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Head Hunting: Quando as práticas organizacionais esbarram na ética e no comportamento dos psicólogos?

Quando os testes psicológicos, primeiramente com objetivos clínicos foram ampliados à prática do psicólogo organizacional em rotinas de recrutamento e seleção de funcionários para uma determinada posição de trabalho, a psicologia se viu obrigada a refletir e atualizar o seu código de ética e suas ferramentas de trabalho. Um exemplo recente, foi a reavaliação das ferramentas de testagem psicológica disponíveis no mercado e a varredura destas, se não estivessem de acordo entre metodologia, epistemologia e fundamentação perante os critérios científicos estabelecidos pelos órgãos fiscalizadores (CRP, CFP). Hoje, acompanhando a demanda da globalização, do capitalismo, da era da tecnologia e demais determinantes de ordem econômica e cultural, a presente coluna irá sugerir uma reflexão acerca de outra prática do psicólogo organizacional: o Head Hunting.

A prática de Head Hunting pode ser definida como a prestação de serviços (Recrutamento e Seleção) destinados a identificação, atração e avaliação de profissionais especializados e / ou executivos para postos estratégicos, independente de sua área de atuação. Nesta modalidade, a procura e seleção de pessoas para posições-chave passa a ter dimensões estratégicas e deve ser muito bem planejada para que sejam alcançados os objetivos pré – definidos pelo contratante. Sua forte e marcante característica é reconhecida pela conduta específica de rastreamento e busca de talentos no mercado de trabalho, considerando em seu arcabouço, técnicas para rastrear profissionais que já estão trabalhando. Pode-se dizer, que ousadia, o planejamento, a criatividade e o sigilo são as principais características comportamentais do psicólogo que atua com Head – Hunting.

A área de RH conhece estes profissionais pelo termo “Caçadores de Cabeça”, devido a sua conduta em recrutamento e seleção envolver rotinas bem específicas como: A) Identificar, conhecer e refletir sobre o mercado de trabalho e mão – de – obra de uma determinada área; B) Construir, lapidar e acumular técnicas de negociação, persuasão, investigação, rastreamento, monitoramento e recrutamento de candidatos (mesmo os candidatos já recolocados / trabalhando); C) Utilização de ferramentas de testagem psicológicas específicas em vista de que o tempo para avaliar profissionais recolocados é diferente do tempo que detém um candidato que está disponível no mercado de trabalho. O sigilo do Head Hunting se refere não apenas às empresas concorrentes de seu contratante, mas também a integridade do seu candidato.

Alguns administradores defendem que a prática dos Head Hunting está associada a espionagem industrial, alguns psicólogos defendem que esta prática esbarraria na ética de nossa categoria pelo fato de ser conivente com uma situação socialmente indesejável, o foco de seleção acaba sendo os candidatos que já estão trabalhando em concorrentes de nossos clientes e por tanto, “caçar – cabeças” passa a sinônimo de “roubar candidatos”.

Para ilustrar o dia – a – dia de um Hunting, resolvi fornecer um recorte, mesmo que fictício, embasado na prática das empresas onde trabalhei e do relato de colegas que atuam e / ou atuaram com esta modalidade de seleção de pessoal

“Ao receber o perfil da vaga (Diretor de Produção para o segmento automobilístico) e do candidato (Competências A,B,C,D….) da empresa XXX S/A (Cliente), o Consultor Head Hunting inicia o seu trabalho:”

 – Identifica os concorrentes da XXX S/A, levantando telefones, histórico institucional no site destas empresas, internet, matérias de jornal que relatem resultados da empresa (Onde geralmente o entrevistado é um Diretor ou gerente…) para dar início a coleta de dados;

– A primeira concorrente é a Indústria VVV S/A. O Consultor adquiriu o telefone no site (que geralmente já tem o departamento) e entra em contato: “Boa tarde, com quem eu falo? Por favor, você poderia me transferir para telefonista ou departamento de produção? É Jorge da LL Fornecedores de borracha”. É aqui a primeira entrada do Hunting na Organização alheia. A cada contato, o nosso consultor vai mapeando os telefones, nomes, cargos, departamentos, quem atende em cada ramal, omitindo a sua função, pois o Sigilo é sua prioridade, ninguém pode saber que uma empresa de RH está sondando os candidatos, pois seria muito desagradável: “Sabe o que é…é que eu trabalho na agência KKK e to entrando em contato para oferecer uma vaga para o Diretor de vocês….”. O Consultor de RH sabe que deve proteger a integridade do candidato, pois se ele não for aprovado, deve dar continuidade ao seu emprego.

– O Atendente do CAC (Central de Atendimento ao Cliente) que atendeu nosso consultor passa para o departamento de produção. Quem atende lá é um Analista de Planejamento e Controle de Produção. Nosso Consultor muda a abordagem: “Olá com quem eu falo? É que eu estou aguardando o Diretor de vocês, como é o nome dele mesmo…é oooo….”. O Analista que nada sabe, pensa que está lhe dando com uma ligação comum e entrega de bandeja o nome: “Haaa você está aguardando o Sr. Luis Diretor da Fábrica?”…nosso Hunting: “Isso mesmo, você poderia me passar para ele e também o ramal direto, caso a ligação caia?”.

– Chegando finalmente ao ramal do primeiro Diretor de Produção da primeira concorrente da XXX S/A, o Hunting, tendo certeza de que está falando com ele se apresenta: “Sr. Luis, posso ter alguns minutos da sua atenção? Meu nome é XXX (algumas vezes fictício), eu trabalho em uma empresa de RH e identificamos o seu currículo no mercado, para uma oportunidade de trabalho…. eu posso lhe falar da vaga e você me diz se há interesse em pleiteá-la….tudo bem?”. É aqui que o nosso Consultor vai ter acesso a quantos funcionários ele dirige, vai obter informações sobre salário e benefícios, etc.

– E assim vai agendando entrevistas com os candidatos. Se as empresas concorrentes estiverem oferecendo melhores condições de trabalho do que a XXX S/A, o Hunting, emite um relatório para justificar as dificuldades em atração de pessoal….sugerindo a empresa que se ela quiser o melhor candidato, terá que manipular as políticas de RH.

Enfim, este é um MICRO recorte do trabalho de um Hunting, em algumas empresas, os Hunting mudam a voz, a argumentação, fazem diagramas para visualizar o departamento (que foi mapeado por telefone, ações da empresa na mídia, etc.), administram sua rotina de maneira planejada, sigilosa e profissional (dentro das considerações de um Hunting), criam emails em provedores como bol (gratuitos), usam celular com bloqueador de detecta, agendam entrevistas em hotéis (lugares neutros), ou seja, a presença da criatividade alinhada ao sigilo como tínhamos discutido anteriormente.

O recorte permite aos leitores que tirem suas próprias conclusões. Até quanto não é ético oferecer uma vaga de R$15.000,00 a um diretor que empregado ganha R$ 8.000,00 sendo que o candidato é o centro decisor, ou seja, é sempre ele quem decide ir ou não participar de uma entrevista para melhor conhecer a empresa que está pagando pela caça de seu perfil? O diretor do nosso exemplo poderia ter negado a ligação e / ou maltratado nosso Consultor dizendo que não concorda com esta metodologia, por outro lado, o quanto não é reforçador positivo saber que alguém no mercado está pagando uma empresa para localizar o nosso currículo e nos convocar para melhores posições de trabalho?

Para empresários, essa prática não é bem vista, pois pode desestruturar uma empresa que está indo bem em sua administração. Suponhamos que o Diretor não esteja nem procurando emprego, que adora trabalhar nessa indústria, dirige suas atividades com alta performance, mas ao receber a ligação do Hunting, decide abandonar a empresa. O capitalismo aqui dita as regras: “Quem paga mais, tem o melhor profissional”.

As empresas de prestação de serviços em Hunting somente existem, pois há capital para sustentá-las, ou seja, há demanda de trabalho, há do outro lado, empresários solicitando cada vez mais este serviço de recrutamento e seleção diferenciados.

No meio desta guerra: é ou não ético, solicitar ou não os serviços de Hunting, estamos nós, os psicólogos pensando em nossa categoria: o quanto é ético usar ou não psicologia para causar danos as empresas, mas benefício e melhores condições de trabalho as pessoas, o quanto oferecer ou não nossas técnicas e abordagens teóricas para o manejo das estratégias Organizacionais e de RH…

O psicólogo organizacional é contratado por uma empresa, mas mesmo neste campo de trabalho, não deve esquecer de sua responsabilidade junto a humanização…Não importa área, o psicólogo sempre estará dividindo responsabilidades e esbarrando sua ética com os demais profissionais:

 – Na clinica com o psiquiatra;

– No hospital com o médico, enfermeiro, fisioterapeuta;

– Na escola com o pedagogo;

– Na Jurídica com o advogado;

– No social com o assistente social;

– No marketing com os profissionais de publicidade e comunicação;

– Nas Organizações…com administradores, economistas, engenheiros, contadores, etc.

Quando as práticas organizacionais esbarrarem em sua ética ou em seu comportamento, em seus limites, sugiro uma reflexão junto a algum supervisor, de maneira semelhante a clinica, nos campos acima não estamos imunes as nossas limitações pessoais e profissionais.

Abraços,
Eduardo Alencar

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