Essa é uma área de pesquisa muito produtiva e o que demonstra é que cães ou gatos ou outros animais podem captar as intenções de seus donos. Eles captam essas intenções quando os donos estão em casa, mas nesse caso, é claro, é muito mais difícil eliminar os efeitos de sugestões sutis, linguagem corporal, efeito Clever Hans, e assim por diante. Quando eles estão a quilômetros de distância, como no caso desse experimento que acabamos de ver com o JT, que foi feito com distâncias maiores que 8 quilômetros, muitas com 15 ou 20 quilômetros, quando estão a uma longa distância, a idéia de sugestões sutis, efeitos Clever Hans e outras coisas mais, é eliminado. O que eles mostram é que as intenções humanas podem ter um efeito à distância, a intenção de ir para casa irá afetar o cachorro e, se o cachorro pode reagir a uma intenção humana a muitos quilômetros de distância, pode ser que um ser humano também possa responder a uma intenção humana a muitos quilômetros de distância. A interconexão de pessoas através da intenção a grandes distâncias é, é claro, algo que as culturas tradicionais pressupõem. Mas é uma daquelas áreas que sempre foi um tabu para o tipo de dogmatismo racionalista da ciência moderna. Acho que esse estudo de intenção à distância abre uma enorme área de diálogo potencial com tradições espirituais. No decorrer dos últimos anos, venho mantendo uma série de diálogos com Mathew Fox, um padre e teólogo norte-americano, uma pessoa com mente aberta e interessante, e exploramos como essas novas idéias oriundas desse tipo de pesquisa pode nos dar uma idéia mais ampla da noção de alma e da psique em geral. Também abre uma nova possibilidade de pensamento sobre o poder da oração, que tem muito que ver com intenção. As pessoas que rezam acreditam que suas intenções podem ter resultados à distância sem saber bem como isso funciona e, se cães podem reagir a intenções à distância, então há uma nova área de diálogo abrindo-se aqui, que é extremamente interessante. Discutimos isso em nosso livro Natural grace, que é uma série de diálogos sobre questões desse tipo.
O ponto de vista convencional, é que, se você rezar, tudo o que acontece é uma série de pequenas mudanças elétricas e químicas em sua cabeça e é praticamente impossível que isso tenha algum efeito à distância. Bem, a meu ver a mente e os efeitos da mente se estendem no espaço, através da percepção, através da intenção e através daquilo que queremos que aconteça no mundo. Eu dei alguns exemplos de experimentos simples que podem ser examinados e outros que podem também mostrar que a mente pode estar relacionada ao corpo, através do fato de que ela se estende espacialmente por toda a área onde a imagem de nosso corpo está. Acho que esses efeitos são mediados por campos mórficos que mantêm unidas partes de sistemas auto-organizadores, e quando você está lidando com animais domésticos e seus donos, por exemplo, a maneira como os campos mórficos se organizam depende do fato de que cada sistema, em todos os níveis de organização, tem um campo mórfico, e esses poderiam estar em átomos, em moléculas, em cristais, em órgãos, em organismos, em sociedades, e acho mesmo que cada sociedade tem um campo mórfico para todo o agrupamento social. Um cão e um ser humano, quando formam uma união entre eles, são parte de um grupo social. Os cães são animais intensamente sociais, eles descendem dos lobos que têm uma vida social intensa. Portanto, eu acho que o que ocorre quando uma pessoa sai de casa, é que ela ainda continua conectada pelo campo mórfico da família, do qual o cão é parte. O campo mórfico se estica, por assim dizer, mas eles ainda estão ligados por esse campo mórfico, e é devido a essa conexão contínua invisível que a informação pode viajar, as intenções da pessoa podem afetar o cachorro em casa.
Portanto, eu interpreto tudo isso em termos de campos mórficos. É claro, outras pessoas podem querer interpretá-lo em termos de outras coisas, e pode ser que isso esteja relacionado com a não-localidade quântica, ninguém sabe. Existem na física quântica, fenômenos não-locais misteriosos, sistemas que foram conectados como parte do mesmo sistema, e quando são separados retêm essa conexão não-local e não separável à distância. Bem, uma pessoa e um cachorro, que estiveram conectados por terem vivido juntos como companheiros, quando se separam podem ter uma conexão não-local semelhante. Mas ninguém sabe se essa não localidade quântica se estende aos fenômenos macroscópicos ou não. Não há razão para que isso não aconteça, que eu saiba, mas, por enquanto, eu falo sobre isso em termos de campos mórficos. Acho que esses campos têm uma espécie de memória, essa é minha idéia de ressonância mórfica, o que significa que cada tipo de campo mórfico tem uma memória de sistemas passados semelhantes, por meio de um processo de ressonância através do espaço e do tempo. Os campos são locais, estão dentro e ao redor do sistema que eles organizam, mas sistemas semelhantes têm uma influência não-local através do espaço e do tempo, oriunda da ressonância mórfica que dá uma memória coletiva para cada espécie. Não tenho tempo de explicar os detalhes da teoria da ressonância mórfica, a não ser para dizer que cada espécie neste planeta teria uma memória coletiva. Todos os ratos extrairiam memórias da memória coletiva de ratos anteriores. Se ratos aprenderem um novo truque no laboratório, outros ratos em outros locais deveriam ser capazes de aprender o mesmo truque mais rapidamente. Há já evidência, que eu discuti em meus livros, de que isso realmente ocorre. No reino humano, se as pessoas aprendem uma nova habilidade, como windsurf, ou andar de skate, ou programação de computador, o fato de que muitas pessoas já aprenderam a mesma coisa deveria fazer com que fosse mais fácil para os outros aprenderem. Bem, essa é uma teoria que, claramente, é muito polêmica, e eu a descrevi em detalhe em meus livros A new science of life e A presença do passado. A presença do passado foi traduzido em português e publicado pelo Instituto Piaget, portanto está disponível aqui.
Já houve um número considerável de testes experimentais e quando um número grande de pessoas está envolvido, eles dão resultados positivos; com uma amostra pequena (20, 30 pessoas) aprendendo algo novo, os resultados são às vezes positivos e às vezes não significativos. Esses efeitos são relativamente pequenos e difíceis de detectar no contexto de variações individuais. Mas há certos tipos de evidência que surgiram espontaneamente, que são relevantes aqui, e um deles está relacionado com testes de QI. Como vocês sabem, os testes padrão de QI vêm sendo ministrados por muitos anos para medir a inteligência e esses mesmos testes são aplicados ano após ano, todos os anos as médias expressas em porcentagens. Foram feitos estudos para examinar a contagem de testes de QI no decorrer do tempo; quando examinamos o desempenho absoluto nesses testes – e aqui estamos falando de testes feitos por milhões de pessoas – os testes mostram um efeito muito interessante que foi descoberto pela primeira vez por James Flynn, e portanto é chamado de Efeito Flynn: há um aumento misterioso e inesperado nas porcentagens do QI com o correr do tempo. Aqui temos um gráfico mostrando resultados de testes de QI. Isso foi tirado de um número recente da revista Scientific American, de uma discussão do Efeito Flynn. As porcentagens aumentaram uns três por cento a cada década, não só nos Estados Unidos, mas também na Inglaterra, na Alemanha, na França, provavelmente em Portugal. O que quero dizer é que, onde quer que fosse que eles examinassem os dados, descobriram esse aumento. Por que o QI é uma questão polêmica na psicologia, tem havido muita discussão sobre a razão pela qual isso aconteceu: melhor nutrição, escolas melhores, mais experiência com os testes, e assim por diante. Mas nenhuma dessas teorias foi capaz de explicar mais do que uma fração desse efeito. O próprio Flynn, após 10 anos pensando sobre isso, e testando todas essas explicações, chegou à conclusão que o efeito é desconcertante, não há explicação para ele na ciência convencional. No entanto, é apenas o tipo de efeito que seria de se esperar com a ressonância mórfica. Não é porque as pessoas estão realmente ficando mais inteligentes, não há nenhuma evidência independente para um aumento na inteligência. O que está acontecendo é que elas simplesmente estão mais eficientes quando fazem os testes de QI, e eu acho que estão mais eficientes porque milhões de pessoas já fizeram os mesmos testes. Portanto, acredito que o que estamos vendo aqui é um efeito de ressonância mórfica, que poderia explicar esse fenômeno. A meu ver existem muitos fenômenos de memória coletiva que poderiam ser testados experimentalmente e, em meus livros, eu sugiro algumas maneiras de como isso poderia ser feito.
A idéia de memória coletiva não, é claro, unicamente associada com essa teoria. Com relação aos seres humanos, Jung, o psicólogo, já tinha sugerido uma idéia semelhante com sua noção do inconsciente coletivo. Mas o que estou sugerindo é que algo como o inconsciente coletivo não é apenas um fenômeno humano, animais também o têm, todas as espécies o têm e, com efeito, acho que esse tipo de processo da memória opera em toda a natureza. Se você fizer um novo cristal que nunca existiu antes, não poderia existir um campo mórfico para esse cristal. Essa teoria se aplica também a cristais e a moléculas. Se você o cristalizar repetidamente o campo mórfico ficará mais forte, e ficaria mais fácil para a substância se cristalizar. Na verdade isso é um fato bem conhecido dos químicos, isso é que os novos compostos se cristalizam com mais facilidade com o passar do tempo nos vários laboratórios. A explicação desses químicos é que isso ocorre porque fragmentos dos cristais anteriores são levados de um laboratório para o outro, nas barbas de químicos migrantes ou que foram transportados da atmosfera como partículas invisíveis de poeira. Mas eu estou sugerindo que isso poderia ser um efeito da ressonância mórfica e essa é uma das áreas em que ela pode ser testada. Na química existem também outras áreas onde ela pode ser testada.
O quadro mais importante desse fenômeno de ressonância mórfica é que as chamadas leis da natureza podem não ser pré-fixadas, pode ser que nem todas elas estivessem lá no momento do big bang, como uma espécie de código napoleônico cósmico. Ao contrário, as leis da natureza podem ter evoluído com o passar do tempo, talvez elas sejam mais como hábitos, dependendo da memória inerente na natureza. A ciência convencional é baseada na idéia de que as leis sempre foram fixas, e até a década de sessenta pensava-se que o cosmos era fixo e não evolucionário. Hoje temos uma cosmologia evolucionária, onde a antiga idéia de leis estabelecidas não faz realmente muito sentido. Pelo menos precisamos considerar a idéia de que elas puderam evoluir e que isso, eu penso, é uma maneira de compreender a evolução das regularidades da natureza em termos de hábito. Mas de uma certa forma isso também tem conseqüências diretas e práticas para a compreensão do patrimônio biológico, da memória humana e de uma série bem ampla de fenômenos psicológicos. Portanto, acho que nossas mentes se estendem não só no espaço, mas também no tempo. Que dependemos da memória coletiva daqueles que existiram antes de nós e, por sua vez, todos nós contribuímos para essa memória coletiva. Portanto, nossas mentes, em vez de serem coisas individuais isoladas na privacidade de nossos crânios, são extremamente mais interconectadas com as demais através do espaço e do tempo. São muito mais permeáveis às demais, e somos afetados pelos pensamentos de outras pessoas, bem como por suas ações. E por sua vez, podemos afetar outras pessoas, através de nossos pensamentos e atitudes. Isso é algo que a maioria das tradições religiosas nos ensinaram através dos tempos, mas que é negada pela teoria da consciência isolada, que se enquadrou tão bem com o atomismo social das teorias sociais do Ocidente moderno, particularmente na parte do mundo que fala inglês.
Finalmente, eu queria dizer que quando pensamos sobre a consciência deveríamos ampliar nossos horizontes e abandonar a preocupação tão limitada com os sistemas nervosos e cerebrais, e seres humanos e cães e gatos e assim por diante. A maioria das pessoas que pensam na consciência diz "bem, é claro que somos conscientes" e, além disso, existem muitos debates hoje em dia na literatura sobre psicologia animal sobre se os cães são ou não conscientes. É claro, por muitos anos achava-se que eles não o eram, que eram supostamente máquinas. Hoje é bastante respeitável na etologia cognitiva se dizer que os animais pensam, mas isso é o ponto máximo a que o debate chegou. Eu penso que é possível que haja muitas, muitas formas de consciência no universo. Acho muito difícil acreditar que 15 bilhões de anos de evolução cósmica tiveram como resultado unicamente a evolução da consciência humana neste planeta, com uma possível versão reduzida dela nos cães e outros animais, e enquanto isso todo o resto do universo é totalmente inconsciente. Essa é a visão que a ciência nos dá e na astronomia ou na cosmologia não há qualquer discussão sobre consciência. Mas penso que deveria haver. Gostaria de terminar com uma nota bastante provocativa que é uma consideração da consciência do sol. Ora, a idéia de que corpos celestiais possam estar vivos é familiar à maioria das pessoas hoje em dia através da teoria de Gaya. Se a Terra Gaya é um organismo vivo, se a Terra está viva, então será que a Terra pensa? Será que ela poderia ser consciente? Essa é uma questão que raramente vemos ser discutida, mas eu acho que é um tema muito importante para discussão.
Mas ainda mais relevante é a questão do sol. Todas as religiões tradicionais tratam o sol como sendo consciente. É um deus, na religião grega. Na Índia, Surya é um deus e os devotos saúdam o sol de manhã. Eu mesmo faço um exercício de ioga chamada Surya namascar que é uma saudação matinal ao sol. Portanto, essas são tradições que existem em todas as partes, mas, é claro, para nós, com uma estrutura científica, o sol é apenas uma grande explosão nuclear do tipo que ocorre o tempo todo emitindo radiação. No entanto, se você pensar no assunto, mesmo aceitando o ponto de vista materialista, que a interface entre a consciência e o cérebro tem algo que ver com os padrões elétricos de atividade no cérebro, e essa é uma visão bastante geral, que esses campos elétricos mutantes são de alguma forma uma interface entre a estrutura física do cérebro e a consciência. E muitas vezes nos dizem que o cérebro humano é a coisa mais complexa do universo, e que somos os mais conscientes. Na verdade, em termos de padrões elétricos, nosso cérebro é deploravelmente atrasado em relação ao sol. O sol, sabe-se hoje em dia, tem uma série incrível de mutações de ressonância elétrica e magnética ocorrendo em seu interior: ciclos de onze anos, explosões de manchas solares, dinâmica caótica, freqüências ressonantes. No momento existem dois programas principais internacionais de observação solar, Soho e Gaun como são chamados. Um é um sistema de observatórios solares espalhados por todo o mundo, e o outro é um satélite que está observando o sol continuamente. Atualmente esses sistemas estão monitorando, com um detalhamento anteriormente considerado impossível, essas incríveis mudanças eletromagnéticas – minuciosas e complexas – que estão ocorrendo no sol. Bem, se padrões elétricos complexos são uma interface suficiente para a consciência e o cérebro humano, por que é que o sol não poderia tê-los também? Por que o sol não poderia pensar? E se ele está pensando, sobre o que estará pensando? Essas não são o tipo de questões para as quais esperamos ter uma resposta imediata, pois não são exatamente aquelas sobre as quais os manuais de astronomia irão nos ajudar, embora eu pense que os detalhes da eletrofisiologia do sol está sendo estudada de uma maneira muito sofisticada. Um grupo do qual fizemos parte reuniu-se na Inglaterra no solstício de verão do ano passado, e realizamos uma conferência sobre a consciência do sol com alguns fisicos, cosmólogos, pessoas com tradições místicas, e discutimos esse assunto durante três ou quatro dias. Foi uma discussão fascinante já que ninguém sabe nada sobre isso. Ficamos livres de quaisquer limitações específicas, fomos forçados a lançar-nos em especulações totais e, é claro, se o sol é consciente, por que não as estrelas? E se as estrelas são conscientes, por que não as galáxias? Essas últimas teriam uma consciência de um tipo muito mais inclusivo do que a das estrelas que elas contêm. E se as galáxias, por que não os grupos de galáxias? Então teríamos uma idéia de níveis hierárquicos de consciência por todo o universo. É claro, na tradição ocidental, como em todas as tradições, temos uma idéia exatamente desse tipo. A idéia das hierarquias dos anjos na Idade Média não era a de seres com asas, isso era apenas uma maneira bastante ingênua de representá-los. Eles eram compreendidos tradicionalmente como níveis de consciência além do humano. Havia nove níveis dos quais três ou mais eram relacionados com as estrelas e com a organização de corpos celestiais. Eles eram as inteligências das estrelas e dos planetas, os três níveis intermediários dos anjos. Portanto, já existe a tradição no Ocidente sobre uma consciência super-humana. Mathew Fox, eu mesmo, e os principais textos ocidentais sobre anjos, e um livro nosso chamado A física dos anjos, publicado recentemente, retomam o texto principal de Santo Tomás de Aquino, Hildegard de Bingen e de Dionísio o Areopagita, as principais autoridades ocidentais em anjos, e examinam o que eles significavam, e que novo significado eles poderiam ter à luz da cosmologia moderna. Ora, como vocês podem imaginar, esse não é o tipo de livro que vai estar nas listas de leitura das universidades, e é obviamente especulativo, mas foi nossa tentativa de explorar essa questão, sobre a qual, a meu ver, os cosmólogos nos desapontaram bastante, de explorar a questão de lidar com os níveis superiores de consciência que podem existir em todas as sociedades, que, tradicionalmente, acredita-se existirem por todo o universo. Podemos não saber muito sobre eles, mas, é claro, eu tampouco sei muito sobre sua consciência. É um problema notoriamente difícil de se provar, até mesmo que um outro ser humano está consciente. Portanto, se é difícil provar que o sol e a galáxia são conscientes, temos de lembrar que tampouco isso é uma coisa fácil de provar, mesmo com pessoas ou animais. Mas, penso realmente que precisamos ter uma perspectiva ampla quando estivermos pensando sobre psicologia transpessoal, sobre a consciência, sobre os novos paradigmas nas ciências, devemos tentar evitar o tipo de chauvinismo humano antropocêntrico, ou até mesmo o chauvinismo terrestre, e reconhecer que é possível que haja muitas formas de consciência no universo. Penso que estamos no limiar de um período inteiramente novo de descobertas e investigações científicas, e creio também que esta é uma época muito estimulante para estar vivo, e estou muito contente de que seja possível discutir essas idéias.
Observação: Vejo em Sheldrake um ser humano genial, e há anos!
Referências bibliográficas
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