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Ensaio sobre o sujeito na psicose: lacan com Artaud

A questão que se coloca em varias discussões relativo ao estatuto do sujeito ou da existência deste na psicose no campo da psicanálise lacaniana, parece-nos, antes de tudo, uma problemática de extrema importância para se pensar à proposta de um tratamento para este tipo de “estrutura clínica”, ou até, mais importante em nossa opinião, a condição de uma possibilidade, não da ética do desejo, mas da ética da alteridade, ou melhor, da diferença. Pois bem, através deste questionamento, propomos uma discussão concernente ao estatuto do sujeito em Lacan (1966/1998), a partir da leitura crítica deste conceito, efetuando aquilo que podemos chamar de uma leitura enviesada pela obra de Antonin Artaud (1948), na medida em que este propõe a conceitualização deste estatuto (status) de uma maneira diferente da abordada por Lacan (1998), porém, comecemos por elucidar o conceito do sujeito lacaniano.

Tomemos, principalmente, conceitualização proposta por Lacan(1966/1998) naquilo que se refere ao seu seminário sobre os quatros conceitos fundamentais da psicanálise (1981), como também em seu escrito a posição do inconsciente(1998), que em nossa opinião, nos oferece uma contribuição fundamental para pensarmos o conceito de sujeito.

É um efeito de linguagem, diz Lacan(1966/1998), ao propor a causa do conceito de sujeito do inconsciente no qual se opera através do discurso do Outro, tesouro dos significantes. O inconsciente é a soma dos efeitos da fala do Outro, enquanto estrutura da linguagem, ou seja, o sujeito só se constitui através do campo do Outro que o nomeia, é a partir do corpo do Outro que o corpo alheio se constitui, se produz e se grava. Nota-se, então, que a produção do sujeito está intimamente vinculada a um processo dialético entre o sujeito e o Outro. o inconsciente será o meio de campo cortado deste termos, ou seja, é o corte operado entre o sujeito e Outro.

Dito essas considerações propedêuticas, o sujeito, para que seja representado, deve-se constituir por dois processos: o primeiro diz da alienação no campo do Outro, o segundo está relacionado à separação na medida em que o sujeito ao se deparar com a falta no Outro, encontrará seu desejo enquanto desejo do Outro. O sujeito é alienado enquanto objeto imaginário do Outro-todo, objeto do gozo do Outro, decerto o sujeito só se constitui pela perda deste ser o objeto a, de outro modo, o sujeito é sempre falta-a-ser. O penso, logo existo é subvertido pelo sou “onde não penso, sou logo não penso”(LACAN, 2001/2003) .

É no confronto com a falta no Outro que o sujeito proclamará ali a vinda da metáfora paterna, no ensejo que este possibilita jogar lá onde existe a falta de significante, o real, com o significante da falta, significante primordial, o significante do falo, permitindo ao sujeito sua orientação na partilha dos sexos, seu engendramento no campo do desejo e da cultura. Existe uma duplicação da falta, a primeira, cronologicamente, vale salientar, é real, a segunda ex-siste e consiste no simbólico, na linguagem. O sujeito é um efeito de significação operacionalizado pela metáfora paterna. Lacan(1964/1981) dirá que o sujeito da psicanálise é o sujeito cartesiano, de outro modo, é enquanto pensamento que este se representa: o significante representa o sujeito para outro significante. É nesta relação binária (S-$-S) que o sujeito aparece sempre como falta-a-ser, pelo motivo de que o objeto é elidido da cadeia significante, abrindo uma falta nesta, uma não relação entre significante e significado.
Trazendo estas questões para o campo da psicose, partiremos através de uma suposta tentativa para se pesar o conceito de sujeito na psicose.

Uma das principais contribuições de Lacan(1966/1998) para se pensar o campo da psicose é o conceito de foraclusão do nome-do-pai. Como foi elucidada anteriormente, a metáfora paterna possibilita a metaforização do desejo do Outro, e, por conseguinte, o abandono da posição de objeto, que é perdido, advindo enquanto sujeito cartesiano, enquanto corte. Esta metaforização, na psicose, não se constitui, retornando, então, no real como delírios. Certamente, em Lacan, o sujeito só é constituído pelo corte entre ele e o Outro, decerto, sempre é dividido e barrado pelo significante, resultando, então, que o campo das psicoses o sujeito é não existente já que ele não é barrado pela linguagem, e o significante que representa o sujeito não vem no lugar o objeto perdido.
A partir destas referencias é que a leitura de Antonin Artaud nos cai como uma luva na medida que esta nos oferece uma outra maneira de pensar o estatuto das psicoses, citemos, então, um trecho de seu livro “Para acabar com o julgamento de Deus”(1948):
Onde cheira a merda cheira a ser
O homem podia muito bem não cagar,
Não abrir a bolsa anal
Mas preferiu cagar,
Assim como preferiu viver
em vês de aceitar viver morto
Pois para não fazer cocô
teria que consentir em
não ser
mas ele não foi capaz de se decidir a perder o ser,
ou seja, a morrer vivo(ARTAUD, p. 151, 1948).

Enquanto Lacan pensa o campo do sujeito enquanto falta-a-ser, de forma antitética, Artaud nos legará a hipótese seguinte: o sujeito é o lugar do não-ser, como é mostrado em sua poesia “A Busca da Fecalidade”. O psicótico é aquele que decidiu estraçalhar com o ser, ou com a possibilidade de sê-lo. Porém, afirmar isto não responde a questão da existência do sujeito e de uma suposta estrutura. Como hipótese de referencia propomos o seguinte: o sujeito lacaniano é fundado pelo significante do Falo que o centraliza, coordenando o a partilha dos sexos, ou seja, é possuidor de uma referencia no pensamento, uma referencia fálica, ou como Lacan (2001/2003) se expressa “tornar-se-ser-para-o-sexo”. Para Artaud(1948) a Psicose não pode ser pensada pela linguagem, por um centro referencial, muito pelo contrario, diz ele, mas sim com por uma multiplicidade que não se deixa apreender por nenhuma dialética entre o sujeito e o Outro.
Por fim, pode-se dizer que: enquanto para Lacan(2001/2003) o Psicótico é refém do Outro, está sempre na posição de objeto do gozo do Outro, como, por exemplo, o delírio de perseguição premente na paranóia; para Artaud(1948) o louco não é objeto, mas sim um sujeito operador de transformações relativas ao cerne da realidade, constituído por um sofrimento exterior, que o força a mudar a sociedade a subvertê-la.

Concluindo, se nos orientarmos pela leitura artaudiana, a ética de um tratamento investido ao psicótico, ou louco, deve ser, certamente, criticada, na medida em que o tratamento deveria ser imposto à própria sociedade como forma de promover sua própria crítica visando à transformação desta.

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