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Psicodinâmica Familiar e Escolha Profissional.

A família sempre teve um importante papel por sua função socializadora. Portanto, devemos considerar que a forma como os pais dão significado aos elementos da vida ocupacional sempre estará incluída no universo de representações do filho. Os pais, em geral, têm opiniões sobre o que seria mais ou menos desejável para seu filho e também uma certa visão sobre o que ele poderia fazer bem. Mesmo aquele que diz “o importante é ele ser feliz” possui uma visão mais precisa sobre o que seria melhor para o filho, ainda que subentendida nesse conceito de felicidade. É importante que tais fantasias se explicitem, já que estarão em jogo de qualquer modo.

Os pais preocupam-se com um futuro bem-sucedido e com um trabalho adequadamente remunerado para seu filho. São unânimes em afirmar que é preciso ter um bom salário e estar ativo no mercado de trabalho. Desemprego e salários muito baixos surgem sempre como grandes fantasmas.

Muitos pais ainda operam com as representações tradicionais sobre o que seria uma carreira prestigiada e demonstram aberta ou camufladamente suas rejeições por carreiras que, supostamente, remuneram mal. E, usualmente, ainda consideram as profissões clássicas como as mais promissoras: Engenharia, Medicina e Direito, dentre outras. Alguns pais não percebem, então, que, no mundo atual, é possível tomar um suco na “Casa de Sucos” de um engenheiro ou receber cachorro-quente ou pipoca das mãos de um advogado, por exemplo. Apesar de, na maioria das vezes, trabalharem com critérios como: “ganhar muito dinheiro” e “profissão de prestígio”, esquecem-se de adequar estas representações ao mercado atual. Não se dão conta, portanto, de que o mundo ocupacional não pode ser rigidamente dividido entre as profissões que “dão dinheiro” e as que “não dão dinheiro”. Atualmente, boas e más colocações distribuem-se pelas diversas áreas de trabalho.

Observa-se, com isso, que a Orientação Profissional, ao focalizar a vida ocupacional de um indivíduo, estará se inserindo no universo de representações do cliente e de seu grupo familiar sobre o mundo do trabalho e, dentro disso, também em sua visão mais geral de mundo em seu modo de dar sentido à vida.

A escolha profissional pode, ainda, estar enlaçada em conflitos e no modo de operar do grupo familiar como um todo. O jovem mantém-se, por isso, aprisionado a um tipo de escolha, onde ele mais está tentando solucionar conflitos afetivos vividos com os membros da família do que se identificando com o cotidiano do profissional que está escolhendo ser. Assim, não é possível recortar uma visão sobre o cliente de forma descontextualizada e faz-se necessário compreender suas ansiedades em referência ao grupo social (família, amigos, escola, etc.).

Muitas vezes a participação da família em entrevistas de Orientação Profissional pode ser de enorme auxílio no enfoque de determinados aspectos conflitivos, vinculados à escolha ocupacional do jovem. O momento da escolha profissional é muito importante. Embora sempre se possa alterar o rumo tomado, aquilo que o indivíduo escolher se refletirá na totalidade de sua vida. O programa de Orientação Profissional é um espaço importante de reflexão, pela amplitude e extensão que um direcionamento para uma carreira pode ter. Esse trabalho envolve um conjunto de representações mentais com o qual o estudante concebe o seu eu e o mundo ao seu redor – ou seja, com sua própria visão de mundo –, ajudando-o a ressignificar sua realidade e a planejar uma estratégia para o futuro.

Atrás de uma escolha profissional encontra-se toda uma dinâmica que envolve a relação que o indivíduo estabelece com seu passado-presente-futuro, em seus aspectos aparentes e latentes. Nesta perspectiva, o que se escolhe e o que se considera ou não ao escolher constitui o eixo da temática a ser focada na Orientação Profissional.

A Orientação Profissional deve voltar-se a este referencial: às fantasias e desejos do sujeito, à sua operacionalidade e às suas implicações na continuidade de sua vida, considerando os desejos dos pais e buscando dar voz ao desejo do jovem em questão.

A escolha profissional é um momento da vida da pessoa em que ela poderá refletir sobre tais expectativas e construir seus próprios valores que podem ou não ser coincidentes com os da família. Os pais devem explicitar suas expectativas (e não escondê-las a título de não influenciar), preferencialmente de forma não autoritária, para que o jovem tenha mais parâmetros para tomar esta importante decisão. A escolha poderá ou não respeitar as expectativas, mas o importante é que foi dado ao jovem mais elementos para pensar na sua decisão.

Às vezes os pais têm dificuldade em perceber que seus filhos crescem rumo a autonomia. O momento de escolha de uma profissão por parte de um membro mexe com toda a família. Os pais revivem e se questionam quanto à escolha que fizeram, os filhos mais jovens antecipam preocupações.

Não é agradável abandonar um curso no meio. Ninguém escolhe uma profissão para depois abandoná-la. Abandonar um curso é uma nova escolha e tão difícil quando a escolha que a antecedeu. A função dos pais, como foi dito anteriormente, é explicitar suas visões para que a própria pessoa tenha mais condições de tomar uma decisão ponderada, coerente e refletida.

Em alguns momentos, a escolha profissional, influenciada pelos dilemas familiares, poderá, mesmo, transformar-se em sintoma de grupo – expressão de ansiedades e conflitos compartilhados. Por isso, a inclusão dos pais (e/ou outros membros da família) em entrevistas com o estudante ou de atividades que promovam o pensar sobre este universo, podem auxiliar o enfoque destes processos, na Orientação Profissional de um jovem.

Sem deixar de considerar o desejo dos pais é necessário estimular a comunicação – das expectativas, dos desejos e medos – que embora seja extremamente relevante, nem sempre é possível ou fácil.
Portanto, a terapia pode então servir como um facilitador dessas expectativas não ditas e com isso contribuir para um melhor posicionamento frente à escolha profissional a ser feita.

Autora:

Tatiana Vasconcelos Cordeiro
Psicóloga Clínica CRP 05/33923
Tijuca – Praça Saens Peña – RJ
Tel: 3186-0390 / 98219460
e-mail: [email protected]
blog profissional: http://consultoriodepsicologiarj.blogspot.com/
Comunidade: www.syxt.com.br/tatipsi

Referências:

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