Sou psicólogo e sempre atuei em organizações de tecnologias digitais, e por isso sempre ouvi perguntinhas engraçadas como “Que você faz lá? Faz terapia nos computadores?”
Tais indagações poderiam apenas me fazer sorrir, caso muitos vezes não tivessem sido feitas por gerentes e diretores de empresas do ramo. A presença de um “profissional de Humanas” em um ambiente marcantemente tecnológico e ocupado por engenheiros e profissionais de Computação gera mesmo questionamentos.
Penso que o mais importante deles é este: “Que você, psicólogo, tem a contribuir com esta organização?”
Para este artigo, enfocarei uma resposta em 3 partes que considero as mais basais na atuação do dito “psicólogo das tecnologias”.
São elas: Recursos Humanos, Processos e Usabilidade.
A – Recursos Humanos
Esta área não tem grandes mistérios para muitos psicólogos, a não ser talvez em onde será aplicada. Trata-se da aplicação de processos tais como recrutamento, seleção, treinamento & desenvolvimento, counseling, planos de carreira, etc, para otimizar as relações humanas de trabalho, visando objetivos estratégicos da organização.
Contudo, quero ressaltar que um RH Estratégico é mais importante que pode aparecer, num primeiro momento, a um diretor de empresa tecnológica não muito interessado nesse tema.
Pesquisas apontam que “a maioria dos problemas de projetos de software são de natureza organizacional, gerencial, humana e cultural” (ver o item 1 da Bibliografia, no final).
No Reino Unido, em 1991, os projetos poderiam ter uma redução de “25% no tempo gasto e um aumento de no mínimo 5% do lucro final se esses problemas fossem corrigidos” (item 1). Ora, raciocinem comigo: se os fatos são esses no Reino Unido, imagine em empresas brasileiras, que possuem uma tradição cultural bem distinta da famosa pontualidade britânica! E ainda, se os fatos eram esses em 1991, imagine agora, com projetos cada vez mais complexos e desafiadores em termos de gestão de equipes, incluindo agora até equipes que trabalham a distância.
“A pessoa certa no lugar certo” é o propósito da administração de RH. Profissionais bem selecionados, treinados, motivados, organizados. O que tenho observado em empresas de tecnologia é um quadro bem diferente deste. Notoriamente, os profissionais dessas empresas sofrem de graves problemas de comunicação. Alguns dizem que os tecnólogos tendem a ser difíceis em termos de team work, e há ainda quem defenda que quase todos tem uma certa vocação ao “autismo social” e a arrogância. Muitas vezes até pode existir liderança e eficácia, mas em termos gerenciais, atrasos, falhas inexplicáveis, mal entendidos sobre objetivos dos projetos, documentações inexplicáveis ou inexistentes e orçamentos comprometidos são uma constante que nem chega mais a chocar.
B – Processos Laborais
Se RH objetiva lidar com pessoas, pondo as certas no lugar certo, podemos dizer que sistematizar processos laborais consiste em tentar fazer as coisas certas acontecerem, da maneira certa. Trata-se de organizar como se faz o que é feito, para aumento de eficácia e eficiência.
Para tal, é preciso primeiramente responder: “Como, a nível tático e operacional, fazemos todas as tarefas que constituem o trabalho nesta empresa?”
Se você acha isso simples, uma vez que trata-se de uma empresa de tecnologias, onde processos seriam objetivos e quantificáveis, reconsidere. Especialmente em se tratando de Desenvolvimento de Software, observa-se muitas vezes um puro intuicionismo e uma abordagem artística que pode ser perigosa em termos de replicabilidade de resultados.
Deborah Zouain (item 2 na Bibliografia), após ter estudado a natureza do trabalho realizado em organizações de tecnologia de ponta, constatou que a lógica organizacional dessas organizações tende a ser centralizadora. O processo, ou a ausência dele, é mais ou menos este: um pequeno grupo de elite da organização dita a forma como todos devem trabalhar. Um dia essa forma falha, ou essa elite se afasta por algum motivo, e a organização descobre que não sabe, de fato, como o trabalho é feito, em detalhes. A solução, aponta Zouain, passa pelo investimento preventivo em RH e pela sistematização terapêutica de processos, visando uma descentralização saudável.
C – Usabilidade
Por fim, mas não menos importante, falemos de como o psicólogo pode atuar no produto em si. (RH e Processos dizem respeito à forma como se produz, i.e., ao trabalho em si).
(ver item 3 da Bibliografia). Contudo, apesar de estarmos em 2007 e tantas revoluções no mercado terem sido possibilitadas pela qualidade em Usabilidade (como Não é de hoje que os peritos em software vêm falando que os desenvolvedores devem “se preocupar com a satisfação do usuário final” o iPod e tantos videogames), o que ainda se observa é que a empresa que desenvolve software tende a subestimar a importância de interfaces inteligentes e agradáveis em seus produtos. (Isto pensando em termos do usuário leigo que vai comprá-lo).
Observei diversas vezes que o Desenvolvedor, muitas vezes, parece estar sonhando que está desenvolvendo para si mesmo, ou para pessoas semelhantes a ele. Essa falta de orientação ao mercado consumidor, via de regra, foi prejudicial em todos os lugares que a constatei.
Gerir e incrementar a Usabilidade de um Sistema é uma função para o psicólogo que pode ser vista como herdeira do trabalho com Ergonomia. Nos dias de hoje é mais comum, contudo, encontrar engenheiros lidando com Ergonomia, assim como é mais provável nos depararmos com Designers peritos em Usabilidade.
Contudo, essa atividade está repleta de Psicologia, pois consiste basicamente em avaliar a percepção do usuário, a forma como interage com a interface, como aprende e desenvolve habilidades, bem como suas atitudes, representações, tomadas de decisão, etc. A gestão de Usabilidade também envolve processos de observação, dinâmica de grupo, psicometria, pesquisa-participante e tantos outros instrumentos clássicos do psicólogo.
Conclusão
Cada vez mais os produtos tecnológicos devem tocar o usuário, e não apenas em suas mentes, mas em seus corações e relacionamentos sociais. O psicólogo competente desponta como um profissional promissor numa indústria que, para desenvolver dispositivos melhores, precisa pensar melhor o ser humano.
Bibliografia
1. artigo “Projetct Manegement in the Information Systems and Information Technologies Industries”, do Projetct Management Journal,setembro de 2002, pag. 5
2. ZOUAIN, Deborah Moraes. Gestão de instituições de pesquisa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas – RJ, 2001, 256p.
3. Artigo de Hartman, F. & Ashrafi, R., no Institute’s 29th Annual Symosium, Long Beach, CA, USA, 1998.