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Considerações sobre o “Ficar”

Tema bastante recorrente, sobretudo na última década e que já se instalou, de forma aparentemente definitiva, no código de linguagem de nossos jovens.

O que me importa trabalhar nesse momento, é o que me parece tratar-se de um código de linguagem, compartilhado sim, porém não compreendido em toda a sua profundidade. O que significa para eles ‘ficar', quando estão ‘ficando'? O que fazem, enquanto ‘ficam'.

É óbvio que ao fazer essas interrogações, não estou me atendo aos aspectos eminentemente mecânicos, gestuais, em relação ao ‘ficar', mas sim, me atenho aos aspectos psicodinâmicos, ou seja, como é elaborada essa vivência intrasubjetivamente para cada um dos ‘ficantes'.

Trata-se aqui da criação de uma nova semântica, que traz em si uma profunda ambigüidade, no sentido de parecer querer dizer muito, mas, ao mesmo tempo, sem conseguir dizer nada. Escutamos jovens contabilizando o número de pessoas que beijaram numa "balada", sem que, muitas vezes, e até pelo efeito do álcool na melhor das hipóteses que acompanham essas aventuras, possam se lembrar sequer do nome das pessoas com quem estiveram.

Vemos que o aspecto humano acaba ficando reduzido ao seu potencial, enquanto algo da ordem do consumível. Existe toda uma objetivação, com a conseqüente redução do humano, muitas vezes à dimensão de uma boca, de um peito, perdendo-se assim, a noção do todo.

Parece-me que isso tem a ver com o fato de que quem fica, também encontrar-se fragmentado, parcializado.

Existiria um encontro parcial de seres parciais. Existia até pouco tempo atrás, um quadro dentro de um programa humorístico, onde a personagem, em determinado momento, simulava atender ao telefonema de um ator em destaque, onde ficava implícito que queria sair com ela. Depois de se fazer de difícil nos primeiros momentos, acabava concordando em sair com a pessoa, e quando desligava a tal ligação, dizia que queria "beijar muito".

Nessa fragmentação a que me refiro, parece que estamos diante de uma vivência esquizofreniforme, onde a boca pareceria ser tomada como o todo da pessoa, num primeiro momento, para em seguida ir sofrendo um processo de deformação, aos olhos de quem vê.

Sabemos que em Física, os semelhantes se repelem e os opostos se atraem, mas quando entramos no terreno das relações humanas, podemos notar que muitas vezes, os semelhantes se atraem e partindo dessa premissa, no tocante ao "ficar", verificamos que o fragmentado, o parcial, é atraído e atrai, o fragmentado, o parcial, onde temos que: um mais um não são dois, mas sim dois pedaços, dois fragmentos, duas partes.

Há cada vez mais uma crise de identidade e, conseqüentemente, uma crise no compartilhamento dessas identidades. Ocorreu-me agora a lembrança de um filme que assisti há muitos anos. Chamava-se "O Último Tango Em Paris".

Se não me falha a memória, e é quase certo que não, um homem e uma mulher se conhecem na medida em que ambos vão visitar um apartamento que estavam querendo alugar. Em lá chegando, acabam trocando ínfimas palavras e acaba por nascer uma intensa atração física entre eles.

Muito bem, existia quase que um contrato implícito de que não iriam querer se conhecer mais do que aquela atração que estavam sentindo mutuamente.

Ficou pré-estabelecido que se encontrariam ali, no mesmo lugar, no mesmo horário em que se conheceram. E assim foi, durante algum tempo: encontravam-se ali e se exploravam fisicamente de forma extremamente intensa, e quando da parte de um deles, havia um mínimo movimento no sentido de um pequeno aprofundamento, por mais raso que fosse da relação, era repreendido imediatamente pelo outro, e acabavam voltando para o estágio anterior, do qual, aliás, nunca saíram.

Lembro-me perfeitamente naquela época, de ter achado tudo aquilo muito non sense, uma vez que nem o nome, um do outro, sabiam.

Acho, que não seria exagerado dizer que hoje, nos carnavais e baladas por aí afora, o que há é um encontro, esse ainda relativo de bocas e outras partes do corpo, não passando nem de perto, a possibilidade de um encontro de almas, de espíritos.

Muitos poderão dizer, mas quem está ali, não está interessado nessas coisas mais profundas. Quero apenas ressaltar que não desconheço esse aspecto, mas o que quero aqui bem frisar, não recai sobre aqueles que não querem, mas sim, sobre aqueles que, não podem se aprofundar, por não possuírem recursos internos para que isso ocorra, nem intra, nem intersubjetivamente, uma vez que não dispõem de recursos internos para tal encontro humano dessa magnitude.

Depois de ter tecido estas considerações, já me coloco em prontidão, para, numa próxima oportunidade, desenvolver um trabalho sobre os "ingredientes" necessários para que essa subjetivação se torne possível e compartilhável facultando assim, a possibilidade de que um verdadeiro encontro possa ocorrer, mas onde um mais um possam ser, naturalmente dois.

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