Hoje a Neuropsicologia é sem sombra de dúvida uma área da Psicologia que está em franca expansão. Grupos de estudo, cursos rápidos, pós – graduação tanto Lato quanto Stricto Sensu estão pipocando pelo Brasil, entretanto ainda existe uma grande quantidade de profissionais da área da saúde, incluindo.
O intuito desta Coluna é poder trazer à luz discussões teóricas, filosóficas, históricas e práticas, o campo da Neuropsicologia. Neste primeiro artigo abordaremos o que é a Neuropsicologia, como ela se define teoricamente e qual o papel do Neuropsicólogo na prática profissional.
Segundo Luria (1981), a Neuropsicologia é a área específica da Psicologia que tem como objetivo peculiar a investigação do papel de sistemas cerebrais individuais em formas complexas de atividades mentais.
Assim Luria acreditava que o propósito da Neuropsicologia era:"…generalizar idéias modernas concernentes à base cerebral do funcionamento complexo da mente humana e discutir os sistemas do cérebro que participam na construção de percepção e ação, de fala e inteligência, de movimento e atividade consciente dirigida a metas." ( Luria,1981, p. 4).
Outros autores como Gil (2002) e Mello (1996) acreditam que a Neuropsicologia visa o estudo dos distúrbios cognitivos, emocionais e comportamentais, bem como o estudo dos distúrbios de personalidade provocados por lesões do cérebro, que é o órgão do pensamento e, portanto, a sede da consciência.
A Neuropsicologia surgiu no final do século XIX, início do século XX, estudando os soldados feridos de guerra, que tinham lesões cerebrais e alterações de comportamento, memória, linguagem, raciocínio – o que possibilitou maior compreensão do papel do cérebro comandando esses processos. Contudo, somente no final do século XX, que ganhou maior reconhecimento. Os anos 90 ficaram conhecidos como a "Década do Cérebro", uma vez que o aprimoramento de técnicas de neuroimagem possibilitou a confirmação das interações entre as funções cognitivas e as áreas cerebrais.
Segundo Andrade & cols. (2004), sua criação deu-se a partir da convergência de várias ciências como, por exemplo: a Psicologia experimental, destacando a importância do estruturalismo (Wundt), funcionalismo (James) e behaviorismo (Watson e Skinner), com a Neurologia focada nas alterações comportamentais e a fisiologia. A Psicologia experimental buscava a compreensão dos comportamentos humanos, das diversas formas de aprendizagem e das estruturas cerebrais responsáveis pelas funções cognitivas. A Neurologia das alterações comportamentais, por sua vez, buscava compreender como as lesões cerebrais se relacionavam com o funcionamento das cognições e dos comportamentos dos sujeitos.
Assim sendo com o estabelecimento da Neuropsicologia como campo integrador dessas multi – áreas, um novo e mais acurado método de investigação individual do sistema nervoso e suas complexas formas de atividades foi desenvolvido.
Além de elucidar os mecanismos de ação por traz das funções cognitivas e dos comportamentos, a Neuropsicologia tem um papel clínico bem definido que é o de atuar no diagnóstico e conseqüente estabelecimento de programas reabilitatórios para indivíduos com qualquer tipo de seqüela neuronal.
O papel do Neuropsicólogo
O Neuropsicólogo hoje é um profissional que atua em diversas instituições, desenvolvendo atividades como diagnóstico, reabilitação, orientação à família e trabalho em equipe multidisciplinar. Os principais locais onde o Neuropsicólogo é requisitado incluem: instituições acadêmicas (pesquisa, docência), hospitais (avaliações pré e pós-cirúrgica), juizados (avaliação e perícias), clínicas (avaliação, reabilitação e pesquisa), consultórios privados e atendimentos domiciliares (reabilitação).
Além disso, fornece dados objetivos e formula hipóteses sobre o funcionamento cognitivo, atuando como auxiliar na tomada de decisões de profissionais de outras áreas, fornecendo dados que contribuam para as escolhas de tratamento medicamentoso e cirúrgico.A Neuropsicologia tem um histórico grande de estudo de indivíduos que tinham transtornos e seqüelas que envolviam o cérebro e a cognição. Ainda hoje a grande parte da população que procura um Neuropsicólogo vem encaminhada por Psicólogos, Psiquiatras e Neurologistas. Essa população de pessoas que sofreram algum tipo de transtornos e/ou seqüelas, é a grande maioria, entretanto existe uma pequena parcela que procura o Neuropsicólogo por preocupações de desempenho cognitivo, como por exemplo, um esquecimento, ou uma falta de concentração em atividades, gerando assim um campo que poderia ser chamado como "Neuropsicologia Preventiva".
Em 2004 o Conselho Federal de Psicologia reconheceu a Neuropsicologia como especialidade da Psicologia (Resolução CFP Nº 002/2004), com isso algumas diretrizes sobre a Neuropsicologia foram escritas pela primeira vez de forma reconhecida por um órgão regulador do Psicólogo Brasileiro.
Segundo o CFP existem 3 campos de atuações que são fundamentais na profissão do Neuropsicólogo:
1. Diagnóstico – Através do uso de instrumentos (testes, baterias, escalas) padronizados para avaliação das funções cognitivas, o Neuropsicólogo irá pesquisar o desempenho de habilidades como atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, visuoconstrução, afeto, funções motoras e executivas. Esse diagnóstico tem por objetivo poder coletar os dados clínicos para auxiliar na compreensão da extensão das perdas e explorar os pontos intactos que cada patologia provoca no sistema nervoso central de cada paciente. A partir desta avaliação Neuropsicológica é possível estabelecer tipos de intervenção, de reabilitação particular e específica para indivíduos e/ou grupos de pacientes com disfunções adquiras ou não, genéticas ou não, primariamente Neurológicas ou secundariamente a outros distúrbios (Psiquiátricos).
2. Tratamento (Reabilitação) – Com o diagnóstico em mãos é possível realizar as intervenções necessárias junto aos pacientes, para que possam melhorar, compensar, contornar ou adaptar-se às dificuldades. Essas intervenções podem ser no âmbito do funcionamento cognitivo, ou seja, no trabalho direto com as funções cognitivas (memória, linguagem, atenção, etc.) ou com um trabalho muito mais ecológico, no ambiente de convivência do paciente, junto de seus familiares, para que atuem como co-participantes do processo reabilitatório; junto a equipes multiprofissionais e instituições acadêmicas e profissionais, promovendo a cooperação na inserção ou re-inserção de tais indivíduos na comunidade quando possível, ou ainda, na adaptação individual e familiar quando as mudanças nas capacidades do paciente forem mais permanentes ou de longo prazo.
3. Pesquisa – A pesquisa em Neuropsicologia envolve o estudo de diversas áreas, como o estudo das cognições, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o funcionamento cerebral. Para tais pesquisas o uso de testes Neuropsicológicos é um recurso utilizado, para assim ter um parâmetro do desempenho do paciente nas determinadas funções que estão sendo pesquisadas. Atualmente o uso de drogas específicas, para estimulação ou inibição de determinadas funções, tem sido usadas com freqüência para observar o comportamento e o funcionamento cognitivo dos sujeitos em dadas situações. Outra técnica que muito tem contribuído nas Neurociências e com grande especificidade na Neuropsicologia é o uso de neuroimagem funcional por Ressonância Magnética (fMRI) e tomografia funcional por emissão de pósitrons (PET-CT) que permitem mapear determinadas áreas relacionadas a atividades específicas, como por exemplo recordação de listas de palavras durante o exame. Portanto, fica claro que a Neuropsicologia é um campo de trabalho e de pesquisa emergente, tanto para a Psicologia, quanto para as Neurociências, avançando e contribuindo de forma única para a compreensão do modo como pensamos e agimos no mundo.
Referências
ANDRADE, V.M., SANTOS, F.H., BUENO, O.F.A. (2004). Neuropsicologia Hoje. São Paulo: Artes Médicas.
CFP – Conselho Federal de Neuropsicologia. (2004). Resolução nº 2 / 2004
Reconhece a Neuropsicologia como especialidade em Psicologia para finalidade de concessão e registro do título de Especialista. http://www.pol.org.br/legislacao/doc/resolucao2004_2.doc. Brasília.
Gil, R. (2002). Neuropsicologia (2ª. ed.). São Paulo: Santos.
LURIA, A.R. Fundamentos de Neuropsicologia. (1981). São Paulo: EDUSP.
MELLO, C.B., MIRANDA, M.C., MUSZKAT, M. (2006) . Neuropsicologia do Desenvolvimento: Conceitos e Abordagens. São Paulo: Menmon Edições Científicas.