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“Toda longa estrada começa com o primeiro passo”

Se não me falha a memória,esta frase foi proferida por Confúcio,poeta chinês. A minha intenção com este artigo é tentar transpor esta frase,para a posição de uma metáfora pertinente à condição humana.

Não é um trabalho onde eu me proponho realizar uma abordagem estritamernte técnica de uma determinada temática,mas sim,me proponho a pensar junto com os leitores do mesmo,sobre essa nossa condição inexorávelmente humana.

Me lembro de um jovem que eu atendi faz muito tempo,que pensava em ser médico.Contudo,quando se punha a pensar em como seria o seu trabalho,me dizia com grande freqüência,que não se imaginava entrando no hospital ,se dirigindo ao andar e depois ao quarto do paciente a quem iria visitar.Que ,na sua fantasia,se via já dentro do quarto do paciente,não tendo que passar pelas etapas anteriores que se faziam necessárias para a consumação do seu objetivo.

Vale lembrar aqui,que tratava-se de um único filho de um casal onde a mãe nítidamente assumia em relação a ele,uma posição de extrema proteção.Sim,trata-se como devem estar pensando,da mesma proteção que acabará por desprotege-lo ao longo da vida.

Uma outra lembrança que me ocorre,é a de que,já estando na faculdade de medicina,um dia vem à sessão muito revoltado com um determinado professor.Para que eu pudesse entender melhor sobre o que havia ocorrido,me contou que em meio a uma aula,onde haviam umas cento e poucas pessoas,havia feito uma pergunta ao tal professor,ao que o mesmo havia lhe respondido muito rápidamente,tendo prosseguido com a aula. Me lembro de ter dito a ele,que realmente "o mundo" não iria tratá-lo como ele se sentia tratado pela mãe.

Nesse sentido,podemos notar com uma certa freqüência,na clínica,que em certos pacientes,começar com o primeiro passo para concluir a caminhada futuramente,é algo que lhes incomoda sobremaneira. Trata-se de uma inquietação que,a meu ver é procedente de seu narcisismo,o qual sentem como que absolutamente ameaçado,quando tem que seguir o ritmo natural das coisas da vida. É como que,com o "passaporte" e seu narcisismo,pudessem furar a fila da realidade,fila essa,na qual todos nós temos que aguardar a nossa vez.

Devemos ter claro que não procuraremos mudar a realidade externa,mas sim procuraremos,com todo empenho,mudarmos a realidade interna do sujeito,a sua visão de mundo e à sua óptica pela qual vê as coisas.

Se permanecer desta forma,estará se armando as próprias armadilhas,nas quais cairá e delas sairá cada vez mais frustrado. Ainda considerando o exemplo clínico citado,poderíamos dizer que para aquele paciente,não existiriam filas e,se existissem,ele estaria sempre no primeiro lugar.Seria como que ocupar a "pole position",mas sem ter disputado a prova que a teria estabelecido.

A primeira impressão que essas pessoas causam nos leigos,é a de que tem o "rei na barriga",que são pedantes ao extremo e que não conseguem ver o outro.Porém,se olharmos mais de perto e com um olhar clínico,veremos que

,além de toda essa impressão,trata-se de pessoas extremamente inseguras de seu próprio valor e que tem que aferí-lo de cinco em cinco minutos.

Acabam tomando verdadeiras "surras" da vida,a qual para eles é implacável e injusta. Na verdade assumem esssa postura onipotente para se defenderem da profunda impotência da qual padecem,devendo aquí ficar claro que a onipotência deve ser entendida enquanto defesa.

Se pensarmos em como é concebida uma psicanálise,também poderíamos dizer que estaríamos diante de uma longa estrada e que muitas pessoas tem o receio de darem o primeiro passo e de nunca chegarem ao seu destino,contudo penso que o que deve ser levado em conta ,é o tempo da neurose,ou,como dizem alguns,não importa a idade do paciente,mas sim a idade da neurose. Além do que o tempo de duração de um tratamento dessa natureza também vai depender da dupla analítica em formação.

A dupla analista-analisando é absolutamente única e sem par e a produtividade que deve ser enfocada é a desta dupla e não a do trabalho de cada um individualmente. Na verdade,se nos ativermos ao setting analítico,o que podemos saber é quando começa uma análise,mas quando termina é uma incógnita. Sabemos da existência das chamadas terapias breves,as quais tem início e fim pré-determinados.Mas,sabemos também que elas tem a sua aplicabilidade em problemas focais,pontuais e,portanto existem aqueles que acham que podem trabalhar por um tempo pré-determinado. Não mantenho uma postura crítica em relação à essa abordagem,apenas é um modelo que não me cabe,não é sintônico com a minha forma de ver e de fazer as coisas.

Gostaria agora de tentar chamar a atenção dos leitores deste artigo,para o fato de que ,numa tentativa de driblar essa "longa estrada" que seria uma psicanálise,muitas vezes as pessoas apelam para tratamentos aparentemente mais breves,como por exemplo,o tratamento medicamentoso.

Ocorre que temos podido observar diretamente vários casos e que temos notícias de tantos outros,onde o paciente começou a tomar a medicação por prescrição médica,mas uma vez tendo se sentido melhor,não só não voltou mais ao médico para uma reavaliação,como teve como conseguir remédios sem receita médica,ou ainda que conseguiu receita através de "amigos" médicos,como se fosse uma camaradagem.

Essas pessoas acabam sendo vitimadas pela instalação de uma dependência química,bem como psicológica e acabam por tomar essa mesma medicação quase ou totalmente para todo o sempre.

Vivendo a ilusão de poderem percorrer uma estrada curta,acabam por percorrer uma estrada extremamente longa e,muitas vezes sem volta.

É claro que cada caso tem que ser cuidadosamente avaliado como sendo único e,a partir daí traçadas as metas terapêuticas,mas via de regra,penso que poderíamos dizer que mais vale uma longa estrada que possa ser percorrida com segurança e acompanhamento,do que uma estrada aparentemente mais curta,mas que na verdade o paciente fica enredado indefinidamente.

Assim,verifica-se a importância do primeiro passo,sem o qual nenhuma estrada na vida,poderá  vir a ser percorrida no tocante à subjetividade humana.

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