Nos últimos anos houve um aumento na comercialização de fitoterápicos com indicação para os transtornos mentais. Esses medicamentos despertam reações variadas nos profissionais de saúde mental, que vão desde uma resistência absoluta até um entusiasmo extremado, passando pela indiferença. Mais ainda, geralmente essas posturas abordam os fitoterápicos como um todo, não distinguindo entre os diferentes medicamentos desse grupo. Entretanto, é mais adequado avaliar cada fitoterápico com uma abordagem semelhante aos dos medicamentos sintéticos, ou seja, baseada em evidências científicas sólidas, particularmente em estudos clínicos controlados.
Por esse ângulo, os fitoterápicos apresentam diferenças importantes entre si, pois, se de um lado encontramos medicamentos cuja eficácia tem sido comprovada em estudos clínicos controlados (comparativo com placebo, duplo-cego, randomizado) e metanálises, como, por exemplo, o Hypericum perforatum (erva de São João) e o Piper methirsticum (kava-kava), de outro temos fitoterápicos como a Passiflora edulis e a P. incarnata, das quais não encontramos nenhum estudo controlado na literatura (Medline, Lilacs, ISI-Current Contents).
Em relação às posturas pré-concebidas, todas elas apresentam prejuízos potenciais para os pacientes. A resistência absoluta a um fitoterápico com ação comprovada pode privar determinado paciente de uma medicação eficaz. Por outro lado, uma postura de entusiasmo não fundamentado em estudos clínicos controlados pode privar o paciente de um tratamento realmente eficaz em detrimento de um fitoterápico ineficaz e com efeitos adversos. Mesmo uma atitude mais neutra, de descrença com certa benevolência ("não tem efeito, mas não faz mal" ou "é um placebo sem riscos") também pode acarretar prejuízos para o paciente, pois muitos fitoterápicos apresentam importantes efeitos adversos, assim como a possibilidade de interações medicamentosas.
Em relação aos efeitos colaterais, os fitofármacos são fteqüentemente considerados de baixa toxicidade. Embora essas alegações, em alguns casos, tenham sido confirmadas em estudos clínicos controlados, existe a detecção de vários efeitos adversos, que podem se tornar relevantes para o tratamento. Por exemplo, o extrato de Hypericum perforatum pode acarretar virada maníaca, fotosensibilidade e apresentar em sua composição inibidor de monoaminoxidase (IMAO), trazendo riscos em relação à dieta do paciente, enquanto que o kava-kava já foi associado a sintomas extrapiramidais (como nas impregnações com neurolépticos). Mais ainda: mesmo fitoterápicos sem ação terapêutica comprovada, como a Passiflora edulis, pode apresentar efeitos adversos importantes. Outro problema potencialmente sério, mas também fteqüentemente negligenciado, é a possibilidade de interações medicamentosas com os fitoterápicos (p. ex., benzodiazepínicos e kava-kava).
Fonte adicional de preocupação reside no fato de que essas medicações, apesar de apresentarem muitas semelhanças com os medicamentos sintéticos (p. ex., extrato de Hypericum perforatum e antidepressivos), não possuem os mesmos controles de prescrição e de venda desses últimos, o que pode aumentar a freqüência e os riscos da automedicação: tratamento inadequado, intoxicações, emprego de tratamento de eficácia não-comprovada no lugar de uma terapêutica eficaz, a não procura de profissional de saúde mental e por aí vai.
De qualquer modo, mesmo que não utilize fitoterápicos em seu arsenal terapêutico, o clínico deve conhecer os principais fitoterápicos de sua área de atuação e perguntar sistematicamente ao paciente sobre seu uso, pois há grande probabilidade de que uma parte considerável de seus pacientes faça uso desse tipo de medicação sem, entretanto, informá-lo.
Uma limitação em relação aos fitoterápicos é o número reduzido de estudos controlados em comparação com os medicamentos sintéticos. Mais ainda: esses poucos estudos nem sempre empregam metodologias adequadas. Essa escassez de estudos, associada à falta de sistematização do levantamento e de farmacovigilância (ANVISA), pode, pelo menos em parte, contribuir para o reduzido número de relatos de efeitos adversos pelos fitoterápicos.
Esse quadro é agravado pela falta de controle de qualidade dos fitoterápicos nos USA, onde não são enquadrados como medicamentos, mas como "suplementos dietéticos", tirando-nos um dos principais pontos de referência para o mundo todo, a aprovação ou não pela FDA norte-americana. No Brasil, por outro lado, vários fitoterápicos já são comercializados por meio de extratos padronizados, que geralmente são feitos baseando-se em um dos princípios ativos supostamente relacionados com a atividade clínica (p. ex., a quantidade de hipericina (IMAO) é empregada na padronização do extrato de Hypericum perforatum).
Um ponto importante do estudo dos fitoterápicos é que o seu emprego inicial geralmente decorre do uso popular, não pressupondo nenhum mecanismo de ação e, conseqüentemente, não propor nenhuma intervenção em uma suposta fisiopatologia do quadro. Isso possibilita o desenvolvimento de grupos de drogas inteiramente novos, com mecanismos de ação diferentes das drogas já disponíveis para determinado transtorno. Nessa linha, estima-se que cerca de 30% dos medicamentos atualmente disponíveis derivem diretamente de plantas medicinais. Por exemplo, biguanidas derivam dos estudos da Galega officinalis; vincristina, da Catharanthus roseus; digoxina, da Digitalis purpurea etc.
Portanto, podemos concluir que a atitude mais adequada em relação aos fitoterápicos é considerá-Ios com o mesmo rigor com que lidamos com os medicamentos sintéticos, baseando nossa conduta clínica em evidências científicas consistentes (estudos controlados), reconhecendo, quando for o caso, sua eficácia, mas também seus efeitos adversos e a possibilidade de interações medicamentosas. Nunca é demais insistir que fitoterapia nada tem a ver com homeopatia.