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Psicofarmacologia IV – Os Hipno-Indutores

Alguns dos principais benzodiazepínicos hipno-indutores

Estazolam (Noctal); Triazolam (Halcion); Flurazepam (Dalmadorm); Flunitrazepam (Rohypnol); Midazolam (Dormonid).

Descrição Clínica da Insônia e dos Transtornos do Sono

A insônia é uma queixa, e não doença. Alguns especialistas classificam a insônia como sendo predominantemente devida a transtorno psiquiátrico como depressão, ansiedade ou psicose. Outros pesquisadores conceituam a insônia como transtorno primário do sono que pode ser diagnosticado com o eletroencefalograma (EEG) realizado durante o sono (polissonógrafo). Exemplos de transtornos primários do sono que podem causar insônia de acordo com esta última classificação incluem apnéia do sono e mioclonus noturno. A insônia pode também com freqüência ser provocada por drogas (álcool, sedati­vos, estimulantes e outros) ou por vasta gama de transtornos clínicos (tais como dor, pro­blemas respiratórios noturnos de várias etiologias, distúrbios renais e endócrinos).

Independentemente da causa ou da classificação da insônia, esta pode ser tratada sintomaticamente por várias drogas hipno-indutoras. Existe intenso debate em torno da possibilidade de esta postura ser acertada ou não, pois muitas vezes pode ser mais sensato tratar a condição psiquiátrica ou clínica subjacente do que induzir farma­cologicamente o sono.

A insônia também pode ser classificada de acordo com sua duração como sintoma. Assim, a insônia transitória ocorre em pessoas que têm sono normal, mas que viaja­ram para outro fuso horário (isto é, jet lag), estão dormindo em ambiente não-familiar ou estão em situação de estresse agudo. Freqüentemente não é necessário tratamento e a insônia desaparece com o simples passar do tempo. A insônia de curta duração pode ser experimentada por alguém que geralmente dorme de maneira normal, mas que está sob estresse que não se resolve em poucos dias, tais como divórcio, falência, processo judicial etc. Esses indivíduos podem não se enquadrar nos critérios para transtorno psiquiátrico outro que não o de transtorno de ajustamento, mas podem necessitar de alívio sintomático de curta duração da insônia, de modo a voltarem ao seu funcionamento ótimo. Por fim, a insônia de longa duração não apenas é persis­tente, mas também incapacitante. Estudos sugerem que quase todos esses pacientes apresentam transtorno psiquiátrico associado, problema associado de uso/abuso/absti­nência de droga ou transtorno clínico associado. Conforme mencionado anteriormen­te, o tratamento desses transtornos associados pode ser suficiente para tratar também a insônia. No entanto, se o transtorno subjacente não for tratável, ou houver a necessida­de de aliviar a insônia antes de a condição subjacente poder ser aliviada, poderá ser necessário tratar a insônia sintomaticamente com hipno-indutor.


Tratamentos Farmacológicos da Insônia

Supondo-se que a insônia não possa ser tratada adequadamente através da ação direta sobre o problema causal subjacente, então pode-se utilizar drogas hipno-indutoras para induzir o sono farmacologicamente. Tais tratamentos têm-se tornado cada vez mais controversos nos últimos anos, devido ao abuso destas drogas, ao crescente reconhecimento de complicações oriundas do tratamento da insônia com estes agen­tes e à possibilidade de o tratamento sintomático da insônia remover o ímpeto para diagnosticar e tratar a(s) condição(ões) subjacente(s). Não se pode negar, contudo, a incidência disseminada da queixa de insônia na população em geral, o prejuízo funcional percebido e a incapacidade que esse sintoma produz, além da força da deman­da dos pacientes por tratamentos medicamentosos para tal queixa.

Agentes Vendidos sem Prescrição Médica

Numerosos agentes vendidos sem prescrição médica ("pílulas para dormir") são co­nhecidos entre o público em geral. Embora existam numerosos nomes comerciais que diferem grandemente em função da época e do país que analisei, essencial­mente todas as pílulas para dormir vendidas sem prescrição médica contêm um ou mais dos três ingredientes ativos a seguir: (1) o agente anticolinérgico escopolamina; (2) um anti-histamínico que também apresente propriedades anticolinérgicas; e (3) um salicilato semelhante à aspirina, que é um analgésico de ação moderada.

As propriedades anti-histamínicas e anticolinérgicas já foram discutidas em rela­ção aos antidepressivos tricíclicos. De fato, as propriedades seda­tivas associadas ao bloqueio de um destes dois receptores são exploradas pelas drogas que compartilham estas propriedades e aplicadas à insônia. Assim, o efeito colateral indesejado em uma situação (como o tratamento da depressão) pode tornar-se virtude em outra situação (como no caso da insônia, em que se deseja a sedação noturna). As propriedades sedativas associadas ao bloqueio dos receptores histamínicos e colinér­gicos muscarínicos demonstram por que produtos vendidos sem prescrição médica e que contêm tais propriedades são capazes de induzir o sono. Obviamente, eles reali­zam esta ação às expensas dos mesmos efeitos colaterais mostrados, quais sejam: boca seca, visão turva e constipação. Eles podem até mesmo provo­car confusão ou problemas de memória, particularmente em idosos. Entretanto, ver­dadeiramente não levam à dependência, não causam graves problemas de sono quan­do suspensos e são geralmente seguros nas doses disponíveis nessas preparações pos­tas à venda sem prescrição médica.


Antidepressivos com Propriedades Hipno-Indutoras

Existem também numerosas drogas disponíveis apenas com prescrição médica que apresentam as mesmas propriedades dos agentes vendidos sem prescrição menciona­dos anteriormente, mas que são mais potentes. Não é surpreendente que os ADT sejam também boas pílulas para dormir, porque apresentam a propriedade de causar sedação devido às ações anti-histamínicas e anticolinérgicas descritas anteriormente. Assim, a utilização adequada do ADT no paciente deprimido com insônia pode trans­formar a ocorrência de sedação indesejável em alívio da insônia se o ADT for adminis­trado ao deitar. Entretanto, esta propriedade, não tem nada a ver com a razão pela qual os ADT são antidepressivos.

Existem evidências conflitantes acerca de quão potentes são as propriedades hip­nóticas dos agentes anti-histamínicos, pois eles provavelmente produzem pouca alte­ração (se é que produzem alguma) nos parâmetros objetivos do sono no EEG. Além disso, como tais agentes são genéricos e, portanto, baratos, seu uso não é muito pro­pagandeado pela indústria farmacêutica.

Outro antidepressivo, denominado trazodona, também apresenta propriedades sedativas significativas. Isto pode ser devido às suas propriedades anti-histamínicas. Administrada ao deitar, a trazodona pode ser agente sedativo muito poten­te.

Benzodiazepínicos Hipno-Indutores

Os benzodiazepínicos são o grupo de drogas mais amplamente prescrito no tratamen­to da insônia. Estes agentes foram extensamente discutidos acima em termos de seu uso na ansiedade. O mecanismo de ação destes agentes na insônia é o mesmo que na ansiedade. A decisão para se promover o uso de um benzodia­zepínico na insônia ou na ansiedade freqüentemente parece ser baseada mais em cri­térios mercadológicos do que científicos. Assim, qualquer benzodiazepínico pode ser usado para o tratamento da ansiedade ou da insônia.

Teoricamente, os benzodiazepínicos com meias-vidas mais curtas poderiam ser melhores como hipno-indutores e os benzodiazepínicos com meias-vidas mais lon­gas poderiam ser melhores como ansiolíticos. Isto ocorre porque o hipno-indutor ideal apresentaria rápido início dos efeitos sedativos, que se dissipariam completa­mente tão logo não necessitássemos mais que o paciente permanecesse dormindo. Por outro lado, o ansiolítico ideal apresentaria início rápido, mas com duração por muitas horas, de modo a proporcionar alívio da ansiedade durante todo o dia. Portanto, não surpreende que alguns dos benzodiazepínicos lançados no mercado para uso como pílulas para dormir apresentem meias-vidas mais curtas do que aqueles lançados para uso como ansiolíticos.

Existem vários problemas com o uso dos benzodiazepínicos no tratamento da insônia. As dificuldades associadas ao uso a curto prazo na insônia estão geralmente relacionadas à administração de dose muito alta para determinado paciente. Em tais casos, existem efeitos que perduram durante a manhã após a administração, incluindo não apenas a "sensação de estar dopado" e a persistência da sedação quando o paciente quer estar alerta, mas também interferências com a formação de memória após o despertar do paciente. Estes problemas geralmente podem ser contornados reduzindo-se a dose, particularmente nos pacientes idosos.

As dificuldades associadas ao uso a longo prazo de benzodiazepínicos na insônia são oriundas de observações de que muitos pacientes desenvolvem tolerância a estes agentes, que deixam de funcionar após uma ou duas semanas. Para evitar isso, os pacientes devem tomar o comprimido para dormir apenas algumas vezes no período de vários dias, ou por apenas 10 dias consecutivos seguidos de vários dias ou semanas sem nenhum tratamento medicamentoso. Além disso, se os pacientes persistem tomando benzodiazepínicos como hipno-indutores por várias semanas ou meses, poderá ocorrer síndrome de abstinência quando o medicamento for suspenso, parti­cularmente se este for suspenso de maneira abrupta.

A interrupção dos benzodiazepínicos como hipno-indutores em pacientes que fazem uso de tais medicamentos por período prolongado pode originar a condição denominada "insônia rebote", na qual o paciente apresenta piora da insônia após a suspensão do benzodiazepínico. Embora esta condição possa ser evitada pelo uso intermitente ou de curta duração do benzodiazepínico como hipno-indutor, esta condição é freqüentemente mascarada nos usuários crônicos até o momento em que eles subitamente param de usar a medicação. O tratamento daqueles que acabam desenvolvendo tolerância ao uso de benzodiazepínicos hipno-indutores envolve programa de suspensão gradativa.

Para evitar os problemas associados ao uso dos benzodiazepínicos a curto e longo prazos como hipno-indutores, tem havido esforço para se descobrirem (através da exploração do conceito de agonistas parciais) novos agentes que não apresentem estes problemas. Ou seja, o agonista parcial nos receptores de benzodiazepínicos poderia induzir o grau desejado de moderada sedação sem produzir problemas de memória recente, efeitos persistentes no dia seguinte ou desenvolvimento de tolerân­cia, dependência e síndrome de abstinência após o uso crônico. Um dos agentes que tentam se enquadrar neste perfil é o zopiclone (Imovane). Sua estrutura química não é a do ben­zodiazepínico; no entanto, interage no receptor de benzodiazepínico. O zopiclone tem meia-vida curta, é moderado hipno-indutor e pode produzir menos tolerância, dependência e síndrome de abstinência quando comparado com o benzodiazepínico hipno-indutor agonista total. Zolpidem (Lioram, Stilnox) é outro não-benzodiaze­pínico disponível para uso em alguns países. No Brasil temos o zopiclone e o zolpidem.


Hipnóticos Não-Benzodiazepínicos

Vários agentes mais antigos apresentam longa história anterior de uso como hipnó­ticos, incluindo os barbitúricos e compostos relacionados, tais como etclorvinol e etinamato; hidrato de cloral e derivados; e derivados da piperidine­diona, como glutetimida e metiprilon. Devido a problemas de tolerância, abuso, dependência, overdose e várias reações de abstinência muito mais graves do que as associadas aos benzodiazepínicos, os barbitúricos e os derivados da piperidine­diona são raramente prescritos hoje em dia como hipnóticos. O hidrato de cloral ainda é um tanto quanto utilizado, porque pode ser eficaz hipnótico de curta duração e é barato. No entanto, geralmente é evitado em pacientes com doença renal, hepática e cardíaca grave ou naqueles que estão tomando mui­tas outras drogas, devido à sua capacidade de afetar as enzimas hepáticas que metabolizam drogas. O potencial do hidrato de cloral para induzir tolerância, dependência física e adição requer (1) uso cauteloso naqueles com histórias de problemas de abuso de drogas ou álcool e (2) uso por apenas curtos períodos em qualquer paciente.

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