"(…) E os homens devem saber que de nenhum lugar, a não ser do cérebro, provém alegrias, prazeres, risos e zombarias; tristezas, amarguras, desprezo e lamentações. E por isso, de uma maneira especial, nós adquirimos sabedoria e conhecimentos, aprendemos a ver e a ouvir o que é certo e errado, doce e amargo (…)."
Hipócrates
Resumo
A interação entre mundo externo e cérebro é discutida, a partir das neurociências, da relação entre genética e ambiente, e dos avanços em neuropsicoimuno-endocrinologia. São realçados o papel da psicoterapia, como influência do mundo externo, e suas correlações com os achados apresentados.
lnteração cérebro-meio
Para Hipócrates, todo funcionamento é derivado do funcionamento cerebral, toda atividade e afeto, alegria, prazer, tristeza e lamentações. Ao lado disto, há aquisição de conhecimentos; sabedoria e aprendizado ligados ao pensamento e aos sentimentos. Como se dá esta interação? Aprender, ver, ouvir, relacionar-se com o meio? Onde se localizam as emoções? Quais as sinapses que mediam o contato entre mundo externo e mundo interno?
O postulado básico das neurociências é que todo comportamento é reflexo do funcionamento cerebral. De acordo com este ponto de vista, a ação do cérebro está subjacente não apenas a comportamentos simples, mas também a funções elaboradas, como pensar, aprender e sentir.
Estudos mostraram a especialização funcional das regiões cerebrais. As evidências da localização das funções cognitivas ligadas à linguagem, com os trabalhos de Broca, estimularam pesquisas para a localização cerebral do comportamento. Emoções relativamente específicas podem ser provocadas por estimulação de regiões específicas do cérebro, em animais de experimentação. Achados importantes provêm do estudo de pacientes com distúrbios de linguagem, com formas particulares de epilepsia temporal e com ataques de pânico.
Células com propriedades basicamente similares podem produzir ações muito diferentes porque estão conectadas entre si e com a periferia de diferentes formas. De acordo com as pesquisas sobre o desenvolvimento do cérebro e do comportamento, as principais conexões do sistema nervoso são estabelecidas sob controle genético e de desenvolvimento. Entretanto, as seqüências de desenvolvimento não são rígidas e podem ser influenciadas pelo ambiente e pela experiência.
Como se dá o desenvolvimento perceptivo? Como ocorre a interação entre o ambiente perceptivo e o cérebro, durante os períodos críticos, influenciando o funcionamento de células nervosas individuais? Atualmente, se tem evidências de que privação sensorial precoce pode alterar a estrutura do córtex cerebral. Estamos apenas começando a desenvolver técnicas para a exploração estrutural do cérebro e de suas possíveis alterações pela experiência e pela doença(1).
Os estudos de Merzenich e Kaas demonstraram que os mapas somáticos sensoriais não são estáticos, mas dinâmicos. Os mapas corticais de um adulto e todo o sistema sensorial adulto estão provavelmente sujeitos a modificações constantes com base no uso ou atividade das vias sensoriais periféricas. Assim, a estrutura arquitetônica do indivíduo será sempre única, interagindo com sua constituição genética também única e contribuindo para moldar a base biológica e a expressão psicológica da individualidade.
A demonstração de que a experiência e o aprendizado se acompanham de alterações na eficácia de conexões e podem levar a alterações no mapa somatotópico cerebral nos leva a uma nova forma de ver a relação entre os diversos processos na gênese do comportamento. A tendência em medicina e em psicoclínica de se pensar que determinantes biológicos do comportamento agem em diferentes níveis da mente do que determinantes sociais e psíquicos presentes, por exemplo, na divisão de doenças psiquiátricas em duas grandes categorias, orgânicas e funcionais, torna-se obsoleta. À luz dos novos experimentos, eventos diários – estimulação sensorial, privação, e aprendizado, por exemplo – têm profundas conseqüências biológicas, causando efetivamente ruptura ou reativação de conexões sinápticas em diferentes condições.
Genética e ambiente
Robert Cancro(2) discorrendo sobre a ação genética na esquizofrenia, diz: ''A relação entre o gene e o fenótipo final não é fixa. Todo gene é multipotencial e tem um espectro de possíveis resultados. Se um determinado gene é ativado por um ambiente particular, ele produz um fenótipo particular. Um segundo ambiente operando sobre o mesmo gene produz um fenótipo que difere do primeiro fenótipo." "(…) A quantidade de variabilidade inerente no genótipo não é predeterminada, mas apenas pode ser respondida pela exposição do genótipo a uma gama de estímulos ambientais".
Parece-nos difícil reduzir a complexidade cerebral ao genoma ou a um código estático e preestabelecido. Isto não significa, no entanto, absolutamente, desconhecer ou diminuir a importância da hereditariedade. Implica reconhecê-Ia, questionando o dito darwiniano de que "a hereditariedade é a lei". O modo de ação genética requer ativação ambiental e demonstra a futilidade da controvérsia genética x mundo externo. Ambos são necessários.
Sabemos que o suporte material da hereditariedade, o DNA (ácido desoxirribonucléico), é composto pelo encadeamento de nucleotídeos em dupla hélice. A seqüência destes nucleotídeos que o compõe define integralmente a seqüência de aminoácidos de todas as proteínas do organismo.
Todos os neurônios provêm de uma única célula, o ovo, com seus 46 cromossomos. Que mecanismos direcionam a evolução de gerações de células, a partir deste ovo único?
Changeux(3) propõe o modelo de um "embrião-sistema", que se cIiva em elementos-autômatos, as células embrionárias, cujo número, estado de diferenciação, posição, (…) evoluem em função do tempo. Um sistema é definido pelo número de seus elementos, por suas diversas classes (se existentes) e, sobretudo, pelas relações, no espaço e no tempo, dos elementos entre si e por suas regras de interação. No caso do embrião, as regras de interação dão lugar às trocas de sinais entre as células e às relações entre sinalização intercelular e posição das células no embrião. Os genes de cada célula embrionária não constituem mais unidades independentes. Esta rede de comunicações estabelecida entre células coordena, a cada instante, sua expressão.
Os hormônios e outros fatores químicos participam em um conjunto de interações que harmonizam e coordenam a expressão dos genes presentes nas células. O modelo de "embrião-sistema" permite libertar-se do conceito absoluto de programa genético e realça a contribuição das interações entre células no desenvolvimento do organismo e na evolução para a complexidade da organização do adulto.
Após o nascimento, o cérebro continua a crescer dramaticamente. De um peso aproximado de 365-400g, atinge cerca de 1.000g ao final do primeiro ano pós-natal. Prosseguem as "divisões e multiplicações de células gliais; o sistema visual começa a ser mielinizado por volta da quarta semana; por volta do segundo ano, completa-se a maior parte da mielinização do cérebro e dos tratos principais. O crescimento do cérebro continua, em ritmo mais lento, até 12 a 15 anos, quando o peso médio do cérebro adulto atinge aproximadamente 1.230 a 1.275g nas mulheres e 1.350 a 1.410mg nos homens. Há ainda mielinização, embora mais lenta. No entanto, o processo de migração dos neuroblastos se completa ao final do quinto mês fetal e, presumivelmente, nesta época o cérebro já adquiriu seu total de neurônios(4). A importância do patrimônio genético é clara e, qualquer que seja o clima ou ambiente, garante os grandes traços da organização cerebral e a unidade do cérebro humano no seio da espécie.
Um mesmo gene pode cumprir diferentes funções, em diferentes momentos no curso do desenvolvimento, possibilitando maior aproveitamento de um mesmo número de genes. Outro meio que permite aos genes diversificarem suas ações é a combinação de seus efeitos no tempo e no espaço. Alguns implicados na comunicação e nos sinais entre células podem coordenar a expressão de estoques de genes distribuídos no embrião e no sistema nervoso em desenvolvimento. Um pequeno número será suficiente para regular, de forma progressiva e seqüencial no tempo, as divisões, migrações e diferenciações dos neurônios que formarão o córtex cerebral. No curso do desenvolvimento, as múltiplas representações do corpo, dos órgãos e dos centros nervosos aí se inscreverão. Enfim, as projeções e associações diversas darão lugar a uma trama de combinações múltiplas.
Podemos então manter o termo determinismo genético, ao falar da organização funcional do sistema nervoso central. No entanto, enquanto há uma relação direta entre a estrutura de uma proteína e a seqüência de nucleotídeos do DNA, ao falarmos de uma função cerebral ou da estrutura que se constrói no decorrer do tempo e do desenvolvimento, não mais será possível fazer tal correspondência. Não encontramos o gene da loucura, da inteligência, ou da linguagem.
As pesquisas de genética molecular no Campo Psi têm trazido importantes contribuições ao estudo dos transtornos mentais, mas não há evidências de efeitos genéticos exclusivos e determinantes, a partir de nenhum estudo(5).
No curso da ontogênese e da filogênese, o período de proliferação sináptica se alonga, o número de ramos de ramificações neuronais cresce, o número de conexões possíveis aumenta. Em parte, as mutações genéticas podem dar conta deste crescimento. Mas esta amplificação celular e sináptica, dos mamíferos primitivos ao homem, é apenas transitória. A cada geração, a interação com o mundo exterior a modula. O desenvolvimento do encéfalo "se abre" para o ambiente. O tempo de contato se prolonga enormemente no homem. "Uma ou algumas mutações que criam uma assimetria entre os dois hemisférios, favorecem então a ocupação máxima de sua superfície. O homem possui, doravante, a capacidade de apreender uma linguagem articulada, de inventar a escrita e de empregá-Ia"(3).
A interação com o ambiente contribui para uma organização neural sempre mais complexa. Esta estruturação seletiva do encéfalo pelo ambiente se renova a cada geração. Sobre o patrimônio genético, se superpõe uma variabilidade individual da organização dos neurônios e de suas sinapses, que permite imprimir em cada encéfalo humano traços próprios ao ambiente particular no qual ele se desenvolveu.
Neuropsicoimunoendocrinologia
Segundo Alfred M. Freedman(6): "Experiência, fisiologia e anatomia compõem um todo dinâmico em constante modificação. É a totalidade que é crítica (…)."
O desenvolvimento da imunologia e os avanços das neurociências propiciaram maior conhecimento sobre a capacidade integrativa do Sistema Nervoso Central em relação ao Sistema Imune, fornecendo evidências de interações recíprocas entre ambos.
Efeitos de lesões no hipotálamo e em outras áreas cerebrais sobre as respostas imunes; presença de receptores para hormônios e neurotransmissores nos linfócitos; efeitos de respostas imunes sobre a atividade hipotalâmica; e evidências neuroanatômicas e neuroquímicas de inervação direta do tecido linfóide têm sido observados.
A associação entre Sistema Nervoso Central e Sistema Imune é apontada em diversos estudos relacionando comportamento condicionado e resposta imune. Uma variedade de estressores em animais e humanos altera medidas imunológicas e os efeitos parecem ser mediados pelos sistemas neuroendócrinos, de neurotransmissores e neurossecretores(7-9).
Estresse, sobretudo estresse incontrolável, produz disfunção do eixo Hipotálamo-Hipófise-Suprarrenal (HHS), medido por elevações de ACTH. Estas alterações assemelham-se às encontradas na depressão(2,10). O início e o curso de doenças infecciosas, câncer e doenças auto-imunes é freqüentemente relacionado com situações de estresse e disforia; imunossupressão é relatada no luto; o luto conjugal ou da pessoa amada é considerado um dos maiores estressores, associado com maior morbidez e mortalidade e, por vezes considerado, na literatura, causa potencial de asma, retocolite ulcerativa e sintomas depressivos(11). Melhor adaptação, psicológica e interpessoal, após o luto parece estar relacionada positivamente com o apoio social recebido(12). Redução da função imune é relatada em presença de depressão, dificuldades e vivências de ameaça(13).
As respostas imunes não ocorrem, portanto, de forma autônoma, apenas devido à presença ou ausência de antígenos. Influências ambientais e cerebrais têm sido demonstradas – condições estressantes levando à supressão de mecanismos imunes, observada através de medidas de linfócito-citotoxicidade, de fagocitose, de proliferação em resposta à estimulação linfocitária, de produção de intérferon, diminuição de células T-helper e da relação T-helper / T-supressor. Weiss & cols.(14) relataram aumento da função de resposta celular em condições de estresse crônico.
Nos últimos 20 anos, muitas pesquisas têm documentado alterações do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide (HHT) e hipotálamo-hipófise-suprarrenal (HHS), em pacientes com distúrbios afetivos, especialmente depressão. Aproximadamente 25% destes pacientes apresentam níveis de TSH não responsivos à estimulação com TRH e o eixo HHS encontra-se hiperativo em 50-75 % dos pacientes com depressão maior(15).
Os principais efetores biológicos da resposta generalizada ao estresse são o hormônio de liberação de corticotropina (CRH) e o sistema locus ceruleus-noradrenalina. Colocados em ação quando é vivenciada uma ameaça à homeostase, agem diretamente no Sistema Nervoso Central para facilitar vias neurais adaptativas, que promovem atenção, alerta, agressão, inibindo as vias de funções vegetativas. Na periferia, agem através da liberação de catecolaminas e glicocorticóides.
Os glicocorticóides também mediam a imunossupressão e estão relacionados às atividades do eixo HHT. Estes efeitos agudos assemelham-se às alterações crônicas freqüentemente encontradas na depressão. Tais similaridades parecem ser o resultado do trabalho de efetores similares, se não idênticos. Várias outras doenças na clínica podem ser também relacionadas a processos fisiológicos adaptativos que falham em responder normalmente à regulação homeostática(16,17).
No entanto, no dia-a-dia, não podemos fazer relação direta entre estresse incontrolável no laboratório e as possibilidades humanas que alteram uma situação particular, como atitudes, recursos espirituais, desejos, esperanças, expectativas e ideais. Idade, sexo, hospitalização, gravidade do quadro também estão associados a alterações nas respostas imunes, trazendo dificuldades metodológicas de avaliação de muitos dos achados da literatura sobre o assunto.
Schleifer & cols.(18) sugerem que a alteração de imunidade encontrada na depressão possa ocorrer apenas em subgrupos de pacientes deprimidos, não sendo um correlato biológico específico de depressão. Os estudos relacionados a situações de luto apresentam complexidade devido à natureza altamente subjetiva do fenômeno e à multiplicidade de fatores antecedentes que participam no curso e evolução do período de luto.
Stein & cols.(19) em revisão da literatura sobre sistema imune e depressão, consideram os achados inconcIusivos e inconsistentes, devido a falhas no desenho dos estudos, nos grupos-controle e a dificuldades conceituais. Sabe-se, entretanto, que a ativação do sistema imune está associada a alteração da atividade noradrenérgica no hipotálamo, que as células imunes produzem uma variedade de moléculas, incluindo interleucina-1 e corticotrofina e que há amplas relações neuro-imunes.
Não podemos afirmar que o tratamento da depressão possa influenciar o Sistema Imune com conseqüências para a saúde física. No entanto, o valor de intervenções psicossociais na qualidade de vida e no estado mental de pessoas gravemente doentes não deve ser subestimado. O papel destas intervenções no tratamento de indivíduos com distúrbios relacionados à imunidade como câncer, AIDS e doenças auto-imunes não deve estar na dependência de comprovações de relações significativas entre estados psicossociais e estado imune.
Psicoterapia como influência do mundo exterior
Mohl(20) assegura que "medicação, interpretação de sonhos e empatia se tornam simplesmente diferentes formas de alterar diferentes neurotransmissores em diferentes partes do cérebro. Que a linguagem dos impulsos, conflitos, sentimentos e memória serve melhor do que a linguagem de neurotransmissores, sinapses e estruturas cerebrais, quando aplicando psicoterapia ou discutindo casos ou teorias não afasta o sentido mais amplo e profundo dado à linguagem psicodinâmica por estes dados."
A divisão: biológico x psicodinâmico não pode ser mantida inalterada, a partir dos dados provenientes da interface entre neurociências e ciências do comportamento. Evidências consideráveis demonstram que eventos ambientais alteram a estrutura e a função do cérebro e que o aprendizado (memória) se associa a alterações a nível de bioquímica neuronal. Mohl(20) sugere que os distúrbios neuróticos possam ser causados pela interação com o meio, levando a facilitações sinápticas errôneas, enganos na ativação de genes, atividade de canais de cálcio inapropriada e níveis enzimáticos alterados. O trabalho do psicoterapeuta seria o de reverter tais erros, criando um ambiente que produziria efeitos neuronais mais saudáveis.
Freud(21) (1895/1950), em seu "Projeto para uma Psicologia Científica", procura relacionar suas observações psicológicas com conhecimentos da biologia: "(…) a memória está representada pelas diferenças de facilitação entre os neurônios w. De que depende então, a facilitação dos neurônios w? Segundo o conhecimento psicológico, a memória de uma experiência (isto é, a força persistente atuante) depende de um fator que se pode qualificar como a magnitude de uma impressão, também da freqüência com que a mesma impressão se repete." "(…) Por conseguinte, a facilitação não pode basear-se em uma catexia que permaneça retida, pois isso não produziria as diferenças de facilitação nas barreiras de contato de um mesmo neurônio". Encontramos aí a idéia de facilitações interneuronais, a partir da experiência; de catexias ou energias, em estado fluente e, portanto, não rígidas e passíveis de modificação pelo aprendizado e experiência e de barreiras de contato entre os neurônios do sistema nervoso.
Winson, estudando os sonhos, encontrou evidências para as formulações iniciais de Freud sobre a natureza dos traços de memória, do sonho e dos processos inconscientes, através de processamento hipocampal de percepções do dia e comparação destas com as memórias armazenadas no córtex associativo, estabelecendo conexões límbicas e utilizando tais informações para reforçar ou alterar o planejamento de respostas comportamentais no córtex frontal(20).
Estudos sobre a natureza da ansiedade aguda, crônica e antecipatória confirmam escritos de Freud e Pavlov sobre o aprendizado da ansiedade e sua função adaptativa biológica, preparando o indivíduo para fuga ou luta, em reação a estímulos externos ou, como apontou Freud, através de mecanismos defensivos em resposta a estímulos internos. A possibilidade de aprendizado ou aquisição de aspectos da ansiedade não exclui a possível contribuição genética na predisposição à ansiedade. Talvez, a predisposição para aprender certas relações com estímulos seria herdada(22).
Que alterações devem ocorrer nos neurônios para que o aprendizado e a memória ocorram? Pode a experiência levar a alterações estruturais duradouras no sistema nervoso? Tais alterações estruturais envolvem mudanças na expressão genética? E seria, então, a psicoterapia apenas útil quando envolve tais mudanças? Estas questões, embora tenham origem a partir de perspectivas comportamentais e neurobiológicas, convergem para um campo comum.
Schwartz & Kandel(22) propuseram que o aprendizado provavelmente envolva alterações duradouras na expressão genética. Esta idéia é consistente com a sugestão de que novas sínteses protéicas são necessárias para a memória de retenção e evocação. A informação do DNA não é transcrita diretamente para uma proteína, mas sim para um RNA mensageiro, e este é traduzido em proteína. Assim, genes alterados geram RNA mensageiros alterados e proteínas alteradas.
Bradley(23) propõe um modelo, a ser utilizado pelos profissionais de saúde mental, relacionando formação reticular, sistema límbico e sistemas cerebrais frontais. Procura dar conta dos aportes genéticos e biológicos, dos componentes neurológicos e do aprendizado/experiência e enfatiza a necessidade de integrar modelos anteriores com as vias cerebrais que controlam o comportamento.
Karasu(24) busca novos modelos neurobiológicos para a compreensão da complexidade dos fenômenos psicológicos; Glucksman(25) propõe a utilização da psicoterapia na prevenção e acompanhamento de distúrbios somáticos, investigando respostas fisiológicas a abordagens mentais e físicas.
"Estas investigações abrem horizontes inteiramente novos para a aplicação integrada e complementar de fenômenos mentais e físicos, ampliando a base e o impacto do campo da psicoterapia."(26)
O pensamento psicanalítico tem sido particularmente valioso por seu reconhecimento da diversidade e complexidade da experiência mental humana, e pelo discernimento da importância de fatores genéticos e ambientais na determinação da representação mental do mundo. "A emergência de uma neuropsicologia empírica dos processos cognitivos baseada na neurobiologia celular já está produzindo o nascimento de uma psicanálise científica. Esta forma de psicanálise está fundada em hipóteses teóricas mais modestas do que as previamente utilizadas, mas também mais testáveis, porque mais próximas da investigação experimental."(22)
Conclusão
Concluo que modelar significa assinalar os contornos, ajustar-se, contornar, moldar. Contudo, assinalar os contornos de algo que já tem uma forma, não rígida, é diverso de dar forma a algo amorfo, inerte e passivo. Não se trata de um cérebro-barro, sendo moldado por um mundo exterior-escultor. Absolutamente.
Abordo a relação cérebro-mundo externo, a partir de uma visão de desenvolvimento, de influências recíprocas, de interações. Gene-ambiente (gene-meme), mundo interno-mundo externo, cérebro-sistema psicoimunoendócrino, e suas várias combinações.
Falo em um cérebro que "se abre" para o meio. Dotado de um patrimônio genético que garante sua organização e possibilidades, somente se completa e individualiza, a partir deste contato. Contato, sem um único sentido, de escultor modelando o barro, mas com sentido duplo ou múltiplo, com ajustes constantes, contornos que se definem continuadamente.
Ressalto o papel da intervenção psicoterápica, enquanto influência ambiental, com repercussões biológicas, agindo sobre problemas biológicos. Por facilitação sináptica interneuronal, provisão de regulação fisiológica externa ou exploração de processamento de memória hipocampal, atuando sobre a interação gene-ambiente, facilitação sináptica errônea, atividade inapropriada do locus ceruleus e por aí vai.
O limite entre comportamento e biologia é arbitrário. Foi imposto por falta de conhecimento. À medida que o conhecimento está avançando, as disciplinas biológicas e comportamentais vão, cada vez mais, convergindo em determinados pontos.
Espero que novas pesquisas tragam maiores dados de genética molecular, neurobiologia celular e aprendizado e comportamento, com importantes conseqüências para o Campo Psi, em suas vertentes psicoterápica e psicofarmacológica.
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