de uma série de pessoas para que ela se tratasse, mas que por mais esforço que eu fizesse, eu não conseguia notar um mínimo de implicação dela nessa demanda de análise. Além disso, disse-lhe também que embora eu achasse que ela tinha relatado motivos mais do que suficientes para darmos início a uma análise, se eu lhe sugerisse que assim fosse, estaria engrossando a fila dos que lhe atormentavam para que ela se analisasse.

Sugeri que ela fosse embora e que eu ficaria à sua disposição, caso ela encontrasse em si mesma, algo que lhe servisse de justificativa para estar comigo. Entendi que essa havia sido a melhor conduta que eu podia tomar frente àquele estado de coisas.

No dia e hora marcados, compareci à minha supervisão. Tratava-se de uma supervisora que me acompanhava já há algum tempo, e que, portanto, sabia a minha forma de trabalhar. Mantínhamos, além de uma relação profissional, uma relação de cordialidade e respeito mútuos.

Começou ouvindo o meu relato com a atenção que lhe era peculiar, mas quando falei do choro compulsivo e da minha conduta ao final da entrevista, demonstrou um extremo ar de desaprovação, me dizendo inclusive, que eu ao chegar em meu consultório, "teria" que ligar para a pessoa em questão e lhe propor uma segunda entrevista, uma vez que ela estava muito mal.

Em nenhum momento sequer me escapou o fato dela estar muito mal, contudo eu estava convicto da posição que eu havia tomado, e entendendo que essa posição teria sido a melhor para a pessoa. Percebi que a supervisão tinha se tornado um "cabo de guerra", onde ela supostamente investida de um saber maior, teria assumido em relação a mim, uma postura quase pedagógica, mas uma forma de pedagogia de "linha dura". Em nenhum momento senti uma abertura para tentar entender o que eu havia pensado e sentido, tendo ao contrário, assumido a posição autoritária de quem diz: "cumpra-se"!

Quando adentrei o consultório dessa supervisora, jamais poderia imaginar que aquela seria a minha última supervisão com ela. Deixei-lhe muito claro, que não era daquela forma que eu entendia um processo de supervisão, e que eu me manteria na posição de aguardar um eventual telefonema daquela pessoa, o que infelizmente não ocorreu. Ainda assim, penso que se fosse hoje, eu teria feito da mesma maneira.

Após ter referido este exemplo vivenciado por mim, quero declarar que na supervisão que eu havia feito antes dessa, a supervisora focava absolutamente o discurso do paciente, ficando para mim a impressão, a qual acredito corresponder à verdade, que falasse eu o que falasse, dava quase na mesma, isso para não dizer totalmente na mesma. Sabemos que não é o sim ou mesmo o não do paciente que se transforma num critério de validação de uma interpretação, mas sim o material trazido antes e depois da mesma. Portanto, o que vem depois de uma interpretação estará mediatizado necessariamente pela mesma.

Penso que agora seria interessante, até para contextualizar tudo o que foi dito, determo-nos um pouco quanto aos "Aspectos teóricos da supervisão". Para isso, estarei acompanhando León Grinberg e de sua obra "A supervisão Psicanalítica – Teoria e Prática" (Imago editora).

Numa revisão histórica nos conta Grinberg, "Nos primórdios do funcionamento dos institutos psicanalíticos, os analistas didatas eram mais clínicos do que educadores, por isso costumavam ocupar-se muito mais do paciente do que do estudante, contudo exigiam muito deste último".

Sabemos que Balint criticou esse sistema de ensino, denominando-o de "treinamento superegóico". Vale a pena citar a controvérsia criada pelo "sistema húngaro", defendido por Kovacs e apresentado em 1935, na Conferência dos Quatro Países. A filosofia desse sistema baseava-se na conveniência de que o próprio analista atuasse como supervisor. No intuito de apresentar uma idéia panorâmica do processo de supervisão, Grinberg retoma as observações de Fleming e Benedek, os quais postulam três períodos.

No primeiro período, sugerem os três seguintes aspectos:

1)escutar com atenção flutuante (o eu – self -, funciona como instrumento receptivo, perceptivo e com função sintética).

2)aprender a inferir interpretações do significado latente, mas ainda sem formulá-las.

3)aprender a avaliar o grau de resistência e ansiedade do paciente e desenvolver a empatia com o estudo regressivo do mesmo.

No segundo período, ressaltam dois aspectos:

4)julgar o momento e a dosagem das respostas e das intervenções.

5)captar o mais profundamente possível as reações transferenciais e contratransferenciais

No terceiro período:

6)reconhecer as linhas dinâmicas e as mudanças de sessão para sessão.

7)reconhecer a compreensão interna (insight), elaboração e possibilidade de terminação.

Podemos citar uma outra autora, aliás consagrada no meio psicanalítico, que é Arminda Aberastury. Essa autora também destaca três épocas no processo de supervisão:

1)prefere centralizar o ensino no manejo da transferência e da contratransferência.

2)ênfase aos conceitos básicos na análise de uma sessão tomada em detalhe e globalmente, destacando o desenvolvimento da capacidade de observação e de formulação de interpretações.

3)inclui a sessão com o desenvolvimento total do caso e a orientação na elaboração de um histórico.

Apenas para concluir, dois aspectos de ordem prática e técnica da supervisão:

* a) Escolha do supervisor e do supervisionado: existem institutos onde os estudantes podem escolher os analistas didatas, sendo que em outros é o instituto quem designa. Isso pode suscitar problemas se são levados em conta, certas ideologias manifestas e latentes, as quais dividem uma instituição, em SUB-GRUPOS RIVAIS.

* b) Escolha do momento do início da supervisão: alguns autores insistem em que a supervisão não deveria ter início, enquanto a análise não estivesse em vias de resolução, ou mesmo só quando a análise tivesse terminado "satisfatoriamente" (aos olhos de quem?). Existiriam ainda aqueles que defendem a simultaneidade dos dois processos.

Aqui, como no primeiro artigo-corte para ser olhado "sob a lente da psicanálise", podemos notar que a rivalidade manifesta ou mesmo velada, a fogueira das vaidades, as ideologias, muitas vezes reacionárias subjacentes à existência dos próprios institutos, nos quais existem muitas preocupações, é verdade. Mas será que essas se encontram concentradas na transmissão possível da psicanálise, ou, antes de tudo de um encontro humano?

Foram várias as vezes onde o próprio Freud declarou que haveria três profissões impossíveis, a saber: analisar, educar e governar. Notem que naqueles institutos onde se propõe que o analista seja também supervisor, a imagem que me ocorre é a do SUPER-HOMEM, com o seu "S" gravado no peito, uma vez que conseguiria realizar duas das profissões impossíveis, simultaneamente. Imaginem que se esse homem chegasse à presidência do instituto, a tríade da impossibilidade teria sido superada!!!

E, depois nos dizem que os "loucos" são os outros. Espero ter trazido um tema de substancial importância e que este artigo dê lugar a reflexões com um teor de maior sanidade mental.

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