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Úlcera Gástrica, sob a lente da psicanálise

Com o desenvolvimento em Psicossomática cada vez mais promissor, enfocamos os aspectos psicológicos envolvidos na patologia da úlcera gástrica, a qual acomete cada vez mais pessoas na contemporaneidade.
Com o incremento cada vez maior das pesquisas em Psicossomática, é possível se reconhecer cada vez mais a relevância dos fatores psíquicos na origem das úlceras gástricas e duodenais.

H. E. Robinson, afirmou que o termo "úlcera psicógena", seria o mais apropriado para 95% das úlceras gástricas e duodenais. Além do que, os fatores psíquicos estão numa íntima relação com os fatores ambientais.

Durante a última guerra mundial, em virtude das agressões ambientais, aumentaram significativamente a ocorrência e a reincidência das úlceras em amostras populacionais submetidas a bombardeios, como foi o caso de Londres.

Observou-se uma semelhante ocorrência entre os aviadores que faziam simulações de combate, provocando muita tensão e angústia nas tropas combatentes quando eram derrotadas, tendo como conseqüência o remorso e o desespero.

Os fatores ambientais estariam atuando na origem das úlceras, através do psiquismo. Provocariam emoções, as quais teriam influência nos centros cerebrais, nos nervos vegetativos e nos processos enzimáticos que atuam no estômago e no duodeno, vindo a modificar prejudicialmente o metabolismo gastroduodenal. Essas modificações redundariam nas conseqüências de ordem orgânica. Quanto à influência das emoções sobre o tubo digestivo, chegou-se a dizer que este, seria a "caixa de ressonância" das emoções.

Se se levar em conta a indubitável sabedoria popular, podemos recolher perfeitos exemplos dessa correlação entre os estados emocionais e as conseqüências orgânicas:

* Ø quando o vejo, me dá náuseas.
* Ø O desgosto que eu sofri, feriu-me como uma punhalada na barriga.

A pergunta que agora se coloca é, quais são e através de que processos íntimos, os fatores psíquicos acabam por provocar úlceras?

Mencionamos aqui, uma investigação psíquica muito ampla, a qual incluiu 205 casos de pacientes portadores de úlcera. Tal pesquisa foi realizada em 1937, por D. T. Davier e A. T. M. Wilson. Esses autores desconfiavam da presença de uma motivação psíquica na causação da úlcera. Curiosamente, ao término da pesquisa afirmaram que, em 84% dos casos de ulcerosos que estudaram, a perda de algo que lhes causava bem estar, havia antecedido muito nitidamente, a ocorrência da úlcera, ou mesmo em relação à sua recidiva.


Hiperatividade genital e objetos genitais frustradores

Em 1927, G. Draper teve sua atenção despertada pelo aspecto viril que geralmente acompanha os ulcerosos, que não coincidia com a presença freqüente de hipotireoidismo, que é uma enfermidade mais feminina. Daí inferiu uma feminilidade reprimida, acompanhada de uma fixação à mãe, existente como um estímulo oculto, o qual provocaria uma tensão psíquica sofrida, redundando na ocorrência da úlcera.

Depois de Draper, foi F. Alexander e seus colaboradores do Instituto Psicanalítico de Chicago. Em 1934, já citavam a presença de certas características, como um esforço para a atividade, independência e triunfo. Em estudos mais profundos, Alexander teria descoberto tendências ocultas de tipo contrário à passividade e à submissão. Essas características acabam acarretando contratempos na vida profissional desses pacientes.

Angel Garma, desde 1951, através de seus estudos sobre o psiquismo inconsciente desses pacientes, revela que os mesmos possuem uma atividade genital, aparentemente intensa e satisfatória, porém de forma latente, é possível se encontrar neles, uma dependência amorosa em relação a uma pessoa, a qual costuma vir acompanhada de uma insatisfação genital em relação à mesma.

Garma cita ainda dois exemplos históricos: – Rodolfo Valentino, sofreu e morreu de úlcera. Para todos os efeitos, era o ídolo amado de todas as mulheres, porém segundo os seus biógrafos, tanto em seus dois casamentos, como em relação às suas amantes, sempre sentiu-se um homem desgraçado e não exitoso.

-Napoleão, parece ter sido ulceroso. Teria tido várias relações satisfatórias com muitas mulheres, mas na realidade, teria estado apaixonado por uma viúva com dois filhos, a qual correspondia muito mal ao seu amor.

A Regressão oral-digestiva

Sabemos que, no indivíduo adulto, as pulsões se organizam em torno da genitalidade, porém nessa época ressaltam também as pulsões oral-digestivas. Existem poesias que possuem um sentido oral-digestivo de coito, como as de Nicolas Guillen, dirigida a uma mulher: "Vou te beber de um trago como uma taça de rum".

Em função dessa configuração, ocorre como se o sujeito "deslocasse" seus conflitos genitais, aos conflitos de ordem digestiva.

Permitam-me os leitores uma breve digressão: se relembrarmos o famoso "Caso Dora", quando o Sr K. lhe beija, ela é tomada de uma extrema sensação de nojo. Contudo Freud nos diz que, na verdade, Dora teria sentido contra o seu corpo o pênis ereto do Sr K., concluindo que em Dora, como nas histéricas, de forma geral, vale a máxima onde "os histéricos deslocam sempre debaixo para cima".

Retomando, quando a conflitiva genital se desloca para à digestão, em psicanálise, dá-se o nome de regressão oral-digestiva da genitalidade. Dessa maneira, na exploração psicanalítica dos pacientes ulcerosos, devemos examinar detalhadamente a sua atividade genital, com as respectivas fantasias inconscientes e podemos traduzir os seus comportamentos oral-digestivos, a comportamentos genitais. Assim, pode-se encontrar a chave de muitos dos seus transtornos digestivos.


Tratamento Etiológico dos ulcerosos

Se entendemos a úlcera como sendo uma enfermidade de origem preferencialmente psíquica, conclui-se que o seu tratamento, quanto à etiologia, deve ser também psicológico.

Se a úlcera for curada apenas topicamente, entendemos que as conseqüências patológicas de uma personalidade neurótica, a qual persistirá no paciente, devem recidivar, na seqüência, sob outros aspectos.

James S. Browning e John H. Houseworth, se propuseram a pesquisar se a eliminação dos sintomas da úlcera por tratamento médico ou cirúrgico tópicos, levariam realmente a novos sintomas. A população considerada foi de 60 pacientes, tratados por medicamentos ou por gastrectomia subtotal. Os dados foram recolhidos um ano ou mais depois e um ano e meio depois deste primeiro exame.

Os pacientes tratados por medicamentos, depois desse tempo, não haviam apresentado melhora. Depois da cirurgia, os gastrectomizados, experimentaram uma melhora muito expressiva, quanto à sua sintomatologia prévia. No entanto, a sua melhora foi compensada, com um aumento evidente de seus sintomas neuróticos e psicossomáticos.

Qualificando cada um dos diversos sintomas em benignos, moderados e graves, para avaliá-los em conjunto, observou-se que o resultado total não variava, depois da gastrectomia, muito embora tenha sido obtida uma redução dramática dos sintomas ulcerosos. A conclusão dos autores é que isso ocorreria em decorrência da gastrectomia, em nada modificar, os conflitos psíquicos dos pacientes. Aqui, temos um paralelo direto com as cirurgias de redução de estômago, onde se torna imprescindível um acompanhamento psicológico pré e pós-cirúrgico.

Muito embora eu não tenha citado explicitamente no início deste trabalho, penso que o mesmo se configura como uma continuação e como uma ilustração das possíveis conseqüências clínicas, embora não exclusivas, que poderemos encontrar naqueles pacientes acometidos pelos fenômenos do "remorso" e do "ressentimento", os quais abordei em meu artigo anterior, denominado: "O Remorso" – Considerações teórico-clínicas.


Bibliografia

Ressentimento e Remorso

LUIS KANCYPER – A Psicanálise. Jorge Zahar editora.

ANGEL GARMA – TEORIA, CLÍNCA E TÉCNICA. Editora Artes Médicas

Estudos sobre a Histeria

SIGMUND FREUD – Obras Completas. Editorial Amorrortu.

Acesso à Plataforma

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