Em relação à sua origem como função biológica, a consciência passou por várias etapas evolutivas. No desenvolvimento da consciência admite-se que o trabalho tenha sido um dos fatores mais importantes para a transformação do psiquismo dos animais superiores em consciência humana. Ao destacar este papel do trabalho, diz Guiliarovski: "Agindo sobre a natureza, no processo do trabalho, o homem toma consciência e descobre a constituição e as qualidades dos objetos, estabelece os laços necessários entre os fenômenos. No processo de trabalho adquire também consciência de suas próprias relações com o ambiente, e com as pessoas que participam com ele do trabalho social".
Proponho montar uma chave dicotômica que dê conta de uma paulatina, mas, permanente transformação dos entes vivos de nosso planeta. Esses entes irão se tornar cada vez mais complexos, isto é, partindo de atividades genéricas para as mais específicas, aumentando seu poder de resolução para problemas de adaptação e eficiência no seu meio ambiente natural. Trata-se de um processo em contínua evolução, no sentido de ordem e progresso, como diriam os positivistas. Muito tempo foi gasto neste fenômeno evolutivo, pois, deu-se lenta e fracionadamente. Acredito também, que sem grandes saltos e sem previsões, isto é, cegamente. À evolução natural coube utilizar-se de mecanismos seletivos, preservando os entes com maiores probabilidades de sobrevivência, a si e a seus descendentes.
Como um simples exemplo, essa chave dicotômica, nos moldes aristotélicos, poderia assim se iniciar (a progressão evolutiva de nossa linhagem Homo sapiens sapiens segue em caracteres maiúsculos):
1. ENTES ORGÂNICOS – (entes inorgânicos) –> 2. REPLICANTE – (não-replicantes) –> 3. COM ESTRUTURA CELULAR – (sem estrutura celular) –> 4. COM NÚCLEO – (sem núcleo) –> 5. HETERÓTROFOS – (autótrofos) –> 6. METAZOÁRIOS – (protozoários) –> 7. CORDADOS – (invertebrados) –> 8. VERTEBRADOS – (protocordados) –> 9. COM MANDÍBULA – (sem mandíbula) –> 10. HOMEOTÉRMICOS – (pecilotérmicos) –> 11. MAMÍFEROS – (aves) –> 12. BÍPEDES – (quadrúpedes) –> 13. HOMINÍDEOS – (antropomorfos) –> 14. Homo sapiens –> 15. Homo sapiens sapiens –> (?)
Sabe-se que os critérios para estruturar uma dicotomização são infindáveis. O aqui empregado abrangeu vários vértices: físico, químico, anatômico, funcional, até chegarmos no último estágio: os sencientes e os autoconscientes. É possível, neste esquema, acompanharmos a evolução da complexidade orgânica (e mental), para contemplar um maior e melhor sucesso na vida dos seres na terra.
Minha idéia é demonstrar que a origem da consciência não foge aos correlatos desta linhagem natural evolutiva.
Em torno da consciência busco, ao longo do processo da evolução natural dos seres vivos, o fenômeno da emergência de qualidades novas e imprevisíveis nos níveis hierárquicos mais elevados. Interpretamos a consciência não como um resultado inexoravelmente certo de ser atingido, a partir de determinados antecedentes, mas sim, como uma emergência, isto é, um fenômeno não previsto a partir dos eventos que a precederam no tempo. Se levo a água a 0°C, obtemos gelo. Isto é uma propriedade resultante conhecida e esperada. Nada de novo, de surpreendente, de inexplicável, surgiu neste fenômeno. Isto não é uma emergência.
Alguns neurofilósofos usam a expressão consciência biológica, que provoca grandes equívocos, para explicar o "comportamento" de seres vivos primitivos, como os protozoários, por exemplo; isto é uma antropomorfização de suas respostas aos estímulos do meio ambiente. Neste sentido, consciência biológica seria algo igual a instinto, em vertebrados superiores, ou, simplesmente, a vitalidade: conjunto de eventos biofisicoquímicos que garantem a permanência da vida. É tarefa difícil, a de se conceituar o que é vida. Diríamos que é dar ao ser, basicamente, a capacidade de:
1. responsividade aos estímulos dos meios interno e externo ao organismo;
2. irritabilidade do protoplasma vivo = excitabilidade + condutibilidade + contratilidade;
3. autoreplicação;
4. manter a ordem vital por anentropia;
5. produzir energia, para ativar o seu metabolismo, pela ingestão de nutrientes.
Não confundir o processo vital com simples reações fisicoquímicas dos seres brutos (não-vivos) com o meio ambiente, tão somente, obedecendo, passivamente, às Leis Naturais. É o que acontece com fenômenos, tais como: a osmose através de membranas semipermeáveis; as propriedades coligativas da matéria; o comportamento do soluto em solventes, saturados ou não; as misturas de substâncias insolúveis entre si; ao comportamento das micelas em estados coloidais, apresentando movimento browniano (provocado pelo choque das partículas do soluto com as moléculas do solvente); na física quântica: com a indeterminação das partículas subnucleares, comportamento "inteligente" do complexo partícula/onda, da sincronicidade ondulatória à distância etc. Para isso tudo acontecer não há a necessidade do milagre da Vida.
Mais um exemplo: confundir o "comportamento" de uma molécula de NaCl na água, ou de gotículas de óleo lançadas em meio à água, ou de bolhas de sabão no ar etc., com o "comportamento" de uma bactéria ou de um protozoário em um meio qualquer: temos aqui de levar em conta a fundamental e indispensável ação da membrana celular lipo-protêica, envolvente e protetora do protoplasma, com fenômenos ativos de permeabilidade no sentido de preservar a vida.
Considero os seguintes filos de invertebrados (com alguns poucos exemplos), pela ordem crescente de evolução: 1. poríferos (as esponjas); 2. celenterados (os corais, as medusas, as águas-vivas, a anêmona-do-mar); 3. platelmintos (os vermes chatos, tais como, as tênias, a planária); 4. asquelmintos (os vermes cilíndricos, tais como, as lombrigas); 5. anelídeos (os vermes segmentados, tais como, a minhoca, a sangue-suga); 6. moluscos (polvo, lula, caracóis, caramujos, ostras); 7. artrópodes (insetos, aranhas, escorpiões, camarões, lagostas, siris, caranguejos); 8. equinodermas (pepinos-do-mar, lírios-do-mar, serpentes-do-mar, ouriços-do-mar, estrelas-do-mar).
Os filos animais, começando pelos invertebrados na escala evolutiva, apresentam, inicialmente, uma rede nervosa, não sistematizada e sem controle, que apenas permite ao animal respostas difusas. É o que surge primeiramente nos celenterados (os poríferos, filo mais primitivo, ainda não possuem essa rede), aonde já se encontram células cujo protoplasma apresenta diferenciação predominantemente condutora (protoneurônios), e com seus prolongamentos espalhados de forma reticular. A partir dos vermes (chatos, cilíndricos e anelados) irá surgir um sistema nervoso organizado com gânglios: corpúsculos que englobam menos de dez corpos celulares neuronais; destes gânglios entram e saem sinais elétricos com informação por meio dos prolongamentos dos corpos celulares. Este é o Sistema Nervoso Ganglionar, Ventral e Maciço. A partir dos cordados – ciclostomados (lampréia) e vertebrados (peixes cartilaginosos, peixes ósseos, anfíbios, répteis, aves e mamíferos) – já se encontra um Sistema Nervoso Central (com encéfalo e medula espinhal), Dorsal e Oco. Observa-se uma evolução gradativa no continuum que vai da simples sensibilidade celular, em um extremo, até a consciência plena, no outro, realizando um processamento de informações na seguinte seqüência, por mim sugerida:
Alguns macacos antropomorfos (não em gibãos, mas certamente em orangotangos, gorilas e chimpanzés), alguns cetáceos, especialmente golfinhos, e talvez baleias, já apresentam, pelo menos, a autoconsciência (reconhecem-se diante de um espelho).
O instinto vital em insetos himenópteros, todos com vida social, promove comportamentos absolutamente desconcertantes de serem avaliados adaptativo-evolutivamente, difícil de não se fazer uma analogia muito próxima à inteligência dos vertebrados superiores. Formigas e abelhas atraem e seduzem os investigadores da etologia cognitiva.
No ser humano, tudo que for extra-córticocerebral será correlato ao extra-consciente. Nossa vida vegetativa, ou autonômica, é regulada por regiões subcorticais e, portanto, não-conscientes. É o resultado funcional do repositório que recebemos da sabedoria milenar evolutiva filogênica, isto é, de toda a escala animal que nos precede. Informação genética processada e salva em nossos arquivos de inestimável valor, pois foi aprovada por uma seleção natural implacável com o mais fraco ou menos competente.