Os sentimentos são, em certo sentido, a marca distintiva do objeto de estudo do psicólogo e, em especial, do psicólogo clínico. A literatura sobre psicoterapia nas mais diversas abordagens, incluindo a psicanálise, o psicodrama, a psicoterapia cognitiva, a daseinsanálise, a gestalt-terapia, entre outras, é enfática no que diz respeito ao papel fundamental que os sentimentos exercem no trabalho terapêutico. Entretanto, para muitos psicólogos e estudantes de psicologia, o papel dos sentimentos na terapia comportamental parece não ser claro, uma vez que ainda é muito comum ouvir que as emoções não são consideradas pelos behavioristas, o que é um grande equívoco. Por isso, o objetivo deste texto é explicitar o lugar dos sentimentos na filosofia do behaviorismo radical e na terapia analítico-comportamental.
O Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento foram vistos ao longo da história, algumas vezes por mera ausência de informação e outras por severa desinformação, como um sistema psicológico com filosofia, conceitos, métodos e práticas absolutamente diferentes da proposta original de Skinner.
Com efeito, este autor aponta, na introdução de seu livro [i]Sobre o Behaviorismo[/i], vinte afirmações errôneas acerca da psicologia comportamental. Notavelmente, a primeira delas é “o Behaviorismo ignora a consciência, os sentimentos e os estados mentais” (SKINNER, 1974/1995, p. 7).
A afirmação supracitada talvez seja proveniente de uma confusão conceitual entre o Behaviorismo Metodológico, fundado por John B. Watson, e o Behaviorismo Radical, de B.F. Skinner. A proposta de Watson era estudar somente o comportamento publicamente observável, ignorando, por exemplo, a consciência e os sentimentos. Skinner, por outro lado, rejeita esta concepção e propõe que [i]todo[/i] comportamento, aberto ou encoberto, deva ser objeto de estudo. Assim, apesar das respostas encobertas (por exemplo, as manifestações corporais correspondentes a um sentimento) possuírem acessibilidade limitada (pois são diretamente acessíveis apenas pelo organismo que as experiencia), elas não deixam de ser, de forma alguma, objeto de investigação. É importante observar que, embora os sentimentos sejam inacessíveis a observadores externos porque estes não estão em contato com aquele ambiente, isto não significa que os comportamentos encobertos possuam qualquer natureza especial, isto é, eles não são entidades mentais abstratas (MATOS, 2001).
Na medida em que apenas o sujeito que sente é capaz de observar seu sentimento, uma questão que se coloca é: como o terapeuta tem acesso ao que o seu cliente/paciente sente? O acesso aos sentimentos na terapia analítico-comportamental, entendida como a aplicação dos princípios da Análise do Comportamento na situação clínica, ocorre através do relato verbal do cliente/paciente para seu terapeuta e de comportamentos públicos não-verbais correlatos aos sentimentos, como, por exemplo, o enrubescimento provocado por um assunto delicado.
Contudo, é importante observar que o cliente/paciente será capaz de falar somente sobre aquilo que [i]aprendeu[/i] a sentir e a descrever, aprendizado este que ocorreu através de contingências organizadas pela comunidade em que ele está inserido. Em poucas palavras, discriminar e relatar aquilo que se sente são comportamentos aprendidos na vida em sociedade. (SKINNER, 1953/2003; SKINNER, 1974/1995).
Segundo Skinner, as reais causas do comportamento provêm das contingências de reforçamento e não dos eventos internos, como os sentimentos. Por exemplo, é muito comum o cliente/paciente dizer para o terapueta que bateu [i]porque[/i] estava com raiva ou que chorou [i]porque[/i] estava triste. Segundo a Análise do Comportamento, esta noção de causalidade é equivocada e, provavelmente, o sentimento costuma ser compreendido como a causa do comportamento porque ambos são temporalmente muito próximos. Na verdade, eu não choro [i]porque[/i] estou triste, mas eu fico triste e choro [i]ao mesmo tempo[/i], devido à certas contingências de reforçamento, ou seja, porque algo aconteceu (SKINNER, 1989/2005).
Neste sentido, Skinner, em diversos momentos de sua obra, aponta uma correlação entre os sentimentos e os diversos tipos de contingências em vigor. Portanto, os sentimentos não são oriundos de uma vida mental, mas são subprodutos das contingências de reforçamento, sendo que mudanças nestas contingências alteram aquilo que o indivíduo sente (SKINNER, 1989/2005). Em poucas palavras, os sentimentos são estados corporais, como alterações no ritmo cardíaco, na pressão sanguínea e na frequência respiratória, produtos da interação que ocorre entre a pessoa e o mundo.
Com isto, podemos perceber que os sentimentos são fundamentais em uma intervenção psicológica com base analítico-comportamental, uma vez que fornecem informações preciosas sobre as contingências de reforçamento às quais o cliente/paciente está submetido. Conseqüentemente, a tentativa de mudar padrões de sentimentos no ambiente clínico é estéril, uma vez que eles são subprodutos das interações do organismo com o mundo. Desta forma, como já mencionado, somente mudanças na relação do indivíduo com o ambiente podem alterar seus sentimentos.
Em conclusão, o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento asseveram que os sentimentos são respostas encobertas que, apesar de não serem publicamente observáveis, são fundamentais para a compreensão do homem. Nas palavras de Skinner, “como as pessoas se sentem é frequentemente tão importante quanto o que elas fazem” (SKINNER, 1989/2005, p. 13).
Referências:
MATOS, M.A. (2001). O Behaviorismo Metodológico e suas relações com o mentalismo e o Behaviorismo Radical. In: BANACO, R.A. (org.). Sobre comportamento e cognição, v. 1. Santo André: ESETec.
SKINNER, B.F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.
SKINNER, B.F. (1974/1995). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.
SKINNER, B.F. (1989/2005). Questões recentes na análise comportamental. São Paulo: Papirus.
* Agradeço à Profa Dra Maria Martha Costa Hübner pelas sugestões e revisão deste texto.