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Disfunção Erétil: Uma ilustração clínica

Anos atrás recebi uma indicação de um amigo médico, o qual me solicitava atenção para um paciente seu, para o qual, de acordo com a queixa, não havia tratamento médico a ser realizado. O referido amigo não mencionou, com o que estive plenamente de acordo, nenhum detalhe referente ao caso.

Quando recebi o paciente para a primeira entrevista, perguntei-lhe o que o havia levado a procurar o Dr. X?

Disse-me que já o conhecia, uma vez que ele tinha prestado atendimento a um amigo seu. Na verdade disse que o havia procurado por encontrar-se desesperado. Fez um silêncio contido me parecendo que estava prestes a chorar.

Tudo começou com um episódio que ocorreu entre ele e a esposa enquanto estavam transando. De repente sentiu como que se algo tivesse se rompido, acompanhado de um intenso sangramento. Foram ao Pronto Socorro, onde ele recebeu os primeiros socorros, sendo orientado para que no dia seguinte procurasse um urologista. Quando da consulta, o mesmo lhe sugeriu que teria que realizar uma microcirurgia, para a retirada do freio peniano e que aproveitaria para realizar a retirada do excesso de prepúcio, já que o paciente estaria anestesiado.

Foi realizada a cirurgia, tendo ocorrido, porém, a critério exclusivo do médico, a total retirada do excesso de prepúcio, ocasionando que a glande ficasse totalmente exposta. Passado o período recomendado para a recuperação pós-cirúrgica, e tendo sido liberado pelo médico para a retomada das relações sexuais, me disse que aí sim é que começaram os seus maiores problemas. O problema referido era o de uma importante alteração na sensibilidade peniana, redundando na impossibilidade, segundo ele, de manter uma ereção constante para a consumação do ato sexual.

A situação oscilava; começava a ter uma ereção aparentemente normal, mas a qual se perdia logo em seguida. Em outras situações, conseguia a ereção e conseguia dar início à penetração, mas logo após se via privado dela. Ou seja, depois do "acidente", até aquele momento, não conseguia mais ter controle sobre a sua sexualidade, o que o deixava bastante magoado.

Apresentava raiva do médico por não tê-lo consultado sobre a retirada total do excesso de prepúcio, bem como achava estar arrependido de ter feito a cirurgia. A partir daí, não teve mais sossego, segundo ele.

Perguntei a ele se havia voltado ao médico que o havia operado? Respondeu que sim e que o mesmo havia lhe dito que ele era o primeiro paciente que havia feito esse tipo de reclamação. Prescreveu a ele que tomasse durante um mês, Supradyn, o qual segundo meus conhecimentos, não passa de um complexo vitamínico. Teve a nítida sensação de que o médico estava querendo se livrar dele, o mais rápido possível.

Na opinião do médico que o havia me indicado, também cirurgião, realmente seu colega não deveria ter retirado todo o excesso de prepúcio, mas só parcialmente, uma vez que em sua experiência, em muitos casos ocorria uma importante alteração da sensibilidade. Contudo, pensava que mesmo assim, pelo tempo passado, as coisas já deveriam ter se acalmado nesse sentido.

Parece que o meu conhecido teria intuído, que havia mais alguma variável interveniente no âmbito psico-afetivo, o qual poderia estar contribuindo sobremaneira para a situação que se nos apresentava. Já estava casado há uns dez anos e tinha um casal de filhos.

Pedi que me falasse sobre os vários aspectos de sua vida e, ele me trouxe os seguintes comentários:

Trabalhava com o pai e com um irmão, num tipo de atividade que já tinha dado muito dinheiro, mas que atualmente estava em franco declínio. Ele trabalhava no ramo de vendas. Amigos, tinha poucos, passando o seu tempo livre sempre com a família. Quando conheceu a esposa, depois de um tempo ela engravidou e logo vieram a se casar até, segundo ele por conta disso.

Ela também trabalhava fora e quanto ao relacionamento conjugal, disse que atribuía a ele, por estar inseguro financeiramente, algumas discussões geradas pelo seu mau humor. Fora isso, reputava o relacionamento como sendo normal, predominando uma boa convivência entre o casal e os filhos. Conforme já mencionei o primeiro filho foi concebido antes do casamento, sendo que o segundo também não foi planejado.

Em determinado momento da entrevista, após um breve silêncio, disse espontaneamente que havia um fato que muito o desagradava, fato esse referente à sua queda de cabelo precoce, já que ele contava com uns trinta e cinco anos aproximadamente. Como pude constatar, tratava-se de uma queda de cabelo bastante acentuada. Disse que isso o fazia parecer muito mais velho do que era.

Nesse momento, achei por bem lhe perguntar como era para ele, este aspecto de se ver como sendo mais velho, em comparação com a sua esposa. Respondeu-me de imediato que ela, muito ao contrário, estava cada vez mais exuberante, bonita e sensual, ficando um contraste muito grande com a imagem que ele estava tendo de si próprio.

Propus que nos víssemos por mais uma vez, ainda no âmbito das entrevistas preliminares, mas quando se foi, para mim ficou a nítida impressão de que esse homem estava sendo vitimado por uma intensa angústia de castração. Como um item de esclarecimento que acredito ser importante, para contextualizar o que acabo de dizer, passo a transcrever a definição sobre o Complexo de Castração, contida no Vocabulário de Psicanálise  da autoria de Jean Laplanche e J-B Pontalis (Editora Martins Fontes).

Complexo de Castração: complexo centrado na fantasia de castração, que vem trazer uma resposta ao enigma posto à criança pela diferença anatômica entre os sexos (presença ou ausência de pênis); essa diferença é atribuída a um corte do pênis da criança do sexo feminino. A estrutura e os efeitos do Complexo de castração são diferentes no rapaz e na menina. O rapaz teme a castração como realização de uma ameaça paterna em resposta às suas atividades sexuais, do que lhe advém uma intensa ANGÚSTIA DE CASTRAÇÃO. Na menina, a ausência do pênis é sentida como um dano sofrido que ela procura negar, compensar ou reparar. O Complexo de Castração está em estreita relação com o Complexo de Édipo e, mais especialmente com a sua função interditória e normativa.

Apenas para citar, a análise do caso "Joãozinho" foi determinante na descoberta do Complexo de castração e foi descrito pela primeira vez em 1908, por Freud.

Voltando ao caso do paciente, que orienta esse trabalho, penso que podemos dizer que a ocorrência cirúrgica, teria apenas agudizado um processo já existente. Passo a enumerar alguns pontos de angústia, que me pareceram ficar evidenciados através do discurso do paciente:

– perda da condição financeira.

– perda dos cabelos.

– perda da auto-imagem e, para concluir, a – perda do prepúcio, a qual ficava carregada de um simbolismo de proteção.

— Ele estava com a cabeça e a glande expostas!!!

Se ele se via envelhecido, sua esposa estava cada vez mais exuberante, bonita e sensual. Assim, numa primeira impressão, sua disfunção erétil encontrava-se numa relação simbólica com o seu estado de espírito. "A ereção começava, mas se perdia em seguida". Parecia que eu estava diante de uma distimia, ou seja, uma dificuldade na manutenção de seu estado de humor. Em tempo, também havia se referido ao fato de que estava mais irritadiço com as crianças, as quais, diga-se de passagem, estavam também em franco desenvolvimento. Parecia que a ele, só restava o processo involutivo, o declínio, a perda da ereção.

Fez uma breve referência, ao final da segunda entrevista, que não sabia se teria condições financeiras  para iniciar e manter um processo de análise. Estaríamos aqui diante de uma metáfora da dificuldade de manter a ereção? Afirmava também que achava meio estranho falar com uma outra pessoa sobre essas coisas tão pessoais.

Ficou de pensar e de fazer as suas contas, ao que lhe respondi que estaria à sua disposição. Passados alguns dias, me ligou dizendo que não seria possível iniciar um processo de análise por questões de ordem financeira. Concordo que isso deveria estar presente sim, mas ficava claro também que tudo o mais estaria pegando uma "carona" na tal questão financeira.

Atualmente, com o surgimento das medicações para a disfunção erétil (DE), muito se tem caminhado para algumas soluções imediatistas em relação ao problema. O que ocorre é que, afastados aqueles casos onde a organicidade se faz presente, como em pacientes portadores de diabetes, alta taxa de triglicérides, hipertensão arterial, etc., podemos perceber que a grande maioria dos casos, como o do exemplo acima, possuem uma causação psicogênica. Assim, a medicação pode ser usada sob orientação médica, mas se impõe a indicação de um processo psicoterápico. Em caso do uso exclusivo da medicação, estaríamos diante de um processo de obturação da conflitiva subjacente a DE e, teríamos a impossibilidade de "psicologizarmos" a sintomatologia.

Nada contra a medicação, mas tudo a favor da complementação das medidas terapêuticas disponíveis para o verdadeiro tratamento dos pacientes.

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