Introdução
George Beard (1839-1883) utilizou pela primeira vez o termo neurastenia (astenia = fraqueza; neurastenia = fraqueza dos nervos) numa conferência apresentada em 1868 na New York Medical Journal Association e publicou-o, posteriormente, no Boston Medical and Surgical Journal como uma doença peculiar aos norte-americanos, principalmente do Leste e Nordeste do país. Desde então, iniciaram-se discussões e polêmicas, que atingiram o clímax nos primeiros anos do século XX.
A concepção de neurastenia por Beard foi influenciada pela teoria da irritabilidade e exaustão do sistema nervoso, criada por John Brown (1735-1788), na qual ele supunha que o tônus do sistema nervoso poderia variar de um estado estênico para um estado astênico.
Histórico
A astenia nervosa foi objeto de descrição muito tempo antes de Beard. Já na Grécia antiga, Hipócrates descreveu a doença de Scythes, que se constituía de uma astenia geral ligada a lesões dos órgãos genitais pela equitação. Mais tarde, Galeno denomina esta doença de hipocondria, e Boissier de Sauvage, ampliando a teoria de Galeno, faz uma separação entre a hipocondria e uma entidade clínica astênica. Também Esquirol, Baillarger e Falret descrevem astenia na melancolia e Brachet, a astenia decorrente de traumatismo. Em 1764, foi descrita na França, por Bouchut, uma doença com sintomatologia equivalente à da neurastenia; foi chamada de neuropatia.
É, no entanto, com Beard que a doença é divulgada e ganha popularidade. Ele escreveu, em 1866, EIectricity as a tonic; em 1871, Stimulants and narcotics; e o seu clássico American nervousness with its causes and consequences, em 1881, que foi traduzido para o alemão por Neisser quase imediatamente após o seu aparecimento nos Estados Unidos. Concomitantemente, Silas Weir Mitchell's (1829-1914) desenvolve o chamado rest treatment (tratamento pelo repouso), que requeria do paciente o isolamento completo, temporário e em silêncio absoluto. Esse tratamento teria uma relação com a neurastenia de Beard, isto é, o desenvolvimento deste tipo de tratamento existiu dentro da mesma concepção que influenciou a criação do conceito de neurastenia por Beard. Em 1880, publica A practical treatise on nervous exhaustion (Neurasthenia) e desde então o termo neurastenia fica indissoluvelmente ligado a esta síndrome de exaustão nervosa.
A descrição clínica da neurastenia por Beard foi muito ampla, comportando mais de 50 sintomas e sinais que podem ser agrupados em sete principais categorias:
1) exaustão geral com cansaço e sensação de peso nas pernas;
2) espasmos musculares, cefaléias e dores musculares;
3) medos mórbidos;
4) insônia;
5) desinteresse;
6) diferentes manifestações do sistema nervoso autônomo;
7) sintomas isolados como impotência sexual, frigidez, irritabilidade, dispepsia, náuseas, alterações visuais, e por aí vai.
Charcot reclassifica os sintomas descritos em Beard isolando os mais importantes, aos quais confere o status de patognomônicos (sinais e sintomas específicos, necessários e suficientes para designar uma determinada doença). São eles: astenia neuromuscular, as raquialgias com topografia cérvico-lombar, as cefaléias permanentes, as dispepsias com sonolência, a presença de certa distensão abdominal, constipação e, finalmente, um estado mental mórbido onde se destacava uma astenia intelectual com falhas de memória e uma afetiva, tristeza e irritabilidade. Para ele, a presença dos sintomas secundários dependia dos órgãos dos sentidos afetados, assim como, dos aparelhos respiratório, cardiovascular e genital.
No fim do século XIX, alguns autores começam a dividir a neurastenia e criar outros conceitos a partir dela. Chaslin cria a noção de confusão mental; Pierre Janet descreve a psicastenia, uma espécie de viver sentimental da neurastenia; Barnheim distingue uma psicastenia, depressiva, uma psiconeurastenia e uma neurastenia simples, enquanto Hartenberg separa as neurastenias constitucionais das neurastenias adquiridas. Estes últimos conceitos tiveram uma grande aceitação entre vários autores. Fleuri (1905) considera a neurastenia uma doença acidental provocada por uma intoxicação, uma decepção moral ou um surmenage (estafa, fadiga, esgotamento, astenia) físico. Gilberto Ballet descreveu quatro formas clínicas da neurastenia: genital, traumática, cérebro-espinhal e feminina.
Freud, que já em 1884 utilizava os conceitos de neurastenia, destaca-a da neurose de angústia. Para Freud, a neurastenia teria uma clara etiologia sexual. Apontava a masturbação habitual como uma alteração da vida sexual que conduziria à neurastenia do homem, não só por uma fraqueza sexual, mas, sobretudo pela incapacidade de tolerar o aumento da tensão sexual. O orgasmo, constantemente renovado ao nível dos órgãos periféricos, empobreceria o sistema psíquico numa tensão sexual, provocando cefaléia, astenia, impotência etc. Um outro aspecto importante seria o coito interrompido (onanismo), que acabaria por levar a uma frustração do orgasmo, frustração esta que desenvolveria não a neurastenia, mas a neurose de angústia.
Durante a guerra de 1914, inúmeras observações de neurastenia foram constatadas nos soldados. Reich, em 1926, admite uma base conflitual como causa da neurastenia. Os sintomas neurastênicos seriam resultantes de um mecanismo de conversão. À mesma época, Benon, conservando as características da neurastenia, através de uma analogia com a fadiga muscular, considera a astenia psíquica como um resultado do acúmulo cerebral de catabólitos.
Podemos dizer que 1920 é a data que marca o início da diminuição do prestígio da neurastenia, aumentando concomitantemente o interesse pelos estados ansiosos. Curiosamente, este desinteresse pelos conceitos de neurastenia existiu principalmente nos USA, pois na Europa ainda era possível encontrar inúmeras descrições da parte de diversos autores (clínicos, em geral) de estados neurastênicos, apesar de algumas vezes estas descrições existirem sob outras rubricas. Runderson (1950) observa que o desaparecimento da neurastenia dá-se através da substituição deste conceito pelo conceito de estados de fadiga (cansaço) relacionados com situações complexas que criam dificuldades afetivas mais ou menos inconscientes, além de uma série de alterações funcionais menores.
Um dos últimos autores a abordar a questão da neurastenia, numa tentativa de conciliação de tese orgânica e psicogenética, foi Brun, em 1956. Para ele, a "fraqueza irritável" (heredo-constitucional) é a matriz da neurastenia e se traduz por uma fadiga intelectual e afetiva. A alteração fundamental, devido a um desequilíbrio neurovegetativo (melhor dizer, autonômico) , é acompanhada de uma disfunção na barreira hemato-encefálica, a partir da qual o quadro clínico pode evoluir para uma forma psíquica mais elaborada de uma neurose do tipo hipocondríaca. Brun distingue a neurastenia constitucional, revelando uma predisposição mórbida inata ou adquirida, devido a conflitos infantis e à neurastenia de surmenage, com diferentes formas clínicas.
Nos USA, berço do conceito de neurastenia, este termo desaparece da primeira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM I) da American Psychiatric Association (APA). Esta classificação enfocava as doenças como um processo "dinâmico", ao invés de doenças "estáticas". Nesta classificação, os sintomas de fadiga e peso nas pernas, os quais tinham sido considerados previamente como característica central da neurastenia, foram incluídos na categoria de "Psychophysiology nervous system reaction".
O curioso é que, na segunda edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM lI), a neurastenia ressurge, sendo encontrada da seguinte forma: "A neurose neurastênica (neurastenia) é caracterizada por queixas de fraqueza crônica, fatigabilidade fácil e, algumas vezes, exaustão. Diferentemente da neurose histérica, as queixas dos pacientes são verdadeiramente perturbadoras para eles, e não há evidência de ganho secundário. Difere da neurose ansiosa e dos distúrbios psicofisiológicos pela natureza da queixa predominante. Difere da neurose depressiva pela moderação da depressão e pela cronicidade de sua evolução."
Na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde (OMS = WHO), na sua 9ª revisão (CID-9), o termo neurastenia é mantido entre os transtornos neuróticos, no dígito 300.5: Neurastenia ou Debilidade Nervosa. No draft da 10ª Revisão da Organização Mundial de Saúde, o termo neurastenia é mantido, vide abaixo.
"F48.0 Neurastenia – síndrome de fadiga (o mais correto é síndrome de fraqueza)
Variações culturais consideráveis ocorrem na apresentação deste distúrbio, e dois tipos principais ocorrem com considerável superposição. Em um tipo, o principal aspecto é uma queixa de fatigabilidade aumentada após um esforço mental, freqüentemente associada a uma diminuição no desempenho ocupacional ou a problemas de eficiência em tarefas do dia-a-dia. A fatigabilidade mental é tipicamente descrita como uma desagradável intromissão de associações ou lembranças perturbadoras, dificuldade de concentração e, geralmente, pensamento ineficiente. No outro tipo, a ênfase é em sensação de fraqueza corporal ou física e exaustão após um esforço mínimo, acompanhado de uma sensação de dor muscular e da incapacidade de relaxar. Em ambos os tipos, uma variedade de outras sensações físicas desagradáveis são comuns, tais como, tontura, tensão, cefaléia e sentimento de instabilidade geral. São também comuns: preocupação sobre diminuição do bem-estar físico e mental, irritabilidade, anedonia (incapacidade de ter prazer) e vários pequenos graus tanto de depressão quanto de ansiedade. O sono está freqüentemente perturbado em suas fases inicial e média, mas pode ocorrer também hipersonia (sono em demasia).
Orientação diagnóstica
Para um diagnóstico definitivo, são necessários os seguintes requisitos:
a) queixas persistentes e perturbadoras de aumento de fatigabilidade após esforço mental; ou
b) queixas persistentes e perturbadoras de fraqueza corporal e exaustão após o mínimo esforço, acompanhadas de sensações físicas desagradáveis (dores musculares) e incapacidade de relaxar;
c) ausência de sintomas de ansiedade ou depressão suficientemente persistentes e severas que venham a preencher os critérios que caracterizam quaisquer desses distúrbios especificados nesta classificação."
Na DSM III como na DSM IlI-R, o termo neurastenia não aparece citado diretamente, mas aquilo que era considerado neurastenia aparece distribuído em diversos itens como dysthimic disorder e chronic depressive disorder, entre outros.
Muitas críticas foram feitas ao conceito de neurastenia, e podemos entender o fato de ter dado origem a diversas outras síndromes como resultado de uma definição clínica sem consistência suficiente. Por exemplo, como se explica a existência de sintomas tão variados, atuando em sistemas diferentes, fazendo parte de uma mesma doença? Esta relação da neurastenia com outros distúrbios clínicos já havia se revelado no Practical Treatise, incluindo, entre as doenças que poderiam ser relacionadas com a neurastenia, a nevralgia, a opiomania, a melancolia, a histeria, a histeroepilepsia, o alcoolismo e por aí vai longe.
Nemiah entende que talvez os modernos clínicos do Campo Psi, influenciados pelas teorias psicodinâmicas envolvidas com sintomas fóbicos, obsessivos e afins, tenham voltado sua atenção e aprofundado seus conhecimentos nestes sintomas, ignorando praticamente processos mais elementares envolvidos em fraqueza, cansaço e exaustão. Conclui: "Qualquer que seja a resposta a estas questões, o fato é que, à medida que a nosologia (estudo das doenças) psicopatológica evolui, a neurastenia foi progressivamente desnudada de sintomas até ao ponto de desaparecer inteiramente do cenário clínico. Agora, ela retorna numa forma acentuadamente atenuada e limitada, como se vê pela definição oficial, à fraqueza, fadiga e exaustão. Alguém pode perguntar o quanto de útil tem esta categoria diagnóstica. Com que freqüencia são encontrados os sintomas especificados (tão comuns como sintomas concomitantes a outros fenômenos neuróticos) como uma síndrome isolada, em forma pura? É difícil responder com qualquer grau de certeza. O interesse recente pela neurastenia tem sido tão pequeno que essencialmente não existe, assim como não existem estudos clínicos modernos que forneçam informação confiável sobre suas características como síndrome. Talvez, o valor de refocalizar-lhe a atenção esteja na possibilidade de que um renovado interesse científico para o fenômeno da fadiga, da exaustão e da fraqueza neurótica proporcionará uma compreensão das relações psicossomáticas envolvidas – relações acerca das quais é conhecido muito menos do que acerca da ansiedade e da depressão. No que se segue, portanto, deve-se ter em mente que qualquer generalização clínica pode ser, na melhor das hipóteses, tentativa e deve ser considerada um ponto de partida para posteriores investigações."
Contudo, do ponto de vista clínico é indubitável, como afirma Brawn em seu trabalho sobre neurastenia no Tratado de Neurologia de Bunke & Forster, que existe uma grande quantidade de pessoas nas quais episodicamente se apresenta uma perturbação das funções nervosas originadas por causas que conduzem, em última instância, a uma fadiga exagerada e a um esgotamento (Erschöpfung) da força funcional, manifestada por uma síndrome cujas notas essenciais são a vivência de fadiga, irritabilidade, mal-estar geral com insônia e desinteresse objetivo. Esta é, em definitivo, uma síndrome vital na qual os casos leves tendem a uma espontânea e rápida compensação com repouso e vida rústica. Dentre as causas mais freqüentes de seu aparecimento, ressalta este autor o excesso de trabalho, a falta de repouso, infecções e outras somatoses, conflitos amorosos e matrimoniais, dificuldades e prejuízos econômicos, traumas de acidentes, conflitos jurídicos e econômicos, alimentação defeituosa etc.
Quadro clínico
O início do distúrbio pode ser súbito ou gradual, assim como os sintomas podem ser episódicos ou persistentes, sem remissão por um longo período de tempo. A característica central da síndrome como um todo é sua tendência para a cronicidade e, freqüentemente, à severa incapacitação do paciente. Em função dos inúmeros sintomas descritos na neurastenia, torna-se muito difícil estabelecer um quadro clínico específico, principalmente pelo fato de que muitos desses sintomas, como já foi citado, acabaram por ser absorvidos por outras rubricas. No esforço de agrupar estes sintomas, Mirouze, baseado numa tipografia aproximativa em que Beard descrevia uma série sintomática ("síndrome de fraqueza irritável"), relaciona:
1) Uma sensação profunda de fadiga matinal, o que pode ser muitas vezes confundido com a angústia e o mal-estar geral que acometem o paciente com depressão maior, em função da variação circadiana desta doença (o ritmo biológico da serotonina). Os pacientes acusam uma fatigabilidade corporal e psíquica com diminuição da sua vontade de fazer coisas, ficando com o desejo de ficar entregue ao cansaço na cama;
2) Alterações do sono, com insônia noturna e a presença de sonolência diurna. Esta insônia é favorecida por um temor à insônia, que leva o indivíduo a uma progressiva excitação à medida que chega o momento do repouso noturno;
3) As alterações sexuais encontradas são, a impotência e a frigidez. É importante destacar que a impotência nem sempre vem acompanhada da perda do desejo sexual. Freud vê precisamente no excesso de poluções masturbatórias a gênese da neurastenia. Porém, segundo outros autores, parece que o que ocorre é o oposto, isto é, que o mal-estar que estes pacientes apresentam provoca secundariamente uma reativação do desejo masturbador, já que esta manobra quase automática, além de um gozo compensador, conduz a uma lassitude e sedação momentâneas do mal-estar inicial (que se observa, por exemplo, nos presos que se encontram forçosamente reclusos em celas de isolamento;
4) Cefaléia, principalmente do tipo constritiva, chamada crânio-neurastênica, onde há um aumento da sensibilidade do couro cabeludo, dores na nuca e na coluna vertebral, as chamadas raquialgias neurastênicas;
5) Alterações sensoriais diversas que vão desde dimetrias com presença de pontos luminosos que se deslocam diante dos olhos, até uma astenopsia neurastênica, que é o chamado "olho irritável", com queixas de dores nos olhos durante a leitura. Pode existir também sensação de voz abafada ao falar, além de outras manifestações neste campo;
6) As alterações psíquicas são caracterizadas por dificuldade de concentração intelectual, sentimento de tristeza e desespero, instabilidade afetiva geral, angústias fóbicas numerosas (espaço, doença, luz, meio de transporte etc.). A dificuldade de concentrar a atenção no trabalho mental e a impressão de perda da memória, impressão esta, na realidade, produzida por um duplo mecanismo: estreitamento do campo dos interesses perceptivos que origina diminuição da capacidade de fixação de estímulos e, por outro lado, aumento dos fenômenos de inibição cortical que dificulta enormemente a tarefa evocativa das recordações, constituem queixas muito freqüentes deste tipo de paciente. Não obstante, essa suposta dificuldade mnêmica não é efetiva, já que os enfermos conservam bem todos os dados referentes à evolução de uma doença, inclusive com detalhes, medicamentos tomados, conselhos, propostas, orientações dos médicos etc. Porém, realmente chama a atenção, a freqüência de queixas insistentes sobre dificuldades mnêmicas, sendo estas talvez das mais comumentes encontradas nas consultas aos clínicos em geral. Nos casos mais severos de síndrome neurastênica, foram descritos também a falta de sentimento do eu, que, chegando a extremos, provoca no paciente a sensação de despersonalização, como se sua própria pessoa lhe fosse estranha. Apesar da síndrome de despersonalização poder apresentar-se também, como elemento mórbido integrante de outros quadros clínicos, especialmente de feição psicótica, algo como esquizofrenias, melancolias, epilepsias etc., acredita-se que a presença mais freqüente desta síndrome ocorra nos estados neurastênicos, o que coincide com diversas parestesias e algias cefálicas, impressão de alheamento da realidade, pobreza autoscópica, exacerbação da angústia com tendência à auto-agressão para comprovar que "ainda é possível sentir o corpo" ou com as chamadas espelhofobias, ou seja, o horror à visão de sua imagem física que permite comprovar que o paciente não é mais quem era anteriormente. Nos casos em que a impressão de despersonalização ocorre de uma forma crítica, deve-se pensar que pode se tratar de um equivalente comicial devido a um espasmo vascular talâmico. Outras vezes, a base fisiopatológica pode ser uma disorexia central, indo da anorexia à bulimia, os dois extremos deste transtorno (GD Stockings), ou mesmo pode se tratar de um quadro hipoglicêmico. Mas, se o sentimento de haver perdido o eu persiste, sem existir uma típica síndrome de Cottard, coincidindo com os restos dos sintomas neurastênicos, teremos de pensar preferencialmente em uma explicação psicogênica (suicídio simbólico da personalidade frente a uma situação difícil ou intolerável – Mira y Lopes);
7) Alterações da motricidade: agitação psicomotora, pseudo-ataxias, tremores e fibrilações musculares, paralisias temporárias etc.
8) Alterações da sensibilidade: hipersensibilidade da gengiva e dos dentes com precocidade de cáries dentárias, formigamento, nevralgias erráticas e vagas, hipersensibilidade freqüentemente paradoxal dos mecanismos. Sobressai a presença de hipersenbilidade da coluna vertebral, constituindo a "síndrome de irritação espinhal", com raquialgias variáveis e sensação de peso lombar;
9) Alterações autonômicas: alterações cardíacas que dão o chamado "coração irritável ou erético" com taquicardia e desequilíbrio vasomotor. Estas alterações encontradas no "coração irritável" deram Iugar a outras denominações conhecidas como "coração de soldado", "síndrome de Da Costa". Atualmente, estão mais detalhadamente descritas dentro do transtorno do pânico (ataque de pânico). Hiperidrose palmoplantar, alterações da sede, hipersalivação, secura da pele e das articulações, hipersensibilidade geral ou local em função das variações de temperatura;
10) Alterações digestivas: nota-se muitas vezes uma disfagia caracterizada por dificuldade à deglutição – os pacientes relatam não poder engolir. Existem também queixas de uma dispepsia astênica que costuma provocar dores variáveis, acalmadas pela alimentação e por ansiolíticos.
11) Alterações biológicas: naquela época descritas como a presença, na urina, de oxalatos, uratos e fosfatos. Hoje, uma série de dados biológicos têm identificado a presença de fadiga crônica como sintomatologia principal neste grupo de pacientes.
Para George Beard, a doença seria resultado de um enfraquecimento da força nervosa, o que geraria no sistema nervoso central um funcionamento caótico, sendo a causa desta fraqueza energética o "surmenage físico e mental" criado pelo modo de vida do povo americano, submetido a uma industrialização rápida que o forçava a despender brutalmente energia nervosa, cuja possibilidade de recuperação era insuficiente. Frente a esta sucessão de descargas energéticas, o fluxo constante de movimentos seria criado, distinguindo-se um grupo de indivíduos não-nervosos, que, com uma resistência maior à propagação deste fluxo, teriam tendência a localizar alteração em uma afecção funcional por vezes somática, e os indivíduos nervosos, cujo influxo seria responsável por alterações funcionais variadas e generalizadas, George Beard descreveu algumas variedades de neurastenia, entre as quais: a neurastenia cerebral ou cérebro-astenia, com desgaste cerebral e sintomatologia psíquica, afetiva ou intelectual; uma neurastenia espinhal ou mielastenia, bastante dependente da anterior, cuja sintomatologia principal seria a raquialgia; uma neurastenia traumática, devido a traumatismos físicos como desastre de trânsito, de avião etc., ou psíquicos (traumas psicológicos). Também descreveu uma neurastenia digestiva ou dispepsia nervosa, com cortejo sintomatológico gástrico acompanhando o processo digestivo; uma hemineurastenia, com sintomatologia que predominava em geral em um lado do corpo, principalmente o esquerdo. A histeroneurastenia atingia principalmente as mulheres, e a neurastenia sexual, preferencialmente o sexo masculino, gerando impotência, ejaculação precoce, poluções súbitas e doenças prostáticas.
Este quadro clínico foi a seguir modificado na França por Charcot e conservado nas últimas descrições de Montassut (1938) e Raclaut (1955) sobre aspectos da trineurastenia, com astenia matinal, cefaléia e raquialgia, às quais se juntariam alterações funcionais diversas e um estado mental particular, basicamente do tipo depressivo, com tristeza, desinteresse, sentimento de impotência até o extremo do chamado marasmo neurastênico.
Etiologia
No final do século XIX, quando Beard elaborou a sua doutrina da neurastenia, o mundo científico vivia sob a influência do movimento da física orientado pelas leis da termodinâmica. Como efeito do pensamento dessa época, a essência da natureza passa a ser a distribuição e redistribuição da energia que, em suas sucessivas formas, deveria ter o seu equilíbrio mantido. Com o aparecimento da Segunda Lei da Termodinâmica (relativa à Entropia), toda explicação mecânica que supunha que os seres atuavam entre si por contato, vai originar um novo espaço, o da distribuição espacial da energia, que seria uma força. O modelo energético substitui então o modelo da matéria em ciência. Assim, este poder ao qual a física dos últimos decênios do século XIX outorga o papel da verdadeira realidade, é a energia. Este modelo influi em todo o pensamento de Freud na construção da teoria psicanalítica, na existência de impulsos e na teoria das pulsões. Como também já citei no início deste artigo, as hipóteses de John Brown sobre a teoria da irritabilidade e da exaustão do sistema nervoso influenciaram as concepções de neurastenia e psicastenia. Assim, podemos observar uma hipótese nascida no século XVIII sofrer a influência do crescimento da física do século XIX e ser adaptada nas teorias de Beard.
O próprio termo que Beard escolheu, neurastenia, no grego significa "falta de força do nervo" (fraqueza). Para ele, a neurastenia seria a resultante de uma diminuição da energia nervosa, uma substância concebida de um termo físico, mas que não era passível de definição ou de medida direta. Este aspecto, a impossibilidade de medir e quantificar a fadiga, ainda hoje é um problema sem solução para pesquisas, sejam epidemiológicas, químicas, biológicas ou terapêuticas que poderiam contribuir com a compreensão do assunto. As demais explicações teóricas para a neurastenia na realidade constituíram variações em torno das idéias originais de Beard. Tomemos como exemplo o próprio Pierre Janet, que também se inspirou na mesma concepção de diminuição de energia mental constitucional.
Um outro aspecto de relevância em termos etiológicos seria o motivo da ocorrência de diminuição de energia nervosa. Na época de Beard (segunda metade do século XIX), as teorias de degeneração e as teorias genéticas ganharam importância. As hipóteses de constituição e de transmissão genética são também aplicáveis na neurastenia. O que poderia ser levantado como hipótese seria uma herança negativa de má constituição apontada como fator que predisporia ao aparecimento dos sintomas, desde que alguns fatores atuassem em cima deste terreno. As outras hipóteses estariam ligadas ao excesso de trabalho, de esforço físico ou à presença de emoções prolongadas que desgastariam a energia nervosa, levando a uma diminuição que chegasse a níveis muito abaixo daqueles requeridos para um funcionamento normal.
Freud e a escola psicanalítica propõem explicações diferentes. Como já citei, para ele a etiologia da neurastenia seria sexual; existe em todo o seu trabalho uma constante reafirmação deste fato, que norteia, inclusive, sua teoria geral da etiologia sexual das neuroses. Para ele, os sintomas neurastênicos, seria resultado de uma excessiva dissipação da libido (energia sexual) pela masturbação ou pelas poluções noturnas. Em função desta causa estritamente sexual, as práticas sexuais inadequadas conduziriam a uma sintomatologia neurastênica que não era, para Freud, de forma alguma relacionada a fatores hereditários ou ao excesso de trabalho, pois ele achava que estes jamais poderiam provocar o quadro clínico da neurastenia. Outros autores da psicanálise seguiram Freud, como, por exemplo, Fenichel, Reich e outros.
Na vertente das versões psiquiátricas, muitos autores escreveram sobre a possível etiopatogenia da neurastenia, no sentido de procurar explicar o complexo problema das relações mórbidas do indivíduo com os seus órgãos. Podemos distinguir entre esses autores duas posições antagônicas: as neurastenias constitucionais e as acidentais. Dentre os autores que defendiam as neurastenias constitucionais, destaca-se Kurt Schneider, que deixou uma importante obra sobre as personalidades psicopáticas, como já vimos em outro artigo nosso da RedePsi, onde ele descreve uma personalidade astênica (fraqueza constitucional), que possui como característica central uma auto-observação ansiosa no domínio somático (a vertente neurastênica) ou mental (a vertente psicastênica). Ele distinguia personalidade psicopática verdadeira (auto-observação ansiosa que altera o funcionamento somático) das constituições somatopáticas que poderiam estar associadas aos traços mentais patológicos.
Apesar da grande importância do seu trabalho e relevância incontestável dentro do campo da Psiquiatria, suas idéias não foram totalmente absorvidas por inúmeros outros autores, que procuraram expandir as explicações sobre a natureza da neurastenia em função de fatores adquiridos atuais e acidentais. As explicações mecanicistas diziam que em alguns aspectos patogênicos teríamos uma alteração de um órgão que geraria uma alteração nutricional do sistema nervoso. Vários autores se sucederam nesta explicação, dentre os quais M. Bouchard, atribuindo à auto-intoxicação; Hayem, a um vício de nutrição de origem dispéptica; Loeven, a ações reflexas de origem gastrintestinal; Fr. Glenard, à enteroptose; G. Tumas, às alterações vasomotoras (em sua tese sobre a melancolia); Férét, a um excesso de vibrações nas células cerebrais; Erb, a uma alteração íntima da nutrição dos elementos nervosos; Régis, à arterioesclerose em fase inicial; e, para o próprio Beard, a um defeito de equilíbrio entre o uso e a reparação da célula cerebral. Para a maioria das pessoas do mundo e para muitos neurologistas, a responsabilidade era devida a alterações da imaginação ou a uma doença do espírito (a sensação de fadiga do neurastênico seria imaginária e dependeria de uma idéia fixa), Charcot, Reymond, Brissaud e Gilbert Ballet persistiam com a hipótese do esgotamento da energia nervosa. Para Tinel (1941), a neurastenia seria uma forma menor de psicose melancólica. Begoim, em 1956, tenta explicar a neurastenia baseado nas concepções de Pavlov sobre o funcionamento da atividade nervosa superior e nas teorias órgano-dinâmicas de Henri Ey (que foi mestre do Autor em Paris). Bugard, que estudou de maneira bastante ampla a fadiga, a explica como uma reação do organismo à somatização esgotante de agressões diárias. J. Mirouz, 1962, destaca na fadiga patológica a importância da participação hormonal na produção dos quadros clínicos análogos em todos os pontos dos estados neurastênicos. Ele distingue as etiologias supra-renais, tireoidianas, insulínicas, hipofisárias (pituitárias), que induziram síndromes diferentes segundo o hiper ou hipofuncionamento glandular. Acoplada a este distúrbio hormonal, uma etiologia psicossomática constituída de conflitos, tensões, frustrações e agressões do cotidiano seria responsável pela síndrome astênica, através da via diencefálica.
Para Fleurry, que propunha uma teoria mecânica na neurastenia, o mecanismo da fadiga seria organizado a partir do esgotamento nervoso e seria composto de quatro fases que se sucederiam. Na primeira, existiria a causa, como, por exemplo, uma intoxicação pelo álcool, por venenos alimentares, uremia, albuminúria, ou até um gasto exagerado da atividade motora e esgotamento por excesso de emoções, desencadeando em um segundo tempo alterações celulares nervosas, principalmente sobre as células da matéria cinzenta, gerando um estado de hipoatividade, meio funcionamento, estado intermediário entre a atividade e o sono. Em um terceiro tempo, haveria uma ptose, que seria um hipotônus muscular e glandular onde ele dizia que se baseava todo o quadro sintomatológico, como também toda a anatomia patológica da neurastenia. A neurastenia seria uma doença da fraqueza, essencialmente constituída por um enfraquecimento muscular, uma pobreza de secreções e um desgaste da nutrição. Ele acrescentava ainda que a todo desgaste do sistema nervoso correspondia uma sensibilidade geral por toda a parte uniformemente diminuída: não como zona de anestesia dos histéricos. Ele relacionava todos os sintomas somáticos e estados mentais que decorreriam de uma hipotonia muscular dos músculos de fibra lisa (visceral) ou de fibras estriadas (cardíacas e esqueléticas). Cada hipotonia muscular corresponderia a um sintoma somático, de acordo com o órgão a que esse músculo pertencia. Desta mesma forma, relacionava a hipossecreção glandular gástrica, pancreática, hepática, salivar, cutânea e testicular, os sintomas daí decorrentes e o estado da nutrição com uma diminuição da atividade da redução do sangue arterial e venoso, um abaixamento por vezes apreciável da temperatura, um excesso de ácido úrico, diminuição da uréia e um abaixamento dos coeficientes de oxidação. Em um quarto tempo, fase que ele atribuía às modificações do estado mental, haveria, como conseqüência de toda esta sintomatologia, uma alteração nos pacientes que se tornariam tímidos, medrosos, preguiçosos, melancólicos. E, assim, ele concluía a neurastenia e todo o conjunto de sintomas que apresenta dizendo que estes pacientes dependeriam de um desgaste nervoso, sendo primitivamente uma doença do tônus e secundariamente doença da nutrição, ocasionada seja por uma intoxicação, por um gasto excessivo de energia ou por um abuso de irritação emocional. Envenenado ou desgastado, o cérebro passaria a funcionar em um estado de meia atividade vital, não comandando mais os órgãos e gerando um abaixamento funcional dos músculos, das glândulas, dos sistemas de nutrição, se refletindo por seu turno na consciência (espírito) que é o que propriamente se constituiria no estado mental neurastênico.
Em definitivo, a fadiga comporta uma noção complexa que não pode ser fidedignamente estudada, senão pela análise dos diversos elementos que a compõem. Entretanto, seu conhecimento preciso em domínios tão diversos como a Psicologia, a Sociologia, a Biologia, a Psiquiatria, a Medicina, a Filosofia etc. não permite repudiar a noção de energia nervosa global, que, por mais hipotética que seja, possui um valor incontestável na clínica, segundo Mirouze.