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Psicanálise e psicologia analítica: A psicologia Profunda e a sua disposição neurótica

O que nos é dado hoje pela psicologia dá vazão a conjeturas que se assentam sobre a atmosfera das descobertas como o corpo cansado sobre a cama, corpo esse de um homem exausto que há horas procura se deitar e submergir a um mundo onde as contradições a serem superadas nada mais são do que a dialética entre o espelho como algo em si, e a imagem que reflete as dimensões de um objeto inexistente, pois só existe mesmo, como imagem. Maneira de falar paradoxal como qualquer outro discurso que tenta conciliar, ou transpor, o “objeto” imaginário a uma realidade objetiva, o que nos parece mais com um estado sonambúlico do que com o campo luminoso da consciência, ainda que correndo diretamente para o, último, contrariamente mais “estranho e conhecido”.

O desacordo entre as diversas escolas da psicologia, aqui, mais precisamente Psicanálise e Psicologia Analítica, é só um mal entendido no qual existem muitas pessoas, aquelas para o qual epistéme não é gnôsis, que bem entendem uma e outra e que percebem que não há falácia, que não há mentira, que existe sim a realidade descoberta e dita sob prismas diferentes. Se colocarmos o prisma da Psicanálise no olho esquerdo e o prisma da Analítica no olho direito, o que veríamos? Algo incompreensível, uma distorção errônea que culminaria na isenção de qualquer objeto científico, que por ser científico deve ser bem delineado? Acredito que não, digo que ocorre o que a Psicologia Experimental Gestalt chama de “ fechamento”, ou seja, o sentido da visão, por si só, procura esboçar o objeto em meio à confusão dos estímulos, assim, conta –se com a ajuda de nada mais nada menos do que o próprio objeto de especulação, a natureza.

Pois se “um dia tudo corre para seu contrário” como diz Heráclito, a intuição se “fecha” na isenção das distancias entre as contradições, onde o religioso diria “É a harmonia” o cientista arrazoaria novamente que a desarmonia logo se apresentaria, percebendo assim que o ponto de vista teleológico não é a verdade, mas sim uma premissa necessária de qualquer dinâmica, um caminho que não tem por afazer esgotar o conhecimento, antes, pura e simplesmente trazer ao lume uma mínima faísca da realidade, pois, se Lacan diz “ A verdade se furta à linguagem”, não diria isso se não tivesse o finalístico, ou a intuição, em mente, mostrando algo totalmente diverso, oposto, ao preconceito; nos mostra a limitação. Limitação implícita na frase de Maslow no que tange à psicologia: “É obra de muitos”, e ignorância, por exemplo, de alguns autores lacanianos: “A psicanálise só aumenta o conhecimento sobre si – mesma” respondendo com uma lógica ridícula “ sobre a psicologia não”.

É bem sabido, do leitor assíduo da chamada “Psicologia Profunda”, as inúmeras discrepâncias existentes entre as duas escolas da Psicologia em questão e entre seus respectivos criadores, de forma que muitas vezes essas divergências pessoais refletem a cisão entre os distintos adeptos que, na maioria das vezes, acreditam que o conhecimento só evolui dentro de “si” (escola) e para “si”, tendo como premissa “si”, e cujo mérito é todo devido a “si”, o que, com efeito, caracteriza uma unilateralidade que exclui os avanços e as observações feitas pelo — sinto – me tentado a usar o termo procedente — “concorrente” como se ele constituísse um argumento falho que não merece o mínimo de consideração, o que implica em uma condição bem conhecida que não pode passar sem sintomas. É necessária essa personificação do problema, para demonstrar que existe uma confusão causada por uma lacuna que busca sua expressão indiretamente, propondo a intolerância ao que devia ser tolerado e compreendido.

É claro que esse esboço sucinto de argumentos, mas não de sentido, não é o suficiente para aclarar um problema que vai desde simples divergências de pensamento até a maior fenda de todas que se chama “epistemologia”. É mister dizer que um junguiano e um psicanalista entendem a palavra “epistemologia” de maneiras diferentes, de modo que ao satisfazer seu afã de cientificismo o psicanalista se vangloria do mencionado termo incorporando – o ao seu rol das qualidades mais importantes; já o junguiano vê nessa palavra algo que o ameaça, cuja afronta bate à sua porta por ser imcompreendido, mas que ele conhece muito bem. O junguiano sofre com a epistemologia assim como Freud a sofreu nos primórdios da psicanálise, visto que a maior ironia é a crítica epistemológica de um psicanalista a um junguiano que faz suscitar no arrazoador uma intuição sarcástica que soa – lhe ao pé do ouvido “ Interpretação dos, se prepare pra rir amigo cientista, sonhos!!! Pode?”.

A epistemologia evolui, como evoluiu com a psicanálise, e deve – se sim levar em conta as críticas de Jung contra o materialismo científico, mas que muitas vezes embrutecem os junguianos contra a comunidade científica, transformando a psicologia analítica numa religião e Jung numa deidade, de maneira que os psicólogos e psiquiatras analistas tornam – se sectários da psicologia analítica esquecendo a serpente de oito olhos que vê mais porque vê em diversos pontos de vista, não obstante, os pastores parecem aumentar com a formação de analistas astrólogos, dentistas, advogados, filósofos, etc ; cujo motivo de tais formações sinceramente posso compreender mas não posso deixar de tacha – la como uma atitude anticientífica dentro de uma das ciências mais profundas que o intelecto humano ocidental pôde conceber.

Assim, quando Jung diz: “… a psicologia é uma espécie de ciência anticientífica…” ele faz uma crítica tão somente à epistemologia, e quando diz: “A teoria representa, inegavelmente, o melhor escudo para proteger a insuficiência experimental ou a ignorância. As conseqüências, porém, são lamentáveis: mesquinhez, superficialidade e sectarismo científico.”(grifo meu) faz menção ao quanto uma ciência pode perder quando se atém a pontos extremos, ou seja, é abominável a atitude sectária para a ciência pois ela se transforma em uma religião, ainda mais quando abrange um ponto de vista teleológico como o caso da psicologia analítica, e, com efeito, erra quem acha que temos o desenvolvimento espiritual oriental, erra mais ainda quem acha que a psicologia analítica é o “budismo ocidental”, até porquê o “satori” é o caminho do meio que pra nós ocidentais é uma tarefa muito mais penosa pois o tempo nos é fetiche, ou seja, ajudado pela compreensão das palavras de Jung acima, para nós e a nossa apreensão limitada a psicologia analítica pode ser metaforicamente chamada “Teoria de espectro Budista”, nada mais, e é por culpa dessa polivalência ciência – religião que a psicologia analítica torna – se incontestável e não pode aderir às idéias da psicanálise.

Quase o mesmo também ocorre com a psicanálise, que, contrariamente, por explicar o fenômeno das religiões com associações refutantes em seu âmago mas prenhes de sentido e verdadeiramente geniais, torna –se ela a religião intelectual materialista e minimalista, caindo no mesmo buraco de sua afim, sendo que Freud passa a ser o Cristo que deixou o seu legado a seus discípulos desejando que eles não se corrompam com concepções rarefeitas e não se apóiem sobre muletas imaginárias de uma neurose coletiva.

Será que a psicanálise esta se transformando, tendo em si a atmosfera dessa ilusão? Ou será que Freud começa a entender o que, lá no começo de “O mal – estar na civilização” Romain Rolland designa como “sentimento oceânico” onde ele rebatia com : “Posso observar, que, para mim, isso parece, antes, algo da natureza de uma percepção intelectual, que na verdade pode vir acompanhada de um tom de sentimento, embora apenas da forma em que esse se acharia presente em qualquer outro ato de pensamento de igual alcance…A única questão consiste em verificar se está sendo corretamente interpretado e se deve ser encarado como a fons et origo de toda necessidade de religão.” Com efeito, parece que o efeito que a psicanálise surte em seus adeptos levados por um “pensamento de igual alcance” no mínimo lança boa luz à sua dúvida.

Percebe -se que ambas possuem uma postura no mínimo parecida e anticientífica, cientificismo este que simboliza a destruição de qualquer conhecimento axiomático e fechado num círculo teórico que não se permite à dialética e ao dom do senso – crítico da razão e da experiência. Diz Pascal : “Eu não poderia ajuizar da mesma coisa exatamente do mesmo modo. Não posso ajuizar do meu trabalho enquanto o faço; tenho de imitar os pintores e afastar – me dele, porem não demasiado. A que distância devo colocar – me? Adivinhai.”

Pois a atitude de ambas é o oposto disso, diria : “São auto-eróticas” ao psicanalista, e, ao junguiano assertaria: “ Identificam –se com o coletivo (pode ser o mestre) e acham que são detentoras de uma verdade inaudita”. Quando será que se abrirão para um objeto amoroso , e verão que são apenas uma célula no corpo de um monstro ?

Agora, eis a pergunta que não quer calar: Qual a grande diferença entre psicanálise e psicologia analítica? Acho que é o mesmo que perguntar qual a diferença entre geografia e história. Se a história estuda os acontecimentos no tempo, a geografia os estuda no espaço. Se política, cultura e pensamento se opõem a clima, território e deslocamentos eu não sei o que é nem um nem outro, ou talvez saiba o que é um, mas outro não. Talvez duas frases de Le Bon ajudem, visto que o tapa que cada uma dá vai depender muito da “carapuça”, eis: “O mundo das idéias puras de Platão poderia possuir a serena beleza que ele sonhava, conter eternos modelos das coisas, se não fosse vivificado pelo sopro do desejo, não nos interessaria” e “Sonhos de amor, de riqueza, de ambição ou de fé são os possantes fatores de ilusões que a natureza emprega para conduzir-nos aos seus fins.” Se alguém diz que a ciência é feita de dicotomias, diria, tal qual Marx, que a superação também, afinal, como diz Éugene Labiche “ Egoísta é uma pessoa que não pensa em mim”(grifo meu).

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