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Super Homem – Forte e Destemido: Um olhar Psicanalítico sobre a vigorexia

TIAGO SILVA CAMARGO

AUTORES: Tiago Silva Camargo
Lygia Vampré Humberg

RESUMO

Vivemos em uma época onde impera a vaidade.

É comum vermos adolescentes em dietas absurdas ou mesmo rapazes passando horas malhando, na busca de músculos cada vez maiores. Situações como estas revelam a importância da imagem corporal para o indivíduo.

O interesse obsessivo pelo culto ao corpo na maioria das vezes não acontece por uma opção consciente, mas desenvolve-se ao longo da vida por fixações e repressões durante as fases iniciais do desenvolvimento sexual infantil.

Este estudo discute a patologia de transtorno dismórfico corporal, VIGOREXIA, a partir da teoria Freudiana sobre o Édipo, Narcisismo, a identificação paterna, o conflito entre as instâncias psíquicas e entre as pulsões, ressaltando nestas a pulsão de morte e a compulsão à repetição. O artigo trabalha ainda a influência dos brinquedos e brincadeiras infantis na constituição da subjetividade e suas implicações psicopatológicas e sociais.

Palavras-chave : Narcisismo – Vigorexia – Músculo – Força – Compulsão

“Sim, homem sublime: Um dia serás belo e apresentarás ao espelho sua própria beleza. Então estremecerá sua alma com desejos divinos, e na tua vaidade haverá adoração! Porque eis aqui o segredo de tua alma: quando o herói a abandona, então que se aproxima em sonhos o super-herói.” (Nietzche apud Ferraz Neves, 2002:99)

INTRODUÇÃO

Nunca em outra época o corpo foi tão cultuado, tratado, comparado, usado e até mesmo descartado. É comum depararmo-nos com adolescentes que renunciam alimento em função de dietas, ou mesmo rapazes cultivando seus majestosos músculos nas inúmeras academias, cada vez mais cheias. Em ambos os casos, o fator imperativo nestes rituais é a busca pelo corpo ideal, onipotente e perfeito.

Antigamente, havia entre as pessoas um culto predominante pela alma, ou o pensamento. Segundo FERREIRA (2005), hoje, substitui-se à alma pelo corpo. A busca pela exploração deste corpo é rápida, e para ela dispomos de produtos, tecnologia e, principalmente, drogas de todos os tipos, para todos os fins.

Esta obsessão pelo corpo forte e “sarado” leva cada vez mais homens a desafiarem suas limitações, acarretando uma desordem psíquica e dismorfia muscular graves que em muitos casos os levarão à morte.
Embasados pela teoria psicanalítica, discorreremos possíveis causas para o desenvolvimento da Vigorexia, suas implicações enquanto psicopatologia e a relação do vigoréxico com seu corpo e a sociedade.

VIGOREXIA: OBSESSÃO NARCÍSICA

Assim como nas demais patologias de transtorno dismórfico, a vigorexia caracteriza-se por uma obsessão de traço narcísico, voltada de maneira abusiva para o culto ao corpo nas suas mais íntimas e fatais proporções.

Em seu texto intitulado “Sobre o Narcisismo, uma introdução” (1914), FREUD utiliza o termo Narcisista para denotar a atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado – que o contempla, vale dizer, o afaga e o acaricia até obter satisfação completa através destas atividades. Portanto, as patologias de traço narcísico são aquelas que possuem grande concentração da libido canalizada para o ego, promovendo o auto-erotismo (prazer consigo mesmo), que pode aparecer na forma de preocupações exacerbadas com o corpo e vaidade extrema.

Por ser um transtorno dismórfico, neste caso muscular, os homens que sofrem de vigorexia nunca se encontram satisfeitos com seus músculos que precisam estar cada vez maiores. De acordo com SANTOS (2005), a obsessão peça beleza física e perfeição se convertem em autênticas doenças emocionais, acompanhadas de ansiedade, depressão e baixa auto-estima,
além da dependência de anabolizantes, esteróides e suplementos alimentares.

O importante para o vigoréxico é estar dentro dos padrões de belezas determinados para nossa época. Este doloroso processo afeta não só o funcionamento normal de seu metabolismo corpóreo, mas também o seu estado psicológico, o que parece mais agravante.

Esta afirmação se justifica, uma vez que a questão psicopatológica da vigorexia está ligada não só a seus efeitos, mas principalmente à suas causas.

UM DESENVOLVIMENTO PARA VIGOREXIA

A questão da vaidade entre os homens pode parecer nova. No entanto, a vaidade masculina esteve fortemente presente em todas as épocas. Enquanto para as mulheres, a vaidade está ligada à beleza física, delicadeza, feminilidade, a vaidade masculina é voltada para força. A mulher deve ser bela, e o homem forte.

Segundo FREUD (1923), todos somos possuidores de um aparelho psíquico constituído por Id, Ego e Superego: No Id, encontramos nossos desejos mais primitivos e imediatos. Em Vocabulário de Psicanálise, LAPLANCHE e PONTALIS (1991) o definem como sendo um pólo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e inatos e, por outro, recalcados e adquiridos.

Do ponto de vista econômico, o Id é, para Freud, o reservatório inicial de energia psíquica. Do ponto de vista dinâmico, entra em conflito com o Ego e o Superego que, do ponto de
vista genético, são suas diferenciações.

O Superego é o representante de nossas censuras, adquiridas devido à sociedade, cultura, costumes, religião, história de vida. Para Freud, ele é o herdeiro do complexo de Édipo.

Em “O Ego e o Id” (1923), é mostrado que a função crítica assim designada constitui uma instância que se separou do Ego e que o domina, como o demonstram os estados de luto patológico ou melancolia em que o sujeito se vê criticar e depreciar. “Vemos como uma parte do Ego se opõe à outra, julga-o de forma crítica e, por assim dizer, toma-a como objeto”. (LAPLANCHE e PONTALIS, Vocabulário de Psicanálise, 1991).

Por fim, e não menos importante, o Ego ou EU qualifica tudo o que se refere à hipótese de que os processos psíquicos consistem na circulação e repartição de uma energia quantificável (energia pulsional), isto é, suscetível de aumento, de diminuição, de equivalências (LAPLANCHE e PONTALIS 1991).

Isto significa, que o Ego servirá de mediador, tentando encontrar uma forma equilibrada de realizar os desejos impulsivos do Id e as exigências do superego. Não é de se estranhar que Freud conota o Ego como um “pobre coitado”, diante da difícil missão de equilibrar as instâncias.

Cada uma destas instâncias mencionadas (Id, Ego e Superego) tem finalidades específicas e forças que em um dinamismo psíquico procuram fazer com que alguns de nossos desejos possam, de maneira aceitável, serem satisfeitos, além de trabalharem para evitar frustrações, expulsar o que não é aceito, representar o que nos é apresentado do mundo externo e equilibrar nossas pulsões imediatistas.

IDEAL INATINGÍVEL – A CENSURA E SEUS REFLEXOS

Ainda entre estas instâncias, encontra-se no psiquismo um parâmetro de comparação que Freud chamou de Ego Ideal. Este ideal desenvolve-se quando o indivíduo não se desvincula do narcisismo infantil, ou, como chamado por Freud, Narcisismo Primário, criando assim um ideal de onipotência, onisciência e perfeição. Todos nós possuímos um ideal, herdeiro do narcisismo primário, mas alguns tiveram, por circunstâncias da vida, mais dificuldade para passar ao narcisismo secundário, desenvolvendo portanto um ideal de ego extremamente exigente e narcísico. Com isso, busca resgatar a onipotência perdida. Todos somos possuidores deste ideal, contudo, em escalas diferentes.

Em “Sobre o Narcisismo – Uma introdução”, FREUD cita:

“O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a este novo Ego Ideal, o qual, como o ego infantil, se acha possuído de toda perfeição e valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui o homem se mostra incapaz de abrir mão de uma satisfação que outrora desfrutou. Ele não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas admoestações de terceiros e pelo despertar de seu próprio julgamento crítico, de modo a não mais poder reter aquela perfeição, procura recupera-la sob a nova forma de um Ego Ideal.”(FREUD, S. Sobre o Narcisismo – Uma introdução, 1914)

Devido à censura e exigências do superego, o Ego encontra-se pressionado a buscar muitas vezes um ideal altíssimo, um “Ego Ideal”, o que torna a pessoa extremamente exigente consigo e com os outros. Em contra partida, quanto maior for seu agente censor, quanto mais alto for seu ideal, mas baixa será sua auto-estima, uma vez que sempre terá sentimentos de insuficiência diante do parâmetro idealizado.

O BRINCAR E SUA INFLUÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO EGÓICA

Nosso ego, superego e ideal de ego são formados principalmente durante a infância, período de desenvolvimento psicossexual. Nestas fases iniciais, todo e qualquer estímulo afetará no desenvolvimento psíquico da futura personalidade.

Assim, para observarmos a formação da personalidade, precisamos levar em consideração os brinquedos e brincadeiras infantis. Hoje em dia, as meninas brincam com lindas bonecas com corpos perfeitamente magros e belos. Para os meninos, bonecos de guerra, heróis de desenho, todos sempre muito fortes e musculosos. Os brinquedos masculinos sempre estão ligados à força física, e a vaidade masculina é valorizada e incentivada desde a mais terna infância.

Há um interesse predominante entre as crianças do sexo masculino por brinquedos como armas. Isso se dá pelo fato da arma ser o substituto do falo.

Durante a fase fálica do desenvolvimento psicosexual, a criança, menino ou menina, reconhece apenas um órgão genital, o masculino. Nesta fase, tudo gira em torno do falo, pela sua diferença anatômica em relação à mulher, e pelo simbolismo a ele conotado. Segundo FREUD “a libido é de natureza masculina, tanto na mulher como no homem” (FREUD, S. – Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 1905).

Ao perceberem que seus corpos são anatomicamente diferentes, as meninas acham que foram castradas, e os meninos têm medo de serem castrados. Passada um tempo, a criança
já não têm medo da castração, mas vangloria-se do falo como algo vantajoso sobre as mulheres. No que se refere ao simbolismo, encontramos no falo o poder, superioridade, fecunidade e autoridade (FREUD, 1905). Este também é representado pela força, e os meninos passam não só a se compararem com o genitor do mesmo sexo, como a competir com ele.

Da mesma maneira que as crianças, em suas brincadeiras, têm a necessidade de assumir um papel ativo e sair da passividade (FREUD, 1920), como em casa vêem o pai forte e grande, sentem-se pequenas e passivas, e frente a esta impotência, repetem nas suas brincadeiras infantis esta sensação, porém, de maneira ativa. Tornam-se os heróis ou vilões mais fortes e poderosos. Estas brincadeiras são incentivadas também pela televisão com seus super-heróis e pelos bonecos musculosos. Desta forma, buscam se comportar como tais, passam a viver o herói ou vilão que lhes intimida.

Em Além do Princípio do Prazer (1920), FREUD Cita:

“Pode-se também observar que a natureza desagradável de uma experiência nem sempre a torna inapropriada para a brincadeira. Se o médico examina a garganta de uma criança ou faz nela alguma pequena intervenção, podemos estar inteiramente certos de que essas assustadoras experiências serão tema da próxima brincadeira; contudo, não devemos, quanto a isso, desprezar o fato de existir uma produção de prazer provinda de outra fonte. Quando a criança passa da passividade da experiência para a atividade do jogo, transfere a experiência desagradável para um de seus companheiros de brincadeira e, dessa maneira, vinga-se num substituto.” (FREUD, S. , Além do princípio do Prazer, 1920)

CASTRAÇÃO E ÉDIPO – MEU PAI VILÃO X MEU PAI HERÓI

Em geral, a criança do sexo masculino teme o pai ao mesmo tempo em que deseja ser como ele. Esse medo da figura paterna transcende os demais, destacando que, na relação Édipica, o pai representa a separação na relação mãe e filho. O pai, neste caso, se torna ameaçador em decorrência do medo que este menino tem de ser castrado, como imagina que sua mãe ou as meninas outrora foram. Ele imagina que possa ser castrado pelo desejo que sente pela mãe, e pela raiva que seu pai, seu rival, lhe suscita. De acordo com LAPLANCHE e PONTALIS (1991), a estrutura e os efeitos do complexo de castração são diferentes no menino e na menina. Ao mesmo tempo em que o menino ama o pai a ponto de admirá-lo, identificar-se com ele, querer assumir seu papel e comportar-se como tal, também o odeia por roubar-te sua mãe. Torna-se ameaça, objeto de temor, amor e ódio, e ao sair do Édipo, o menino, identificado com o pai, toma para si os ideais de força e masculinidade. Quanto mais o menino idealizar seu pai, mais alto será seu Ego Ideal e o desejo de ser incrivelmente forte e poderoso.

Tendo em vista a relação direta com o pai, vemos o resultado do acoplamento da castração com as repetições nas brincadeiras infantis. O pai representará figura de admiração e medo, assim o menino passará a agir como ele para sair da passividade e intimidar os outros.

Análogo ao papel castrador do pai estão os modelos de força apresentados às crianças, em histórias infantis como o lobo mal, ou nos super-heróis da televisão. O interessante é que a repetição na brincadeira não está ligada ao papel de mocinho ou do bandido, aqui não importa este tipo de distinção, é a força quem determina o papel assumido pela criança.

Na atividade de emitir medo, a criança busca dominar suas frustrações. No entanto, durante a vida, esta repetição permanecerá presente buscando a força que o livrará do medo (FREUD, 1920).

Na vigorexia, poderá estar presente a identificação com a força aliada a um Ego Ideal muito alto. Este ego não consegue lidar com as exigências de seu superego, pois este possui um ideal tão alto que resigna o ego a mercê das exigências deste superego sádico, bem como do Id que estará funcionando segundo o princípio do prazer, que consiste na satisfação do desejo imediato.

Um trauma inicial durante a infância, em que a força se fez necessário e não esteve presente pode desencadear um futuro comportamento vigoréxico também, como defesa ou mesmo auto-afirmação masculina perante um grupo.

ANABOLIZANTES – DEPENDÊNCIA E IMPLICAÇÕES PSICOPATOLÓGICAS

Diante do Ideal de perfeição formado pelo vigoréxico, torna-se característica a distorção da imagem corporal. Assim como nas psicoses, as neuroses também comportam perda de contato com a realidade, porém, parcial. Deste modo, ainda que estejam fortes e musculosos, vêem-se como magrelos e precisando cada vez mais aumentar sua massa muscular. Esta desenfreada busca pela força traz sérias conseqüências comportamentais, psicopatológicas e desencadeia uma série de adicções farmacêuticas e manipuladas para atingir seu ideal inatingível.

Coisas para médio e longo prazo são futuro muito distante. Para estes homens, as coisas devem acontecer de imediato (FERREIRA, 2005), o que vai de encontro com FREUD (1911) em suas formulações sobre os dois princípios de funcionamento mental, quando menciona que tais pessoas agem segundo o princípio do prazer e não podem adiar seu desejo para ter satisfação. Sendo assim, não só passam horas e horas malhando seus corpos em academias, como fazem uso abundante de esteróides, hormônios e suplementos alimentares, que trazem resultados rápidos e também prejuízos, mas que neste momento não são, pelos vigoréxicos, levados em consideração.

Há os que injetam em seus próprios corpos manipulações destinadas a animais. Pode-se chegar a tal ponto que, em casos extremos, passam a fazer uso de todo produto voltado para este mesmo animal, isto é: xampu, sabonete, e a própria comida. Parece que há aqui uma identificação com a força animal, certamente uma identificação fora dos ditames conscientes salutares do psiquismo.

Como a força é função primordial, e esta deve ser adquirida rapidamente, os vigoréxicos passam a fazer uso de diversas drogas para aumentar sua massa muscular. Não podem esperar para cultivar seus músculos gradualmente, o resultado deve ser rápido, imediato.
Diferente do princípio de realidade, aqui não há pensamento ou elaboração. O adicto não mede as conseqüências, não pensa sobre elas. É movido por forças inconscientes, o que nos leva a conotar o comportamento como compulsão.

Em geral, costumam usar doses 10 a 30 vezes maiores que as doses habitualmente preconizadas em tratamentos e estudos médicos. As principais drogas usadas são metandienoma, cipionato de testosterona, oxandrolona, enantato de metenolona, estanozolol e undecilenato de boldenona. Na tentativa de evitar os efeitos colaterais e de aumentar a ação das drogas, são usados: diuréticos, outros hormônios como de crescimento, estimulantes de testosterona entre outros (MANETTA, M.C. DI P., Uso abusivo de esteróides anabolizantes androgênicos, 2000).

O acesso a todos estes medicamentos é simples. Podem ser encontrados via internet ou mesmo nas academias onde são vendidos sem qualquer critério e controle. No dito popular, “junta-se à fome com a vontade de comer”. Os vigoréxicos abusam destes medicamentos, e assim conseguem a massa muscular, ainda abaixo da quantidade idealizada, porém suficiente para lhe proporcionar certo prazer momentâneo.

Chegado à musculatura desejada, é necessário que a mantenha ou aumente-a, nunca diminua. Para tal conservação, é necessário o uso freqüente e cada vez maior dos anabolizantes. O vigoréxico pode tornar-se dependente destas drogas musculares.

Posto que o funcionamento fisiológico de cada pessoa difere no que diz respeito à tolerância, algumas doses ou freqüente uso podem e levam determinadas pessoas a degenerarem seus corpos até que estes não agüentem mais, e padeçam.

A dependência de drogas na vigorexia está ligada à força que o inchaço muscular representa, ao sentido que os músculos têm para o adicto, com se buscasse fora uma força que não têm dentro dele.

No decorrer do tempo, passa a se identificar, observar e conviver com pessoas que se assemelham ao tipo de homem que quer ser. Na academia, as pessoas o cobram em relação ao corpo. Diminuir seu tamanho e força é intolerável, e não aceito pelos que com ele convivem. O anabolizante torna-se, portanto, indispensável na vida do vigoréxico. “Este irá investir em algo de ordem subjetiva que passará pela auto-estima e masculinidade” (SANTOS, 2005).

Como na adicção de tantas outras drogas, os anabolizantes proporcionam ao que sofre deste transtorno dismórfico muscular uma sensação de segurança, elevada auto-estima e onipotência. Sob o efeito do anabolizante, o vigoréxico sente-se seguro para conversar, andar na rua, nada o intimida. Passa uma imagem de quem é destemido – não só têm força, mas não têm medo. A sensação de emitir medo nas pessoas é muito prazerosa. Em contra-partida, se interrompido o uso, todos perceberão. Assim, para o adicto vigoréxico voltar atrás é extremamente angustiante, não atingir seu ideal gera melancolia e profunda angústia.

Em geral, estas drogas causam efeitos colaterais como acne, aumento de pelos corporais, calvície, tumores hepáticos, colestase, e no sistema nervoso central convulsões, dor de cabeça e trombose do sagital.

Ainda assim, o adicto não se importa com tais sintomas. A droga serve como refúgio, alivia tenções, elimina angústia e desprende-o de todas as exigências de seu agente censor, superego, afinal, aqui, suas exigências são atendidas. Com a adição, satisfaz o sadismo do superego e o masoquismo do ego, que sente prazer ao ser castigado por não atingir seus ideais de perfeição. Neste comportamento não há pensamento, age por compulsão.

CONCLUSÃO

Assim como na anorexia, a vigorexia está intimamente ligada à pulsão de morte.
O culto obsessivo, que chega aos mais distantes limites do corpo, desafia a vida e a morte. O controle sobre estes, a proximidade que o culto traz à morte é extremamente prazeroso. Não se trata aqui de uma morte temporal, posterior à vida. Todavia, refere-se à condição primária mortal, a condição inerte e inorgânica anterior à vida.

Segundo FREUD (1920), a vida vem perturbar a morte. É com esta vida que construímos, repetimos, dirigimo-nos em função de nosso primeiro estado, onde todas as energias encontram-se ligadas na calmaria e constância da morte.

Portanto, assim como na anorexia, nos esportes radicais, há um prazer masoquista que rege e mantêm tais comportamentos. Nestes casos, o superego é sádico, e o ego masoquista.

A busca pelos limites do corpo, para o vigoréxico, é a condição para obtenção de seu prazer primário e mortal.

Com a adicção, o vigoréxico atinge um estado de calmaria, tranqüilidade em relação ao seu corpo, sentimentos semelhantes àqueles proporcionados pela morte. Em contra-partida, mantém-se fixo nesta compulsão, uma vez que dela depende para ter, da maneira mais rápida possível, seu desejo satisfeito. Trata-se de um corpo auto-erótico e narcísico que supõe controlar.

Esse pressuposto ligado ao controle da morte, aproximar-se aos seus limites, é essencial para constituição da compulsiva repetição na vigorexia.

Assim, concluímos que o domínio da pulsão de morte age sob um ego frágil, vulnerável a frustrações e suscetível à baixa auto-estima. Os vigoréxicos que, uma vez estimulados pela força que afasta a angústia, o medo da castração e da percepção de que também são frágeis e mortais, mantêm-se fixos nesta compulsão.

A violência que atualmente é explícita nos desenhos, brinquedos e brincadeiras infantis valoriza e estimula as crianças a refugiarem-se do medo, tomando como arma de defesa o mesmo que lhes aflinge, a força!

Temos a sociedade como forte estimulante na manutenção desta patologia. O vigoréxico é cobrado por sua imagem a todo tempo, deve ser forte, jovem, indestrutível e imortal, embora estejamos inclinados na posição de que o fator mais forte para esta compulsão esteja sob o domínio de conteúdos inconscientes.

“As mudanças, os transtornos, os entusiasmos, as rupturas são apenas formas de se agitar à procura de um apaziguamento interior, impossível, pois fundamentalmente oposto ao que os interessa acima de tudo: verificar até que ponto eles não se apegam a ninguém e a nada, até que ponto permanecem livres para abandonar tudo, estragar tudo… dar tudo. Não estão preocupados em proteger as razões que os prendem à vida; o que os ocupa é verificar se estão livres de qualquer amarra.”(Zaltsman apud Holcberg, 1993)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FREUD, S. (1911) Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental – Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XII. Rio de Janeiro. IMAGO, 1987.
________________ (1920) Além do Princípio do Prazer – Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Vol.XVIII. Rio de Janeiro. IMAGO, 1974.
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________________ (1905) Um caso de histeria, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos – Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud Vol.XI. Rio de Janeiro. IMAGO, 1972.
________________ (1924) O Problema Econômico do Masoquismo – Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Vol. XIX. Rio de Janeiro. IMAGO, 1990.

HOLCBERG, A.S. As Alpinistas (1993). In: Rosemberg, A.M.; Vilutis, I.M. (orgs.).
Colóquio freudiano: teoria e prática da psicanálise freudiana
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LAPLANCHE e PONTALIS – Vocabulário da Psicanálise – Ed. Martins Fontes – São Paulo,1991

MALUF, D. P., TAKEY, E. H., HUMBERG, L. V., MEYER M.& LARANJO, T. H. M. Drogas Prevenção e Tratamento – O que você queria saber sobre drogas e não tinha a quem perguntar. Cla editora, 2002

MANETTA, M.C. DI P. – Uso abusivo de esteróides anabolizantes androgênicos – Psiquiatria na prática médica, São Paulo, v. 33, n. 4, out/dez 2000. Disponível em www.unifesp.br/dpsiq/polbr/rpm/atu1_04.htm acesso em 13 nov. 2005.

1 FERREIRA, Maria Elisa Caputo. A obsessão masculina pelo corpo: forte, malhado e sarado, in Work Shop – A gestão do corpo na sociedade brasileira atual, Hospital das Clínicas da Faculdade de medicina da Universidade de São Paulo. Centro de Estudos Psico Cirúrgicos da divisão de Psicologia do ISHC/FMUSP

2 SANTOS, Niraldo de Oliveira. Programa de atendimento psicológico para pacientes com Vigorexia e uso de Esteróides Anabolizantes : questões preliminares, in Work Shop – A gestão do corpo na sociedade brasileira atual, Hospital das Clínicas da Faculdade de medicina da Universidade de São Paulo. Centro de Estudos Psico Cirúrgicos da divisão de Psicologia do ISHC/FMUSP

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