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Emoções cerebrais

Nos últimos dez anos, os estudos sobre cérebro tiveram um grande avanço graças a uma técnica de neuroimagem capaz de detectar áreas que têm funcionamento modificado durante a realização de uma tarefa específica: a ressonância magnética funcional (RMf). O método, não invasivo, abriu novas perspectivas para a pesquisa em psiquiatria ao permitir mapear aspectos funcionais do cérebro.

Nos últimos dez anos, os estudos sobre cérebro tiveram um grande avanço graças a uma técnica de neuroimagem capaz de detectar áreas que têm funcionamento modificado durante a realização de uma tarefa específica: a ressonância magnética funcional (RMf). O método, não invasivo, abriu novas perspectivas para a pesquisa em psiquiatria ao permitir mapear aspectos funcionais do cérebro.

A psiquiatra inglesa Mary Phillips é reconhecida internacionalmente por pesquisas no campo das investigações do processamento das emoções no cérebro humano, sobretudo em relação aos sintomas psiquiátricos. Trabalhando com RMf há uma década, ela coordena os laboratórios de neuroimagem do Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres, na Inglaterra, e da Clínica e Instituto Psiquiátrico da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos.

A cientista, que atualmente utiliza a RMf para pesquisas sobre a depressão, iniciou uma cooperação com colegas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que utilizam a técnica principalmente em pesquisas relacionadas ao projeto temático Estudo psicológico da regulação emocional a partir dos efeitos de antidepressivos, apoiado pela FAPESP.

Mary Phillips foi convidada por Geraldo Busatto Filho, coordenador do Laboratório de Neuroimagem em Psiquiatria e professor do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, para discutir a continuidade da cooperação entre os laboratórios brasileiro, norte-americano e inglês, que trabalham com métodos semelhantes em linhas de pesquisa complementares. No laboratório da FMUSP, localizado no complexo do Hospital das Clínicas, em São Paulo, a pesquisadora inglesa concedeu à Agência FAPESP a entrevista a seguir.

Agência FAPESP – Poderia falar sobre a cooperação que a sra. veio discutir com pesquisadores brasileiros para estudos na área de neuroimagem?
Mary Phillips – Meus principais contatos são Geraldo Busatto e Jorge Almeida [do Departamento de Psiquiatria da FMUSP]. Sob orientação de Busatto, Almeida está trabalhando comigo em Pittsburgh há um ano e meio, também com a questão de pessoas com depressão bipolar. Vim para o Brasil principalmente para estabelecer ligações e poder criar condições de desenvolver uma série de estudos conjuntos.

Agência FAPESP – Qual será a contribuição de cada lado nessa parceria?
Mary Phillips – Cada um de nós tem competências em diferentes áeras de especialização e a cooperação será importante para ambos os lados. Nossos temas e métodos são convergentes, mas o laboratório do professor Busatto tem um foco mais específico nos aspectos ligados aos fármacos, que é algo que não temos. Nossas linhas são complementares. Outro ponto importante é que a cooperação servirá para validar os estudos que fazemos com essas técnicas, já que teremos oportunidade de vê-los aplicados em diferentes populações, com características distintas.

Agência FAPESP – Por que a ressonância magnética funcional é considerada uma revolução nos estudos sobre o cérebro?
Mary Phillips – A RMf é uma técnica que começou a ser desenvolvida há pouco mais de dez anos e que permite medir o fluxo sangüíneo no cérebro. Isso é importante, porque se pode de fato entender como determinadas partes do cérebro funcionam quando são desempenhadas diferentes atividades. Identificamos no paciente como a atividade de determinada área se relaciona com a ação. O que nos interessa é poder usar isso para entender o funcionamento do cérebro relacionado a emoções. Queremos identificar quais são os mecanismos que fazem as pessoas ficarem depressivas ou ansiosas, por exemplo. Pela primeira vez, temos a oportunidade de entender os mecanismos cerebrais relacionados a problemas psiquiátricos. É uma ótima chance de desenvolver melhores tratamentos e conseguir informação sobre o que faz algumas pessoas entrarem em um quadro depressivo.

Agência FAPESP – Como funciona esse processo?
Mary Phillips – É bastante complexo. Basicamente, é uma combinação de campos magnéticos e de freqüência de rádio que alinha as moléculas de hidrogênio em uma determinada posição. Quando o sinal é desligado, os prótons são desalinhados de maneira sincrônica. Usamos a técnica conhecida como Bold [de “blood oxigen level dependent”] para captar o sinal da imagem a partir da concentração de oxigênio nas partes ativas. A idéia é que, se o cérebro trabalha mais intensamente em uma área, o fluxo de sangue aumenta, uma vez que há necessidade de mais oxigênio. Então, a concentração da corrente sangüínea muda nos vasos que vão para essas partes do cérebro.

Agência FAPESP – Onde há oxigenação pode-se identificar uma região ligada a funções cerebrais específicas?
Mary Phillips – Isso mesmo. A técnica Bold diferencia o sangue oxigenado do não oxigenado. E as mudanças mapeiam o que ocorre quando partes do cérebro trabalham com mais intensidade. Podemos fazer a correlação entre as emoções e a atividade cerebral, evidenciada pelas mudanças no nível de oxigenação do sangue.

Agência FAPESP – A técnica teve avanços na última década?
Mary Phillips – Os métodos permanecem os mesmos, mas avançamos no uso que fazemos dele. Essa tecnologia causou uma mudança impressionante em uma década. Quando começamos a trabalhar com ela, em 1996, podíamos fazer operações simples, como descrever as áreas do córtex cerebral responsáveis pelo processamento da informação tátil de uma parte do corpo. Agora, fazemos coisas bem mais complexas, lemos padrões bastante difíceis. Podemos acompanhar, por exemplo, o que ocorre no cérebro quando se tenta suprimir emoções ou se emocionar deliberadamente.

Agência FAPESP – Ao investigar o processamento da emoção pelo cérebro é possível estudar diferentes sintomas psiquiátricos?
Mary Phillips – Estudamos principalmente a esquizofrenia, o transtorno obsessivo-compulsivo e, o que é meu principal interesse atualmente, a depressão.

Agência FAPESP – Como a tecnologia auxilia nesses estudos?
Mary Phillips – A tecnologia abriu caminho para muitas possibilidades. Um exemplo: usamos a RMf para mapear o cérebro de alguém que teve depressão há pouco tempo, para identificar paradigmas. Os dados podem ser comparados com pessoas que não têm depressão ou com o mesmo indivíduo, em um segundo momento, quando ele apresenta sintomas de depressão novamente. Com isso, podemos observar o que há de anormal na comparação com pessoas saudáveis, assim como mapear as mudanças nos cérebros enquanto elas progridem no tratamento. Há muitas aplicações possíveis.

Agência FAPESP – Qual a importância de saber como a depressão afeta o cérebro?
Mary Phillips – Nosso foco principal é saber quais as diferenças no processamento de emoções entre indivíduos com diferentes tipos de depressão, como a depressão simples ou a bipolar, cuja comparação me interessa particularmente. Há diferenças entre um tipo de depressão relacionado a fatos que ocorrem no decorrer da vida e outras provenientes de um processo mais interno. Podemos comparar os contrastes entre os diferentes padrões de atividades nesses diferentes tipos. É muito importante entender a diferença entre o que acontece no cérebro nas depressões simples e bipolar, porque queremos evitar diagnósticos errados. Hoje é muito comum que isso ocorra e que o paciente receba, por conseqüência, tratamentos errados.

Agência FAPESP – Os tratamentos diferem muito nos dois casos?
Mary Phillips – Sim. Eu diria que, em termos gerais, para quem tem depressão simples, o tratamento também é simples e se baseia apenas em antidepressivos. Mas quem tem depressão bipolar não pode tomar antidepressivos. Esses medicamentos podem ajudar nos sintomas da depressão, mas também deixam os indivíduos suscetíveis a crises mais perigosas. É tão perigoso tomar um antidepressivo, nesse caso, quanto continuar em depressão. Bipolares precisam de uma medicação muito mais complexa, para estabilizar o humor e mantê-lo em uma freqüência normal. Mas, infelizmente, muita gente nesse estado recebe medicação errada. A conseqüência é que a depressão vai e volta. É um problema para a vida toda.

Agência FAPESP – A técnica é cara para ser aplicada?
Mary Phillips – Sim, mas os custos caem continuamente. O importante é que, ao contrário de outras técnicas de imageamento, ela não é invasiva. Não há injeções ou radioatividade. Até onde sabemos, ela é totalmente segura, o que permite que pacientes sejam escaneados várias vezes. Permite também estudar o cérebro de crianças ou de adultos saudáveis que tenham familiares próximos, como pais e irmãos, com problemas psiquiátricos diagnosticados. Com isso, podemos ter uma noção mais clara de até que ponto o problema psiquiátrico se relaciona com uma herança genética. Temos condições de ver o que se passa no cérebro e, a partir daí, pensar estratégias para impedir que determinadas pessoas desenvolvam problemas psiquiátricos.

Fonte: [url=http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=6830]Agência FAPESP[/url]

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