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Pequena Biografia de Leopold Szondi

Observação: Em 1983, quando da abertura oficial, legal e jurídica, da Sociedade Szondiana Brasileira Schicksalsanalyse, apresentei este trabalho, aqui resumido, como uma homenagem a Leopold Szondi. Os dados que aqui vão, eu os obtive de correspondências trocadas entre seus três discípulos diretos brasileiros, com os quais fundamos a Sociedade, e Szondi, como também dos relatos das experiências que estes mesmos discípulos tiveram na convivência com o Professor, por vários anos, em Zurique. A Sociedade publicou este presente trabalho juntamente com a "Introdução à Psicologia do Destino, de Szondi" (ambos esgotados), da qual fiz um resumo aqui na RedePsi em três partes.

Há muitos anos manifesto enorme admiração aos pesquisadores no domínio da alma, os quais, como argonautas em viagens de descoberta em continentes não desbravados, o fazem com a maneira do Ser do homem. Eles avançam no sentido de chegar, não somente, a descober­tas excitantes, mas, também, igualmente tornarem-se profissionais prestativos, os quais permitem às pessoas, nas suas necessidades da alma, uma saí­da ou uma cura. A ligação de pesquisador e clínico apresentou-se a mim na figura de Leopold Szondi, de maneira particularmente marcante, exem­plar e digna de respeito.

Seus discípulos observaram a vivacidade de movimentos, espontaneidade da fala, a amabilidade e, sobretudo, a visão de seus sábios e bondosos olhos. Em seu rosto aberto apresentava-se o brilho da experiência de uma longa vida, e as rugas, os traços de aflição e sofrimento, mas com a clara e amiga vivência deste mundo; em seu rosto, diziam eles, encontraram a força mais intensa de seu ser. Era de se admirar, desde o início de sua presença espiritual, a precisão das datas, dos detalhes, que estavam sempre disponíveis; não havia, apesar da idade avançada, vestígio algum de uma claudicação da memória ou do pensamento. Pensamos que toda sua vida foi ocupada e movida por este assim chamado impulso dos pesquisadores fanaticamente possuídos.

Leopold Szondi veio ao mundo em 11 de março de 1893 em Nyitra, na Eslováquia pertencente à Hungria, como filho de um fabrican­te de botas, Abraham, nascido em Menyhert em 1837. O avô, prematuramen­te falecido, foi arrendatário de uma gleba agrícola, e o arrendamento foi continuado, posteriormente, por sua avó. Seu pai, um homem religioso, descurava de sua fábrica de botas, pois por natureza era um erudito judeu, que estudava os escritos hebraicos de manhã cedo até tarde da noite, tornando-se, posteriormente, rabino-auxiliar em Buda­peste, dirigindo o serviço religioso. Seu pai casou-se duas vezes, do primeiro casamento teve dois filhos e duas filhas, do casa­mento com Therese Köhn, teve nove filhos. Leopold foi o décimo-segundo filho de seu pai e o oitavo de sua mãe.

As condições familiares foram muito pobres. Moravam em uma pequena casa térrea de chão batido e sem água corrente. Com esta vida de penúria, a família transferiu-se, em 1898 para Budapeste, porque lá, os filhos mais velhos estavam em boa posição profissional, e com isto, poderiam também ajudar a família.

Um irmão cuidava de negócio com gêneros alimentícios, outro, de uma loja de roupas, um outro irmão dirigia um armazém, e ainda outro, era diretor de escola. Em determinado sentido foi para Leopold Szondi muito importante um de seus meio-irmãos, Wilhelm. Este como médico foi, de fato, decisivo para a escolha profissional de Szondi.  

As relações entre os parentes era curiosa. Sendo Szondi bem mais novo que seus meio-irmãos, o filho mais jovem de Wilhelm, era um ano e meio mais velho do que seu tio Szondi.

Os pais falavam o esloveno, mas eles domi­navam também a língua alemã. Szondi aprendeu em Budapeste o húngaro. Sua mãe, de origem simples, era analfabeta; o pai aprendeu a língua húngara falada e escrita. Ele recebia, freqüentemente, rabinos como em um seminário. Mas, o pai nunca falava às crianças de sua vida religiosa. Szondi era o único a acompanhar o pai à sinagoga, mas ele também não conseguiu ter com o pai um contato mais profundo com seu pensamento. Depois da morte de­ seu pai, ele rezou, por um ano inteiro, todas as manhãs e à noite, junto à comunidade, a oração fúnebre. Neste ano, Szondi seu pai incorporando-se em seu próprio eu. A esta ligação paterna ele atri­bui sua crença e lealdade ao judaísmo. Szondi relata duas vivências do tempo de sua escola primária no sétimo distrito em Budapeste. Uma vez ia Szondi pela praça, pouco depois das 16 horas, triste, derrotado, porque seu boletim escolar estava ruim. Então, lhe aparece um homem desco­nhecido e diz: "Você tem um mau boletim, você foi reprovado em duas matérias". O susto fez-se sentir nos membros do menino, e ele se perguntou re­ceoso: "Como este homem sabe disso?" Em casa escondeu-se na cama, pois temia que seu irmão mais velho lhe desse, prontamente, uma bofetada. Desde então, conta Szondi, sorrindo "eu fui um bom aluno".

A outra experiência identifica o amor à verdade e o senso de justiça de Szondi. Um professor deu um pé-de-ouvido em um aluno, causando-lhe dano no tímpano. Houve uma investigação. Todos os alunos, com medo de conseqüências desagradáveis, disseram não ter visto nada de preciso, somente Szondi atreveu-se a falar a verdade. A conseqüência foi um mau boletim escolar que não lhe possibilitou nenhuma bolsa para o ginásio.

Depois de quatro anos de escola pública primária, ele freqüentou durante oito anos o ginásio Damjanich. Em todas as matérias, mesmo em Educação Física obteve a nota máxima. Enfim, veio um novo professor-chefe na classe, que "era mais cató­lico do que Deus", sorria Szondi, o qual deixou os melhores alunos passarem adiante, e intencionalmente, ignorou Szondi, e o colocou na quarta lista.

Esta injustiça provocou em Szondi não um desapontamento ou resignação ou ainda uma revolta exterior, mas pelo contrário, ele se esforçou a tal ponto, que conseguiu melhores resultados e assim permaneceu até o fim do curso (a Matura, que corresponde ao nosso Colegial). Era particularmente dedicado à língua latina.

Um singular espírito de camaradagem manifestava-se na sua classe, não havendo vestígio algum de anti-semitismo. Szondi ensinava os colegas, antes do início das aulas na classe, aprendia então, lecionando, como ele dizia; seus estudos foram financiados por seus irmãos. No seu tempo livre, lia com zelo obstinado. Ele costumava beijar o livro, quando este o comovia ou o entusiasmava. Recorda-se de uma aposta com seus colegas, que ele também ganhou, de ler um livro por dia.

O que enfim o fez decidir a escolha para a profissão de médico, foram as razões familiares. Sua mãe estava sempre doente, uma de suas irmãs precisava cuidar da casa. Ele freqüentemente era o acompanhante de férias da mulher de seu irmão mais velho, sempre acometida de depressão.

Pouco depois do exame de maturidade escolar (Matura), em 1911, ocorreu uma das experiências mais determinantes, que o levou poste­riormente à teoria de análise do destino, para a série de antepassados da escolha. Ele lia, então, as obras de Dostoiévsky. Perguntou-se: "Por que Dostoiévsky escolhe para heróis de seus romances assassinos e santos?" ­

Szondi refletiu que Dostoiévsky devia projetar as vivências da alma dos assassinos e santos, porque deveria trazer estes caracteres dentro de si, escondidos em sua herança familiar. Muitos anos mais tarde, conta Szondi, encontrei meu ponto-de-vista da juventude comprovado. H. Troyat escreveu a biografia de Dostoiévsky, onde mostra que no conjunto de antepassados do grande escritor havia assassinos e santos. Alguns exemplos mostram isto: em 1606, certa Maria Dostoiévsky deixou que seu marido fosse morto por um empregado, no quintal de sua casa. Shashny Dostoiévsky e seu filho participaram do assassinato, em 1634, de um chefe militar. De outro lado, antepassados do escritor foram literatos, juízes, padres, capitães. Um antepassado, Akindy Dostoiévsky de Kiev, ganhou fama de Santidade.

Depois do exame de maturidade escolar, em 1911, come­çou seus estudos na Universidade Peter-Pazmany, em Budapeste. Ele ficou livre de pagar os estudos porque nas provas de admissão teve bom resulta­do. Durante o período de Universidade, atuou como estagiário voluntário na divisão de neurologia e psiquiatria da policlínica Conde Apponyi, que era dirigida pelo Prof. Ranschburg. Este foi o único, na Hungria, a conduzir um laboratório experimental de psicologia na Faculdade de Pedagogia Terapêutica. Ele pesquisou, entre outras, a "legasthenia" e escreveu um dos primeiros livros sobre a deficiência de leitura e de cálculo (a dislexia). Paul Ranschburg desenvolveu a assim chamada "Regra de Ranschburg", isto é, o impedimento da apreensão de elementos homogêneos na leitura. Ele inventou, sobre isto, um aparelho com o qual são pesquisados a capacidade de leitura e de memória.

A guerra já havia explodido e Szondi precisou ir a Komaron, para o 12º Regimento KundK (Imperial e Real), formado por eslovacos e vienenses. Szondi, como futuro médico, entrou como 2ºSargento-da-Saúde. Foi para o front dos Cárpatos, lá tornou-se Tenente-da-Saúde, já que haviam poucos médicos disponíveis. Em Wolhynien,  precisou exercer a função de Médico-de-Batalhão .

Ele se lembra aí, de uma forte experiência. Recebeu a ordem de atender um outro batalhão como médico; seu superior não queria liberá-lo para o novo posto ordenado. Szondi, entretanto, precisava ir para o outro batalhão, que se situava a uma distância de 5 km, na mesma li­nha. Quando lá chegou, a ordem fora revogada. Durante esta sua ausência caiu u­ma bomba no prédio no qual ele se encontrava anteriormente, e dois médicos morreram. Tais vivências tornam o homem mais crente, disse Szondi.

Uma outra re­cordação de guerra, ele conta, com um piscar de olhos. Na ofensiva dos alemães e austríacos, em 1916, sua companhia sofreu um intenso ataque de artilharia. Todos se estenderam de bruços no chão, ficando nas cos­tas a mochila. Quando o fogo de artilharia cessou, Szondi notou, que uma granada havia perfurado a mochila e o livro "A Interpretação de Sonhos", de Freud, que trazia nela, e havia permanecido encravada nele. Assim ele foi salvo pela obra de Freud.

Estava sempre na linha mais avançada, e se enquadrava com a situação de guerra, sobrepujando o medo de morrer. "A morte é uma abstração", dizia ele. Foi a grande comoção dos conhecimentos que cresciam. Ele viu nesta guerra pessoas morrerem pacientemente, fatalisticamente ou se curvarem ante o destino inexorável, outras amaldiçoavam esta vida, a morte, o destino, estavam revoltadas ou temerosas.

Depois de um sério ataque de vesícula biliar, ele recebeu licença, passando a sua convalescença em Viena. Foi em Viena, em 1916, que teve aquela decisiva experiência onírica, que o levaria às raízes familiares na escolha do parceiro conjugal. Na época, em Viena, ele teve uma profunda inclinação por uma professora de línguas, loira e cris­tã, da Saxônia. Szondi fala sobre isto: "uma noite eu acordei de um sonho com medo, no qual meus pais discutiam sobre o destino trágico de meu meio-irmão mais velho. Este também estudou medicina, em Viena, mais de trinta anos antes de mim, enamorou-se também de uma professora de línguas, era igualmente loira, e de origem cristã, além de saxônica. Ele precisou casar-se com ela, antes das provas finais, e deixar a medicina. Seu casa­mento não foi feliz. Tudo isto aconteceu antes do meu casamento".

Através deste sonho, de um golpe, eu me conscientizei que eu, inconscientemente, repetia o destino de meu meio-irmão. O meu ego, entretanto, rejeitava energicamente esta exigência de família sobre o meu destino. Eu queria ter o meu destino pessoal próprio, e não repetir uma sina familiar já ocorrida, obrigatoriamente.

De manhã eu deixei Viena e voltei ao front. E, pôs-se a pensar: "No inconsciente devem existir, figuras ancestrais e modelos familiares, para as escolhas do descendente. Assim, estavam em mim, os pensamentos de um inconsciente familiar, de uma escolha dirigida pela hereditariedade a um destino obrigatório. O inconsciente fala, sobre isso, em três línguas: uma linguagem dos sintomas, uma linguagem simbólica e uma, de escolha. De fato, o ego, capaz de assumir a­titudes do descendente, tem, também, o poder de escolher de modo contrário às exigên­cias ancestrais". Assim eu cheguei ao conceito: escolha egocativa e desti­no de escolha livre. As exigências ancestrais, contidas no inconsciente podem se manifestar em sonhos ancestrais.

Agora, de volta ao front, trouxe ele consigo a idéia da análise do destino, já em uma forma bastante clara. Mas a guerra não permitia trabalhos de pesquisa, ela o mantinha ainda nas frentes russas, e no Piave, na Itália. Justamente, quando ele permanecia com a tropa, nas proximidades de Udine – isto foi novamente como um desígnio de Deus – veio uma ordem que o enviava à Hungria, devido à malária no quartel supe­rior. Durante sua ausência, o seu regimento foi completamente dizimado no Piave.

Szondi solicitou uma licença de estudos e trabalhou novamente com o prof. Ranschburg. No fim da guerra voltou a Budapeste, e daí veio a Revolução Húngara de Béla Kun. Nestes tempos de guerra, ele pôde prestar suas provas mais cedo, e não precisou, nesta época difícil, fazer exames de especialista, tornando-se imediatamente, médico especializado no campo da neurologia e psiquiatria.

Trabalhou de 1919 até 1924, como assistente no departamento de neurologia e psiquiatria da Policlínica Apponyi do Hospital de Budapeste. Na mesma época atuava como primeiro-assistente no laboratório psicológico da Faculdade de Pedagogia Terapêutica, igualmente, sob a direção do Prof. Paul Ranschburg.

Em 1923, Szondi começou a trabalhar no campo das secreções internas, sendo o primeiro em Budapeste, a introduzir um ambulatório para en­docrinologia e patologia da constituição, na Policlínica. É preciso di­zer também, que Szondi, já em 1921 para 1922, estabeleceu-se como médico autônomo, cuidando em sua clínica particular de doentes psíquicos, e tam­bém de pacientes com distúrbios do crescimento e da idade madura.

Szondi deixou a Policlínica e aceitou o convi­te do Ministro da Cultura húngaro, para dirigir um laboratório de psicopatologia e psicoterapia, na Faculdade de Pedagogia Terapêutica (FPT); igualmente, na mesma ocasião, foi-lhe concedido o Título de Professor. Com isto, tinha ele uma dupla função: de um lado ele era, desde 1927, Professor de Psicopatologia na FPT, e de outro, Médico-Chefe do laborató­rio estatal e de pedagogia terapêutica para psicopatologia e psicoterapia.

Em 1926, Leopold Szondi casou-se com Ilona Radvanyi, profes­sora em Budapeste, nove anos mais jovem do que ele. Moravam, na época, perto de uma igreja no 9º Distrito. Sua mulher trabalhou como prof­essora ainda por algum tempo; depois ela resolveu ajudar seu marido em sua atividade científica e deixou o ensino; ele trabalhava uma tarde sim, outra não, no consultório, de maneira a poder se dedicar mais às suas pesquisas na faculdade. Nos primeiros anos dedicou-se aos problemas da here­ditariedade. Montou um cadastro de famílias de crianças com deficiência intelectual. Para cada família, igualmente, ele levantou uma crônica familiar, e as pesquisas, ­quando possível, até duas gerações – também bioquímica e  radiograficamente; ele investigou principalmente crianças, mas também, criminosos e detentos.

Com estes cadernos de família, fez a descoberta de que freqüente­mente se casavam cônjuges que apresentavam em suas famílias, sem o saber, as mesmas doenças. Ambos os cônjuges eram aparentemente sadios, mas por serem doentes genético-latentes, punham no mundo uma criança deficiente intelectual. Através de sua pesquisa de gerações ele descobria o antepassado dos pais, também deficiente. Sobre isso, fez uma outra descoberta, que no amor, os dois parceiros com as mesmas heranças doentias, procuravam-se mutuamente e se encontravam. Ele denominou a esse fenômeno de genotropismo, uma escolha geneticamente direcionada. Com base nestas pesquisas desenvolveu o seu Teste de Escolha.

Talvez, porém, todos estes trabalhos, descobertas e conhecimentos tivessem permanecidos ocultos na língua húngara, de fato, um espaço geolingüístico limitado, se um singular acaso novamente, não quisesse que ele encontrasse, em 1937, no trem, o professor Géza Révész, de Amster­dã, que passava suas férias em Viena. O Prof. Révész era, entre outras coisas, redator da revista "Acta Psychologica", com larga divulgação, sobretudo nos países nórdicos. Szondi contou em sua conversa, de suas pesquisas, e Révész pediu-lhe que as redigisse e lhe enviasse o manuscrito. O título "Analysis of Marriages" surgiu em 1937 na revista, e isto significou uma honrosa inauguração da obra de Szondi, sendo reconhecido como um significativo pioneiro da Psicopatologia Clínica.

Deve-se acrescentar aqui, que em 1928 veio ao mundo sua filha Eva Verônica, que foi médica e trabalhou no Instituto Szondi em Zurique, e em 1928, o dotado filho Peter, que ensinava germanís­tica na Universidade de Berlim, foi pouco tempo depois nomeado para a Universidade de Zurique, vindo a suicidar-se em seguida.

Quando irrompeu a Segunda Guerra em 1939, por algum tempo nada se aIterou na vida de Szondi. Conduzia sua clínica particular e prosseguia adiante na Faculdade. Em 1941, veio a primeira maldosa usurpação da guerra em seu destino. Como judeu, ele devia deixar todos os postos estatais, e de 1944 em diante, somente doentes judeus podiam freqüentar sua clínica. Eram anos sombrios e ele precisou também deixar sua casa e mudar-se para um prédio habitado somente por judeus.

Nestes anos, não pode trabalhar em Ciência, era corno uma aflitiva espera do desconhecido. Em junho de 1944, veio um novo decreto: uma senhora judia telefonou a Szondi, per­guntando se ele estava pronto para se deixar deportar para Israel. Era um negócio financeiro obscuro com Himmler, da Cúpula do III Reich; 1800 judeus, sendo muitos in­telectuais, entre eles 33 médicos, partiram de Budapeste, na crença de migrar para Israel.

O trem, porém, dirigiu-se para Viena, com demoradas paradas intermediárias, e no final, eles chegaram a Bergen-Belsen, um Campo de Concentração Nazista. Curiosamente, Szon­di conta que neste Campo de Concentração foram decentemente tratados (!), passaram fome, mas, mesmo os guardas alemães não tinham o que comer. Pela intermediação de um médico suíço, que foi ao Campo de Concen­tração e que encontrou Szondi nas proximidades do portão de entrada, ele pode ouvir a redentora notícia que o grupo depois de exatos 6 meses de concentração, poderia partir para a Suíça. No dia 4 de dezembro de 1944, ele chegou em St. Margrethen, em território suíço. A maioria dos outros presos no campo, puderam emigrar para Israel. Pouco tempo antes de sua chegada à Suíça, foi publicado o seu livro "Análise do destino: escolha no amor, amizade, profissão, doença e morte", pela editora Schwabe, da Basiléia.

Depois de uma rápida estadia no Campo de Refugiados de Caux, ele foi convidado por Oscar ForeI para ir a Prangings, recuperar-se. Ele trabalhou então como médico mais de um ano no sanatório onde desenvolveu o método do Psicochoque (atenção: não é eletrochoque), pelo qual uma doença latente poderia se manifestar temporariamente. Daí, com o vivenciado e observado podendo-se chegar a um caminho para a cura.

Em 1946, Szondi foi para Zurique, onde logo recebeu permissão para abrir uma clínica psicoterapêutica, a qual ele exerceu primeiro na Rua da Universidade, depois na Rua Júpiter, e mais tarde na Rua Dunant. Em 1959 ele recebeu a "Cidadania Suíça".

Nesta época de Zurique, escreveu os seguintes quatro livros fundamentais sobre a Análise do Destino. Como contou nas suas cartas, ele viveu estes últimos vinte anos somente para estes livros. Outras atividades preenchi­am sua vida. Em 1947 fundou e dirigiu a "Sociedade de Trabalho para Diag­nóstico Experimental dos Impulsos e Psicologia do Destino"; em 1961 a "Sociedade Suíça de Terapia pela Análise do Destino". Durante o semestre de 1962/1963 ele deu um curso de Psicologia do Destino na Universidade de Zurique. O seu dia mais importante foi o de 28 de abril de 1969, quando foi fundado o "Instituto para Ensino e Pesquisa para Psicologia Profunda Geral, especialmente, Análise do Destino", como "Fundação Instituto Szondi". A doação foi feita por uma suíça.

Em nossa pesquisa sobre Szondi, deu ele, ainda as seguintes informações para a história do nascimento da Análise do Destino. Ele apresen­tou um caso inaugural, que conduziu à aplicação clinica da Análise do Destino.

"Uma jovem senhora veio ao meu consultório em companhia do marido. A paciente sofria de um quadro obsessivo. Quando um filho adoecia, ela o atendia com comprimidos e era acometida pelo medo de estar envenenando a criança. Ela também apresentava a obsessão de que precisava envenenar outras pessoas. Quando dava guloseimas às suas crianças, ou oferecia qualquer outra coisa ao marido e aos hóspedes, imediatamente era acometida pelas idéias de envenenamento. Chorando ela me perguntou:

_ "O senhor já viu alguma vez uma pessoa ser per­turbada por idéias tão tolas?

Eu respondi a ela que há muitos anos, uma mulher idosa, da Província, me consultava regularmente, e que sofria das mesmas idéias de envenenamento.

O marido da paciente, que até o momento permanecia calado, manifestou-se repentinamente:

_ " Mas, eu conheço bem este caso, esta senhora idosa era minha mãe.

Eu peguei minhas anotações sobre esta idosa senhora e li o seguinte:

"A senhora de 72 anos de idade, sofre desde a morte do marido de quadros obsessivos. A amante de um oficial envenenara-se em sua casa. A velha senhora criou a mania de que havia esquecido veneno em alguma parte do quarto. Quando ela deixava um frasco de medicamentos sobre a mesa, come­çava a acreditar que estava querendo envenenar seus filhos e netos. Uma vez ela esparramou veneno de rato no quintal, com o que, passou a ser pertur­bada pela idéia de que queria envenenar toda a vila. Coisa parecida lhe ocorre quando oferece balas e bombons aos hóspedes e às crianças".

A esposa começou a ter idéias de envenenamento somente no quinto ano de casamento, antes que ela soubesse alguma coisa sobre as idéias de envenenamento da sogra, não se podendo falar, portanto, de influência ou contaminação psíquica.

Este caso me ocupou bastante.

Eu me perguntei:

_Por que um homem escolheria como esposa, justamente aquela mulher, que após cinco anos de casamento sofreria das mesmas manias de envenenamento que sua mãe já há tanto tempo havia sofrido?

A mim veio o pensamento de que justamente os mesmos ou aparentados dotes ancestrais – os genes recessivo-latentes – surgindo novamente, poderiam estar na base do destino comum da mãe, filho e nora. Talvez, fosse justamente esta herança genética comum na mãe e na nora, na forma da mesma obsessão neurótica, novamente ­ocorrente, e talvez, o filho, ele mesmo um portador latente da mesma herança genética.

_ "Não teria ele, inconscientemente, escolhido esta mulher por este motivo?"

Há quase quarenta anos, diante de cada árvore genealógica, surge sempre de novo a questão:

_ "Quais são os dotes hereditários ocultos, ressurgentes, determinantes do destino, que aproximam os cônjuges no casamento e no amor? Por que se escolhe esta e não aquela profissão? Por que se adoece, em tal doença e não em outra? Por que um suicida escolhe tal modo para se matar e não outro?

Enfim, através de pesquisas de famílias, eu me lancei na direção destas questões. Eu colecionei várias centenas de árvores genealógicas com base no princípio da atração no amor, amizade, profissão, doença e morte e em 1944, publiquei minha coleção no primeiro livro 'Análise do Destino' ".

Szondi pode formular, com base nestas extensas investigações, a seguinte conclusão:

_ "O meio ambiente (Umwelt) molda o homem, mas, de fato, este se deixa facilmente moldar pelo meio ambiente, direcionado por sua herança genética e segundo o modelo e a figura de seus antepassados".

"O ser humano não tem somente um único destino, mas tantas possibilidades de destino quantos ascendentes marcantes ele traz em seu patrimônio hereditário. Estas possibilidades de destino são desconhecidas para o homem e freqüentemente inconscientes. De fato, justamente estas heranças genéticas ocultas, os antepassados, dirigem o ser humano nas escolhas que moldam o seu destino. Devido a isto, nós falamos de uma escolha e de um destino obrigatórios".

"Apesar disso, o ego, que tem capacidade de resolução, pode aceitar ou rejeitar estas escolhas hereditariamente condicionadas. Sobre isto, nós falamos também – junto à escolha obrigatória – de uma escolha livre do ego, e junto ao destino obrigatório, de um destino livre do ego".

"A hipótese da atração de duas pessoas entre si, tanto no amor como na amizade e na profissão, expressa-se assim: pessoas, que são porta­doras em si mesmas, de heranças genéticas iguais ou aparentadas, atraem-se".

Com base nestas reflexões teóricas, acrescentamos os seguin­tes dados à técnica de pesquisa de famílias:

"Nós precisamos esclarecer não somente os dados de famílias do paciente, mas também aqueles de cada pessoa com a qual o paciente esteve em contato próximo no amor, na amizade ou na profissão". "Todas as profissões dos membros da família e de seus cônjuges ou pessoas amigas precisam ser levantadas. Na Análise do Destino eu pude indicar, com base nas pesquisas de famílias, que os círculos de profissão se cobrem com os círculos de doença".

Para qualquer membro de uma árvore genealógica, precisa ser dado também o caráter. Precisam ser ouvidas as histórias dos doentes hos­pitalizados e colhidos os atos criminosos dos membros da família.

Estes levantamentos são denominamos "arvores genealógicas de direção genética" ou "genotrópicas". É importante acentuar, que o analista do destino tenha sempre na mesa, diante de si, a árvore genealógica genotrópica do analisando, de maneira que ele possa comparar o que o doente conta e suas livres associações, com os dados da árvore genealógica.

As pesquisas de árvores genealógicas mostraram-se, nas últi­mas quatro décadas (1937 – 1975) muito concludentes. Alguma coisa, porém, elas não podiam dizer a resposta a importante questão:

_ Quais dotes hereditários que são indicados na árvore genealógica, o paciente possui em sua bagagem hereditária?

_ "Sobretudo foi esta pergunta que me guiou na construção do meu teste".

Sobre seu teste Szondi diz que:

"Segundo a teoria da escolha, as mesmas exigências ancestrais ocultas deveriam guiar o testando (escolhedor) na escolha experimental de fotografias de pessoas doentes mentais, as quais, também o guiaram na vi­da real, na escolha conjugal, amistosa e profissional. Estas exigências ancestrais aparecem na pessoa, como necessidades de impulso especiais. Daí ser o teste utilizado no diagnóstico experimental dos impulsos".

O dispositivo de exame consiste de uma caixa com seis divisões, cada qual contendo oito fotografias, portanto no total 48. Cada fo­tografia isolada do grupo, constituído de 8 delas, projeta um indivíduo, que em correspondência a um fator de impulso, é, manifestamente, um doen­te mental. Dentro de um grupo de oito fotografias, são representadas todas as possíveis oito necessidades de impulso, isto é, "fatores de impulso" a­través de uma fotografia ancestral.

 Quanto à Análise do Destino procura-se oferecer ao paciente um destino melhor do que aquele que até agora ele viveu. As duas colocações de objetivo que S. Freud deu: a capacidade de amar e de trabalhar valem também para a Análise do Destino.

Porém, estes dois objetivos não são suficientes para se assegurar um destino continuadamente melhor. Nós precisamos acrescentar ao nosso objetivo uma tarefa mais difícil, como aprender a escolher corretamente, em todas as áreas da existência.

Uma vez que a Análise do Destino estabeleceu o axioma segundo o qual a escolha faz o destino, pode-se conceber também, as pessoas doentes do destino, como doentes da escolha. Desta visão seguem-se as tarefas especiais de uma psicoterapia de análise do destino.

Na terapia o paciente precisa ser confrontado com os seus ancestrais causadores da doença (principalmente através dos sonhos ancestrais). O doente precisa observar que estes ancestrais doentes condicionam suas escolhas no amor, na profissão, freqüentemente também na doença.

O paciente precisa também descobrir em si os assim chamados parentes sadios e – quando for possível – com base na estrutura de impulsos ancestrais sadios, escolher por si próprio os objetos do traba­lho, da amizade, do amor.

Uma análise do destino somente estará terminada, quando o paciente, por meio de  livre escolha no amor, na amizade, na profissão, começar já a trilhar o caminho "para um destino melhor".

Szondi destaca com ênfase a figura do psiquiatra suíço Eugen Bleuler, o criador do termo esquizofrenia, em 1911. Szondi o tinha procurado, em 1923, em Zurique, para consultá-Io em relação a um jovem conde, o qual era alcoólatra grave. A consulta de esclarecimento exigiu uma semana, e ela teve lugar na residência particular de Bleuler. Este dava a Szondi a assistência em todas as conversações. A calma de Bleuler, sua tolerância, sua capacidade de calar-se, sua bondade, que nestas consultas ficaram evidentes para Szondi, mereceram para sempre como exemplo e imagem inesquecíveis.

Leopoldo Szondi veio a falecer em 24 de janeiro de 1986.

Deve ser dito, que a Análise do Destino completa os conhecimentos da Psicologia Profunda, com o acréscimo do Terceiro Inconsciente, o Familiar, depois do Pessoal de Freud (Viena) e do Coletivo de Jung (Zurique). Por isso, também, a Análise do Destino é conhecida como Terceira Escola de Psicologia Profunda.

Não confundir com a Terceira Escola de Viena, a Logoterapia de Viktor Frankl, depois da Psicanálise de Freud (Viena) e da Psicologia Individual de Adler (Viena).

 

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São Paulo, outubro de 1983

"SOCIEDADE SZONDIANA BRASILEIRA SCHICKSALSANALYSE"

Presidente e Co-Fundador: Adalberto Tripicchio, Ph D

Sede Jurídica: Rua Itapeva, 518 – 4º and – conj 410

Bela Vista – São Paulo – SP – BR

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One thought on “Pequena Biografia de Leopold Szondi”

  1. Margarete Barasnevcius Vides era essa a sociedade que falou?

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