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Transtornos Alimentares e Padrão de Beleza

Com a morte da modelo Carolina Reston no último dia 14/11, os distúrbios alimentares, especialmente a Anorexia, voltaram a ser assunto na mídia.

Porém, esse é um assunto que deveria estar sempre em pauta, principalmente porque sabemos que 10% dos pacientes com esse problema morrem no mundo todo.

As mulheres são as mais afetadas pela Anorexia (95% são mulheres). A faixa etária mais atingida está entre 14 e 18 anos. Não é à toa! Por mais que se diga o contrário, a sociedade impõe sim um padrão de beleza único às mulheres. E as exigências não ficam apenas no aspecto estético. Exige-se cada vez mais das mulheres o cumprimento de uma jornada dupla, às vezes tripla, para fazerem jus à “independência” conquistada no século XX.

Para as jovens, a imagem é a das meninas que começam a trabalhar cedo como modelos. Nas passarelas o padrão de beleza é irreal (jovens esquálidas e altas) e nas revistas a imagem é a da perfeição (infelizmente, ninguém percebe que o photoshop faz um bom trabalho na grande maioria dos casos).

Para as mais maduras, o estigma da mulher moderna é o daquela que dá conta de tudo (trabalho, marido, filhos, academia, clínicas de estética, cabeleireiro e um curso de atualização, claro, porque o mercado de trabalho exige).

Na propaganda, seja qual for o produto, a mulher é vista magra, linda, exuberante. Sentir-se fora deste padrão de beleza imposto é como viver em outro planeta e ser um “ET” no meio do demais! A todo o momento somos bombardeados por informações sobre produtos de beleza e emagrecimentos. E na última semana sobre a Anorexia Nervosa, distúrbio alimentar considerado o que mais mata no mundo moderno.

Não é de hoje que o padrão de beleza é assim: é só lembrar da modelo magérrima Twiggy, que nos anos 60 despontou como a primeira top model do mundo. Twig em inglês significa graveto. Ela própria sofreu de transtornos alimentares.

Com o passar dos anos, o padrão mudou drasticamente: nos anos 80 e início dos 90, as top models que faziam sucesso, como por exemplo, Cindy Crawford, tinham medidas menos conservadoras do que as atuais. Cindy pesava 57 quilos para 1,77 metros de altura. As modelos mais famosas hoje, como Gisele Bündchen e Ana Beatriz Barros, pesam 52 quilos e medem cerca de 1,80 metros.

Gisele é um ponto fora da curva, pois apesar das medidas enxutas, transpira saúde. Pena que as jovens se inspiram nessa imagem, mas procuram emagrecer de forma nada saudável.

Na internet, chovem blogs e comunidades no orkut que falam de “Ana” e “Mia” (os apelidos carinhosos que as jovens dão para a Anorexia e a Bulimia). Não se definem como doentes, mas como praticantes de um “estilo de vida”. Vale lembrar que uma das características da Anorexia e da Bulimia é a não aceitação do problema.

A internet, nesse caso é a principal “válvula de escape” dessas meninas, pois encontram com quem dividir suas dúvidas e até trocar dicas de como esconder dos pais seus problemas.

A Anorexia não é tão difícil assim de detectar. Os pais devem estar atentos para alguns sinais importantes: peso muito abaixo do ideal (18,5 é o IMC(*) – Índice de Massa Corpórea – considerado normal pela Organização Mundial de Saúde), imagem distorcida de si mesma (as jovens, por mais magras que estejam, continuam se achando gordas), dietas extremamente restritivas, que elas chamam de Low Food (pouca comida) ou até mesmo No Food (nenhuma comida), dizem que nunca estão com fome e dificilmente sentam-se para comer com a família nas principais refeições, comem muito devagar e picam os alimentos, contando as calorias dos alimentos o tempo todo. Seus assuntos principais são alimentação e dietas e fazem muitos exercícios físicos, às vezes durante a madrugada.

O melhor nesse caso é procurar tratamento, mas também oferecer muito carinho. Um não funciona sem o outro, principalmente porque a auto-estima dessas jovens é muito abalada e elas encontram-se muito fragilizadas. Em função do transtorno alimentar e da “fuga” de situações sociais que implicam em comida, isolam-se dos amigos, da família e buscam apoio nas amigas virtuais para continuarem com seus rituais de emagrecimento.

A “Carta da Ana”, encontrada em diversos blogs sobre o assunto, mostra a mensagem da Anorexia para a jovem:

Querida Leitora,

Permita me apresentar. Meu nome, ou como sou chamada, pelos também chamados ‘doutores’ é Anorexia. Anorexia Nervosa é meu nome completo, mas você pode me chamar de Ana. Felizmente nós podemos nos tornar grandes parceiras. No decorrer do tempo, eu vou investir muito tempo em você, e eu espero o mesmo de você.

No passado você ouviu seus professores e seus pais falarem sobre você. Diziam que você era tão madura, inteligente, e que você tem tanto potencial. E eu pergunto, aonde tudo isso foi parar?

Absolutamente em lugar algum! Você não é perfeita, você não tenta o bastante! Você perde muito tempo pensando e falando com amigos! Logo, esses atos não serão mais permitidos.

(…)

Eu sou injusta? Eu faço coisas que apenas vão te ajudar! Eu vou fazer que seja possível parar de pensar em emoções que te causam stress. Pensamentos de raiva, tristeza, desespero e solidão podem ser anulados, pois eu vou tirar eles de você, e encher sua cabeça com contas metabólicas de calorias. Vou te tirar a vontade de sair com pessoas de sua idade, e tentar agradar todos eles. Pois agora eu sou sua única amiga, eu sou a única que você precisa agradar!

Mas nós não podemos contar a ninguém. Se você decidir o contrário, e contar como eu te faço viver, todo o inferno vai voltar! Ninguém pode descobrir, ninguém pode quebrar esta concha que eu tenho construído com você! Eu criei você, magra, perfeita, minha criança lutadora! Você é minha, e só minha! Sem mim, você é nada! Então, não me contrarie.

Quando outras pessoas comentarem, ignore os! Esqueça deles, esqueça, pois todos querem me fazer ir embora. Eu sou seu melhor apoio, e pretendo continuar assim.

Com sinceridade.
Ana

A “Carta da Ana” entristece. Mas também entristece ler os outros desabafos escritos nas comunidades e blogs. Algumas dizem: “por que querem que eu coma se nas capas das revistas de moda não existem modelos ou atrizes acima do peso?” ou “por que nas lojas as roupas legais vão do manequim número 36 ao 42, em sua maioria?”.

Dá para dizer que elas estão 100% erradas? Infelizmente não! A mídia e a sociedade influenciam e muito nesse padrão extremo de beleza que elas buscam atingir.

Neste ano, os organizadores de um evento de moda na Espanha causaram polêmica ao proibirem de desfilar modelos muito abaixo do peso. Uma medida como esta, apesar de radical, é um indício de que os distúrbios alimentares estão presentes e assustam. No entanto, outros eventos mais badalados não seguiram o mesmo exemplo. Basta um caso como o da modelo Carolina vir à tona para que a mídia chame a atenção para um problema que ela mesma cria.

Quando algum estilista resolve desafiar esses padrões, é para causar impacto, mas o fato vira piada, como no caso do desfile de Jean Paul Galtier que colocou uma modelo gorda na passarela.

Isso é protesto, claro! Mas não precisa ser assim. Basta que as agências de modelo diminuam a rigidez na seleção das modelos, ou que os estilistas produzam peças para pessoas com corpos normais. Basta que as revistas de fofoca parem de mostrar como “bomba” o fato de determinada atriz ou cantora ter engordado após a gravidez. Ela também é um ser humano! Ou que as revistas de moda e beleza mostrem as pessoas como elas são. Esteticamente ruim, como é a justificativa mais ouvida após uma sugestão como esta? Não, é apenas um alerta. Um cuidado para que as jovens não sejam tão rígidas e não exijam de si mesmas um corpo “perfeito”. Até por que, afinal, o que é ter um corpo perfeito? Dá para considerar perfeito um corpo composto apenas de “pele e osso”?

Os transtornos alimentares existem e levam sim as pessoas à morte. Por isso, antes que seja tarde, é necessário mudar esse padrão distorcido. Além disso, é importante que os pais percebam os sinais em seus filhos e procurem um psiquiatra ou um psicólogo. Dá para reverter esse quadro e colocar uma figura melhor na moldura.

(*) O IMC é calculado pelo peso (em quilos) dividido pela altura (em metros) ao quadrado. Por exemplo, alguém que pese 50 kg e tenha 1,50 de altura tem o IMC de 22,2.

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