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Um objetivo a cumprir!

Há 94 anos um pesquisador recém doutorado pela Universidade de Chicago lançou um breve texto. Orientado por James Rowland Angell esse estudioso propunha uma nova forma e objeto de estudo, um novo paradigma. Escreveu seu texto de forma clara e em poucas páginas, foi sincero e instigante, direto e revelador. Estava encantado com o que tinha descoberto.

Fascinado pela beleza dos laboratórios, pela riqueza de suas pesquisas e pelo sabor de suas novas idéias acreditava que seu texto iria produzir doces e saborosos frutos. No primeiro parágrafo do seu texto falava que “A Psicologia […] é um ramo puramente objetivo e experimental da ciência natural” e que “ Seu objetivo teórico é a predição e o controle do comportamento”. Afirmava não reconhecer a “[…] linha divisória entre o homem e os animais irracionais” e dizia que “O comportamento do homem, com todo o seu refinamento e toda a sua complexidade, constitui apenas uma parte do esquema total de pesquisa […]”. Estava preocupado por que na sua época os Psicólogos estudavam seus objetos de duas maneiras: diziam atestar a existência de uma “consciência” ou “inteligência” e faziam isso observando o comportamento de seres humanos, enquanto outros se arriscavam em estudar o comportamento de animais (Psicologia Comparada) e fazer analogias entre o comportamento destes últimos e a “consciência” ou “inteligência” do ser humano.

Este pesquisador, assim como outros, acreditava que ficava um tanto constrangedor observar um gato e dizer que ele tinha “consciência”! Já pensou um gato com “consciência” ou uma tartaruga com “inteligência”!Em 1901, por exemplo, o pesquisador Robert Mearns Yerkes escreveu um artigo chamado “A inteligência da tartaruga”! Também não via muita vantagem na maneira que os primeiros Psicólogos estudavam seus objetos por que ficava difícil observar um fenômeno da natureza e supor a existência de algo que ele não poderia observar, ou seja, sentir. Ele dizia que “Parece ter chegado o momento em que a Psicologia precisa afastar toda referência á ‘consciência’; em que já não precisa iludir-se ao pensar que faz dos ‘estados mentais’ o objeto de observação. Ficamos tão mergulhados em questões especulativas referentes aos elementos da ‘mente’ a natureza do conteúdo consciente (…) que eu, como estudante experimental, sinto que algo está errado com nossas premissas e com o tipo de problemas que se desenvolvem a partir deles. […]

Duvido que um Psicólogo consiga apresentar um conjunto de afirmações que descrevam o que entende por ‘sensação’, e que consiga o acordo de três outros Psicólogos com formação diferente”. Este pesquisador afirmava que “A Psicologia tal como é pensada, tem algo se esotérico em seus métodos.[…] Ataca-se o observador e não a situação experimental.[…]Na Física e na Química, criticam-se as condições experimentais. O aparelho não era suficientemente sensível, foram usados reagentes impuros, etc. Nessas Ciências, uma técnica melhor apresentará resultados que podem ser repetidos.

Na Psicologia a situação é diferente”.Dizia que “Pode-se supor [grifo meu] a presença ou a ausência da ‘consciência’ em qualquer ponto da escala filogenética, sem que isso tenha qualquer influência nos problemas do comportamento; sem que influa de qualquer modo, no seu estudo experimental. Ao contrário não posso supor [grifo meu], por um momento que seja, que o paramércio responda á luz, que o rato aprenda mais rapidamente se trabalhar cinco vezes por dia na tarefa, em vez de trabalhar apenas uma, ou que a criança apresente platôs em suas curvas de aprendizagem. Estas questões ligam-se fundamentalmente [grifo meu] ao comportamento e precisam ser decididas por observação direta, e sob condições experimentais [grifo meu]”.A Psicologia é um dos conhecimentos que mais se sustenta em suposições. O referido pesquisador não era contra o estudo do comportamento dos animais. Ao contrário da maioria dos Psicólogos da época acreditava que o estudo do comportamento dos animais poderia gerar “esquemas gerais de estudos”, ou seja, “conhecer métodos gerais e particulares pelos quais possa controlar o comportamento” mesmo ele sendo emitido por pássaros, por nativos de uma tribo australiana ou um europeu e sabendo-se ainda que as tentativas de “verificar os estímulos que provocavam tais ajustamentos eram realmente grosseiras” e conseqüentemente as “tentativas de controlar o comportamento e provocar respostas” não obtivessem muito êxito.

A Psicologia que esse pesquisador tentava construir “consideraria como ponto de partida, em primeiro lugar, o fato observável de que os organizamos, tanto humanos quanto animais, se ajustam a seus ambientes através de bagagem hereditária e de hábitos. Tais ajustamentos podem ser muito inadequados ou podem ser tão inadequados que o organismo mal mantém sua existência; em segundo lugar, alguns estímulos levam os organismos a apresentar as respostas. Num sistema de Psicologia inteiramente desenvolvido, dada a resposta é possível predizer o estímulo; dado o estímulo; é possível predizer a resposta. Esse conjunto de afirmações é extremamente grosseiro e rude, tal como ocorre em todas as generalizações desse tipo. No entanto, é difícil dizer que sejam mais grosseiras e menos realizáveis do que as afirmações que aparecem  atualmente nos manuais de Psicologia […] Isso me conduz ao ponto em que desejo apresentar uma discussão construtiva. Acredito que podemos escrever uma Psicologia (…) e (…) nunca empregar os termos consciência, estados mentais, mente, conteúdo introspectivamente verificável, imagens e assim por diante”.Na época em que este Psicólogo escreveu as palavras acima não só ele, mas outros estavam angustiados.

A Psicologia Comparada estava acumulando um imenso número de estudos experimentais a respeito da aprendizagem animal (comportamento e não “consciência”), mas não os estava usados por que o método mais reconhecido na época era a instrospecção. Dizia que “A partir dessa suposição, os dados do comportamento (onde se inclui tudo que é estudado sob o nome de Psicologia Comparada) não têm valor per si. Possuem significação na medida em que podem esclarecer os ‘estados conscientes’. Tais dados precisam ter, pelo menos uma referência analógica ou indireta para pertencer ao domínio da Psicologia […] essa acentuação da analogia na Psicologia deixou o comportamentista um pouco desorientado. Como não deseja libertar-se do julgo da ‘consciência’, sente-se obrigado a dar-lhe um lugar no esquema do comportamento, onde pode ser determinado o aparecimento da ‘consciência'.

Esse ponto tem sido fugidio”O Psicólogo Experimental ao qual tanto me refiro no decorrer do artigo chamava-se John Broadus Watson e seu texto intitulava-se “A Psicologia como um Behaviorista a vê” ou como é mais conhecido “O manifesto Behaviorista”.Alguma coisa mudou na Psicologia desde que Watson escreveu seu texto, em 1913, para a Psichological Review? Algo de relevante aconteceu para que os trechos transcritos acima possam ser de certa forma, reconsiderados? Nesses 94 anos, algo na Psicologia evoluiu?Sim! É claro que algo mudou! A metafísica e o método que embasavam o Behaviorismo que Watson ajudou a fundar morreram. Já não existem mais. Deram lugar ao projeto científico de Skinner que tem como metafísica o Behaviorismo Radical e método a Análise Experimental do Comportamento gerando a Análise do Comportamento, uma Ciência Natural.

A Psicologia também mudou. Diversificou o conhecimento a respeito de objetos de estudo que não têm lugar no mundo natural, ou seja, que não podem ser localizados num tempo e/ou num espaço, que não podem de forma alguma ser percebidos pelos órgãos sensoriais; aprofundou as divergências quanto aos seus vários objetos de estudo; aumentou suas dificuldade em estabelecer uma linguagem compreensível a todos ou pelo menos á maioria dos Psicólogos e á sociedade; aumentou as críticas a respeito do fato de que o estudo do comportamento de organismos não-humanos ajuda a compreender o comportamento de organismos humanos; reforçou as objeções á tentativa de estabelecer esquemas gerais de estudo e descrição do comportamento dos organismos; estimulou a incompreensão e a inacessibilidade de clientes, de gestores públicos, de empresários, de instituições e de grupos a intervenções que tenham resultados expressivos e duradouros…Realmente a Psicologia mudou.

E o que não mudou na Psicologia? O que é que continua firme durante os últimos 94 anos desde que Watson escreveu seu Manifesto? O objetivo de construir uma Ciência do Comportamento. Isso não mudou!O que Watson queria era construir uma Ciência do Comportamento. Um conjunto de falas e ações que descrevesse os processos de funcionamento do comportamento para que pudéssemos resolver uma parte dos problemas humanos.

Esse conjunto de falas e ações seria construído por um método que tornaria o nosso conjunto de experiências mais compreensíveis e a partir disso poderíamos intervir nesse conjunto de experiências de forma estruturada, sob a garantia de experimentos falseáveis e observações sistemáticas. Usando conceitos operacionais, ou seja, que sempre pudesse se referir a fenômenos mensuráveis e/ou testáveis, essas intervenções seriam eficazes e generalizáveis assim como os seus conceitos.  Skinner ampliou profundamente a complexidade da Ciência do Comportamento construída por Watson. Skinner previu e lutou para que a descoberta de princípios gerais de funcionamento do comportamento humano e não-humano fosse utilizada para trazer benefícios á humanidade.

Hoje os principais problemas da Humanidade são problemas de comportamento. Não os problemas que comportamento das clínicas de Psicologia.Precisamos de uma nova concepção a respeito do funcionamento do comportamento. O problema é que uma nova concepção do comportamento humano muda tudo de uma só vez. A mudança na compreensão de nós mesmos e do nosso lugar no mundo provocaria mudanças magníficas na estrutura de funcionamento de instituições, de governos, de empresas, de culturas e de sociedades mais do que qualquer descoberta na Física, Química, Matemática ou Biologia.  “Estamos na beira do que se pode facilmente se tornar a hora final da civilização.

Nós nos tornamos completamente dependentes de sistemas políticos e econômicos que se apóiam numa concepção de comportamento humano fundamentalmente equivocada em vários aspectos importantes. Se é que vamos sobreviver às crises sociais que já se vislumbram mais à frente, precisamos fazer algumas mudanças simples, mas fundamentais, na maneira como vemos a nós mesmos, na maneira como controlamos o nosso próprio comportamento e o comportamento de demais membros da família, colegas de trabalho e o dos membros das nossas comunidades. Nos anos que virão nós enfrentaremos crise sobre crise. Prevê-se que o petróleo estará esgotado até 2045 no ritmo atual de consumo, mas este ritmo tem aumentado com regularidade.

Na proporção em que a criminalidade tem aumentado na América, logo será difícil par um criminoso encontrar um cidadão de bem a quem ele possa vitimar. O custo do sistema prisional já representa hoje um ônus elevado para uma economia mundial fragilizada. Se o crescimento populacional prosseguir sem controle, estima-se que a população humana mundial irá ultrapassar a capacidade do planeta em alimentá-la já no próximo século. O desmantelamento da União Soviética tornou impossível o controle e a regulamentação das armas nucleares. Com armas nucleares sendo vendidas pela melhor oferta, a probabilidade de um acidente nuclear acidental ou intencional elevou-se a um valor inaceitável.

A desregulamentação do comércio internacional levou muitos países a descobrir que é lucrativo baixar os custos imediatos da produção através de práticas industriais e manufatureiras que causam danos permanentes ao meio ambiente. Ecologistas receiam um colapso dos ecossistemas naturais do planeta nas próximas décadas. Na medida em que o aquecimento global e a degradação da camada de ozônio continuam, cresce a possibilidade de uma nova idade do gelo concomitante a ecossistemas oceânicos moribundos, tendo como conseqüências a perda de recursos alimentares essenciais. Junte tudo isso com o fato de que o câncer, as doenças cardiovasculares e outras doenças do “estilo de vida” continuam vitimando um número cada vez maior de pessoas, ao mesmo tempo em que a AIDS cresce ainda mais rapidamente, e você terá uma boa imagem do planeta na beira do colapso.

Ao lidarmos com estas crises, estaremos face a face com a sua causa primária: uma compreensão inadequada das forças que regulam o comportamento humano. Neste ponto, nós, como partes individuais da nossa sociedade, temos uma oportunidade de corrigir esta compreensão inadequada e promover a transição para um entendimento mais rico do comportamento humano (REED, 2003)”A palavra “objetivo” é um substantivo que na forma verbal assume o significado de “tronar real ou existente”, “materializar”. O objetivo de construir uma Ciência do Comportamento assumido por Watson em 1913  já não mais pode ser sinônimo de sonho, de fantasia.

A Ciência do Comportamento já é realidade; caba a nós ajudar a estruturá-la e divulgá-la.  

Referências Bibliográficas 

Prefácio do curso virtual “Behavior Analysis” do Dr.Reed, traduzido por Roosevelt Riston Starling em Maio de 2003. WATSON, J.B. A Psicologia como um Behaviorista a vê. Textos básicos da História da Psicologia (Livro de Richard J. Herrnstein e Edwin G. Boring), 1971.

Anderson de Moura Lima

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