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Sob a lente da psicanálise: O diabetes melito

Seguindo a mesma linha de investigação adotada no artigo sobre a Úlcera Gástrica, tentaremos, desta vez, abordar a grave doença denominada de Diabetes Melito, tentanto oferecer uma posível leitura sobre os seus fatores psicodinâmicos.
Seguindo na mesma linha do trabalho apresentado anteriormente, o qual teve como temática principal, a úlcera gástrica; vamos agora empreender uma tentativa de leitura, "sob a lente da psicanálise", sobre aquela que encontra-se como uma das maiores causadoras de morte no mundo, o Diabetes Melito, doravante denominada de DM.

Segundo Serrantes e Cardonet, 1969, o DM ocupa o terceiro lugar mundial, como geradora do número de óbitos.
"… e que a coisa não tinha remédio. E por dentro me mordia, me desgarrava, me corroia, até que a amargura se tornava uma doçura vergonhosa, maldita e, ao final, um indiscutível grande prazer…" (F. Dostoiévski, Memórias do Subterrâneo).

Departamento de pesquisa do centro de consulta médica Weizsaecker
Dr. Enrique Obstfeld

* I- Introdução: Weizsaecker(1950), contempla a enfermidade pensando que o processo fisiológico se comporta, no homem, como se uma intenção psicologicamente o animasse. Pesquisando as diferentes fantasias inconscientes, inerentes às representações corporais, desenvolvemos uma via de acesso à psicossomática, a qual transcende a dicotomia mente-corpo (Luis A. Chiozza). Essa forma de pensar a enfermidade somática, tem as suas origens nas idéias de Freud, Groddeck e Weizsaecker.

O conceito de Freud sobre as zonas erógenas e sua idéia de que os fins da pulsão, permitem deduzir a sua fonte, nos levaram a afirmar que: por tais componentes, próprios a cada órgão, parece adequado entender investimentos que configuram, sob a forma de representações ou fantasias, qualidades específicas dos órgãos que as originam.

Em 1895, Freud, no caso de Isabel de R., assinalou que os sintomas somáticos e a linguagem, extraem, talvez, seus materiais de uma mesma fonte inconsciente.

Uma retrospectiva histórica

Diabetes Melitus: idéias de diferentes autores sobre os psicodinamismos do diabetes.

Menninger e Daniels (1935-36), mencionam a freqüência de depressão e ansiedade na maioria dos pacientes diabéticos.
Palmer (1951), confirma a mesma opinião.

Dunbar, Wolfe e Rioch (1936), descrevem a personalidade dos diabéticos, afirmando que esses se descompensam depois de um período de grandes tensões e esforços e arrastam desde a infância dificuldades, tais como, a indecisão e a insegurança, oscilando entre a dependência e a independência, com a peculiaridade de serem passivos e masoquistas.
Mirsky (1939), sugere que a doença é o resultado de uma falha na adaptação psicofisiológica aos traumas sociais e que o estresse emocional é um mecanismo desencadeante num sujeito predisposto a fatores constitucionais.

A. Meyer, L. Bollmeier e Franz Alexander (1945), destacam que esses pacientes são enfermos oral-agressivos, com a tendência contraditória a rejeitar o alimento e o afeto que necessitam.
O desenlace dessa situação é uma dependência do tipo agressivo em relação à mãe. São sujeitos, com necessidades exageradas de afeto, nunca satisfeitas, cujos sentimentos de frustração se traduzem em reações de hostilidade.

Cremerius (1956), a partir da polifagia, um dos sintomas do DM, sustenta que ela se manifesta quando o instinto de comer já não compensa o conflito neurótico subjacente (estados paranóicos, agressivos e depressivos).

Hinkle e Wolf (1966), consideram que o DM é produto de uma deficiência de adaptação devida a insegurança física e emocional ocorrida na infância, provavelmente devido a uma rejeição dos pais, pelo nascimento de um irmão ou pela mãe.

Newburg e Camp (1966), afirmam que existem glicosúrias do tipo emocional. Meyer e colaboradores (1945) descreveram um caso tratado psicanaliticamente, onde uma vez solucionados os conflitos, não mais foi necessário, nem o regime e nem a insulina. Aqui, me parece prudente, citarmos a necessidade de um monitoramento sistemático do paciente, uma vez que não me parece seguro descartarmos a incidência de uma possível recidiva.

O feixe de inervação do afeto comprometido no DM

Freud, em 1926, afirmou que o afeto equivale a um ataque histérico, universal e congênito, como repetição de uma atividade motora outrora justificada.

Cada afeto é um movimento vegetativo que se realiza com uma modalidade típica, um processo de descargas cujas "últimas manifestações" são percebidas pela consciência, em uma série que vai das sensações somáticas, até os sentimentos nominados. A qualidade dessa descarga está determinada filogeneticamente por uma impressão mnêmica inconsciente, por um registro perdurável que Freud (1900) denominou "feixe de inervação" e que forma parte das idéias que atribuímos ao que ele chama de "inconsciente não reprimido"

A enfermidade somática, implica do ponto de vista metapsicológico, o deslocamento do investimento que não se realiza, como na neurose, sobre uma representação substitutiva, senão dentro do mesmo feixe de inervação dos afetos, de modo que alguns elementos do feixe recebam uma carga mais intensa em detrimento dos outros. Em outras palavras, toda enfermidade somática pode ser concebida como a decomposição de um afeto, em seu feixe de inervação.

Uma forma particular de melancolia: as células do diabético estão "empobrecidas e famintas" de glicose, enquanto que um excesso de glicose circula inutilmente no seu sangue, sem ser assimilada, pois não pode ser fosforilada. Isto nos parece equivalente à situação de "um pobre que aparenta riqueza", ou pelo menos "que aparenta mais do que tem."
Se levarmos em conta que o processo metabólico e de identificação, derivam de um mesmo núcleo de significação inconsciente, vinculado ao processo de assimilação (Chiozza).

Compreendemos que a dificuldade metabólica representa, ao mesmo tempo, um déficit na capacidade de identificação do Eu.
Sabemos que os ideais não materializados podem ser sentidos como "perdidos", e adquirem a qualidade de um objeto inconsciente adormecido. Esta situação pode manifestar-se clinicamente, como uma forma especial de melancolia.

Podemos dizer, então, que o diabético se comporta em seu distúrbio metabólico, como alguém que é vítima de uma forma particular de melancolia, dissipa, esbanja o que mais necessita, "negando e representando um ato de submissão inconsciente".

Alguns traços diabéticos caracterológicos: Freud, em 1917, afirma que os conceitos de regressão e fixação são inseparáveis, já que ante frustrações importantes nas etapas posteriores, sempre regressa a um ponto de fixação, determinado por uma situação traumática, durante a primazia de determinada zona erógena. Os traços do caráter diabético podem estar presentes, sem o padecimento orgânico correspondente. O aparecimento dos sintomas ocorre seguindo os "planos de clivagem", de desestruturação dos afetos, quando a sua conscientização é intolerável e pode-se dizer que a regressão ativa um "núcleo patossomático" da personalidade.

Segundo Chiozza, o substrato básico do caráter diabético consiste em uma forma particular de melancolia que, distinta da clássica melancolia, se manifesta por atitudes que caracterizamos com o termo "esbanjamento" e que é acompanhada em uma dificuldade de desfrutar, expressa por uma insatisfação perene.

O vínculo transferencial e a imago objetal do diabético: durante a análise, os pacientes diabéticos, ou com uma estrutura diabética do caráter, mostram-se submissos como se fossem "moles ou fofos", e costumam determinar contratransferências, nas quais predominam o desgosto e o incômodo, junto a intensos sentimentos de culpa, nem sempre conscientes.
Se o analista não compreende a origem inconsciente de seus sentimentos, pode ficar preso em uma transferência concordante que o levará a sentir-se um imprestável. Ou, ao contrário, escapando da identificação concordante com a pobreza que corresponde ao distúrbio insulínico, ingressará na atitude complementar mais freqüente, durante a qual, identificado com o ideal, tenderá a oferecer, substitutos inúteis da interpretação, como uma mãe superprotetora e culposa, que produz submissão, fastio e carência.
Na tarefa analítica desses pacientes, o terapeuta costuma sentir a sensação de que, apesar de elogiarem freqüentemente suas interpretações, nunca ficam satisfeitos com elas. O ódio, proveniente da insatisfação que o indivíduo reprime, o leva, por medo à represália, a tentativa de apaziguar o analista, "dando-lhe o doce", mediante adulações e elogios que o enjoam e o letargiam. Se também essa sensação de "enjoamento" fracassa, o paciente regride ao estágio de resignação letárgica, concordante com as descrições de Weizsaecker (1950).

Freud afirma que as antigas instâncias do Eu, que persistem no Id, podem adquirir nova vida, e perdurar como disposições inconscientes ao desenvolvimento de afetos ou transtornos reativos pela regressão.

A imago mãe "enjoativa" em um conto infantil
Joãozinho e Maria

Sabemos que os contos infantis possuem a qualidade de realização de desejos; daí a insistência das crianças em escutá-los várias vezes, podemos dizer, numa tentativa de elaboração psíquica.

Mas, se interpretarmos os contos de modo similar à interpretação dos sonhos, podemos observar a existência de uma gênese traumática, o que nos permite inferir que a sua repetição, constitui uma tentativa fracassada de elaborar as fantasias inconscientes.

Em Joãozinho e Maria é narrada a história de duas crianças, pertencentes a uma família em grave crise econômica. A madrasta convence o pai das crianças a abandoná-las no bosque. A primeira tentativa fracassa graças à astúcia de Joãozinho, que consegue marcar com pedrinhas o caminho de volta a casa. Numa segunda vez, ele é obrigado a espalhar migalhas de pão, as quais são comidas pelos passarinhos. Perdidas, depois de um tempo encontram uma casa rodeada de doces. Seduzidas, são enganadas pela bruxa, que quer engordá-las para depois comê-las.

"Dar o doce", na linguagem popular significa atrair alguém, para na seqüência, prejudicá-lo, o que imita de certo modo o que ocorre no organismo diabético.

Joãozinho consegue enganar a bruxa, fingindo que não estão engordando, e quando a bruxa percebe, já estão fortes o bastante para jogá-la no forno. Recuperam assim a liberdade e levam o ouro da bruxa, com o qual conseguem ajudar o pai.

A figura da madrasta má, representante de um abandono materno "filicida", se equipara no conto com a perda do alimento. Esta situação, maniacamente negada e transformada na "casinha doce" que se come, reaparece, porém na bruxa que tenta comer o faminto. Tanto a madrasta como a bruxa são representantes da imago da mãe má "enjoativa". O final feliz onde enganam a bruxa e ficam com o ouro, é um cumprimento de desejos que encobre a gênese traumática à submissão a uma imago de mãe enjoativa e tanática.

Nosso principal intuito, com a realização desse trabalho, foi o de trazermos a público que, muito embora estejamos diante de uma grave enfermidade certamente de base orgânica, nada nos impede de realizarmos uma tentativa, daquilo a que chamamos de "psicologizar a problemática", tentando sempre o encontro de uma alternativa de uma "leitura" possível. Tendo lançado por terra, a antiga dicotomia mente-corpo, procuramos sempre um enfoque multidisciplinar.

Orientação bibliográfica

"Os afetos ocultos em…"

Psoríase, asma, transtornos respiratório, varizes, diabéticos, transtornos ósseos, cefaléias e, acidentes cérebro-vasculares.

de Luis A. Chiozza (Org.). Casa do Psicólogo – Livraria e Editora.

One thought on “Sob a lente da psicanálise: O diabetes melito”

  1. falou falou.. bonito, mas não disse nada, é como observar a merda, mexer e remexer e ficar na merda.

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