A maioria dos matemáticos nutre uma profunda desconfiança em relação ao misticismo. Não é surpreendente, pois o pensamento místico é antípoda do pensamento racional, base do método científico. O misticismo também tende a ser confundido com o oculto, o paranormal e outras crenças marginais.
Na verdade, muitos dos mais seletos pensadores do mundo, entre os quais alguns cientistas notáveis como Einstein, Pauli, Schrödinger, Heisenberg, Eddington e Jeans também abraçaram o misticismo. Minha própria opinião é que o método científico deve ser levado o mais longe possível. O misticismo não é um substituto para a indagação científica e o raciocínio lógico, enquanto estes puderem ser aplicados de forma coerente. A ciência e a lógica só podem fracassar se quiser lidar com as questões últimas. Não estou dizendo que a ciência e a lógica provavelmente forneçam respostas erradas, mas que podem ser incapazes de tratar de perguntas do tipo por quê? (diferente de como?) que queremos formular.
A expressão experiência mística muitas vezes é usada por pessoas religiosas, ou pelos que praticam meditação. É difícil transmitir com palavras essas experiências, que sem dúvida são bem reais para quem as vive. Os místicos muitas vezes falam de uma sensação esmagadora de ser uno com o universo, ou com Deus, de vislumbrar uma imagem holística da realidade, de estar na presença de uma influência poderosa e amorosa. E o que é mais importante: os místicos afirmam que podem apreender a realidade última em uma única experiência, em contraste com a longa e tortuosa seqüência dedutiva do método lógico-científico de indagação. A via mística às vezes parece ser pouco mais que uma sensação de paz interior – uma quietude compassiva e jubilosa que está por trás da atividade de mentes atarefadas. Einstein falou de um "sentimento religioso cósmico" que inspirava suas reflexões sobre a ordem e a harmonia da natureza. Alguns cientistas, sobretudo os físicos Brian Josephson e David Bohm, acreditam que as percepções místicas habituais, obtidas por meio de práticas meditativas silenciosas, podem ser um guia útil na formulação de teorias científicas.
Em outros casos, as experiências místicas parecem mais diretas e reveladoras. Russell Stannard escreve sobre a impressão de estar diante de uma força irresistível de algum tipo, "cuja natureza exige respeito e veneração. Tem algo de urgente; o poder é vulcânico, contido, que está prestes a desencadear-se." David Peat, autor científico, descreve "um notável sentimento de intensidade que parece inundar de sentido todo o mundo que nos rodeia. (…) Sentimos que estamos tocando algo de universal e talvez eterno, de modo que um determinado instante do tempo assume um caráter majestoso e divino e se expande sem limite no tempo. Sentimos que desaparecem todos os limites entre nós e o mundo exterior, pois o que vivenciamos está além de todas as categorias e de todas as tentativas de apreensão por meio do pensamento lógico."
A linguagem usada para descrever essas experiências costuma refletir a cultura do indivíduo que as vivencia. Os místicos ocidentais tendem a enfatizar a qualidade pessoal da presença, muitas vezes dizendo que estão com alguém, habitualmente com Deus, que é diferente deles mesmos, mas com quem sentem uma profunda ligação. O cristianismo e outras religiões ocidentais têm, é claro, uma longa tradição dessas experiências religiosas. Os místicos orientais enfatizam a totalidade da existência e tendem a identificar-se mais intimamente com a presença. O escritor Ken Wilber descreve a experiência mística oriental em uma linguagem caracteristicamente enigmática:
"Na consciência mística, a realidade é apreendida direta e imediatamente, o que significa sem nenhuma mediação, elaboração simbólica, conceituação nem abstração; sujeito e objeto tornam-se um, em um ato intemporal e não-espacial que está além de toda e qualquer forma de mediação. O discurso universal dos místicos fala de contato com a realidade como tal, existente, objetiva, sem intermediário algum; algo para além das palavras, símbolos, nomes, pensamentos, imagens."
Assim, a essência da experiência mística é uma espécie de atalho para a verdade, um contato direto e sem mediações com uma realidade última percebida. Nas palavras de Rudy Rucker:
"A lição central do misticismo é esta: a realidade é una. A prática do misticismo consiste em descobrir maneiras de vivenciar diretamente essa unidade. O Uno tem sido chamado de Bem, Deus, Cosmos, Mente, Vazio ou (talvez o termo mais neutro) Absoluto. Nenhuma porta do castelo labiríntico da ciência abre-se diretamente para o Absoluto. Mas se entendermos bastante bem o dédalo, é possível saltar fora do sistema e, por si só, experimentar o Absoluto. (…) Em última instância, porém, o conhecimento místico ou é atingido de uma vez por todas ou nunca o será. Não há caminho gradual."
Alguns cientistas e matemáticos afirmam ter tido percepções reveladoras repentinas semelhantes às experiências místicas. Roger Penrose descreve a inspiração matemática como uma súbita irrupção em um reino platônico. Rucker relata que Kurt Gõdel também falou da "outra relação com a realidade", por meio da qual era capaz de perceber diretamente os objetos matemáticos, como a infinidade. O próprio Gõdel parecia consegui-Io através de práticas de meditação tais como fechar os outros sentidos e deitar em um lugar tranqüilo. No caso de outros cientistas, a experiência reveladora ocorre espontaneamente, em meio ao barulho cotidiano. Fred Hoyle relata um incidente deste tipo que lhe aconteceu quando viajava pelo norte da Inglaterra. "Assim como a Paulo a revelação ocorreu na estrada de Damasco, a minha foi no caminho para Bowes Moor." No final da década de 1960, Hoyle e seu colaborador Jayant Narlikar haviam trabalhado em uma teoria cosmológica do eletromagnetismo que implicava o uso de uma matemática assustadora. Um dia, quando lutavam com uma integral particularmente complicada, Hoyle decidiu tirar férias de Cambridge e acompanhar alguns colegas que estavam fazendo caminhadas pelas Highlands da Escócia.
"À medida que os quilômetros desfilavam, eu dava voltas ao problema de mecânica quântica (…) em minha cabeça, da maneira nebulosa como costumo pensar em matemática. Normalmente, tenho de escrever as coisas e depois brincar com as equações e integrais da melhor maneira possível. Mas, em algum lugar de Bowes Moor, minha percepção da matemática esclareceu-se, não um pouco, nem mesmo muito, mas como se uma imensa luz brilhante tivesse sido acesa de repente. Quanto tempo demorei para convencer-me totalmente de que o problema estava resolvido? Menos de cinco segundos. Só me restava cuidar de, antes de a claridade desaparecer, armazenar, em minha memória imediata, o suficiente sobre as etapas essenciais do problema. Senti-me tão seguro que, nos dias subseqüentes, nem me dei ao trabalho de pôr nada no papel. Ao voltar para Cambridge, dez dias depois, foi-me possível redigir tudo aquilo sem dificuldade."
Hoyle também relata uma conversa com Richard Feynman sobre o tema da revelação:
"Alguns anos atrás, Dick Feynman me fez uma descrição gráfica de como sente um momento de inspiração, e da enorme euforia que se segue, que persiste talvez dois ou três dias. Perguntei-lhe com que freqüência ocorrera, Feynman respondeu "quatro", e ambos concordamos em que doze dias de euforia não constituíam recompensa exagerada pelo trabalho de toda uma vida."
Hoyle mesmo descreve a experiência como um acontecimento verdadeiramente religioso (e não apenas platônico). Hoyle acredita que a organização do cosmos é controlada por uma "superinteligência" que guia sua evolução através de processos quânticos. Ademais, o Deus de Hoyle é teleológico (algo semelhante ao de Aristóteles ou ao de Teilhard de Chardin): dirige o mundo para um estado final, no futuro infinito. Hoyle acredita que, atuando no nível quântico, essa superinteligência pode implantar no cérebro humano pensamentos ou idéias sobre o futuro, já prontas e acabadas. Esta, sugere o autor, é a origem da inspiração matemática e musical.
O infinito
Na procura de respostas últimas, não é difícil ser atraído, de uma forma ou de outra, para o infinito. Pode tratar-se de uma infinidade de mundos paralelos, de um conjunto infinito de proposições matemáticas ou de um Criador infinito: o fato é que, com toda certeza, a existência física não pode ter sido gerada por algo finito. As religiões ocidentais têm uma longa tradição de identificar Deus ao Infinito, ao passo que a filosofia oriental procura eliminar as diferenças entre a unidade e a multiplicidade e identificar o vazio ao infinito – zero e infinidade.
Quando os primeiros pensadores cristãos, como Plotino, proclamaram que Deus é infinito, estavam basicamente preocupados em demonstrar que não tinha limitação alguma. O conceito matemático de infinidade ainda era razoavelmente vago à época. Acreditava-se que a infinidade é um limite para o qual uma enumeração pode se dirigir, mas que na realidade não pode ser atingido. Nem Tomás de Aquino, que admitiu a natureza infinita de Deus, estava disposto a aceitar que a infinidade tinha mais que uma existência potencial, o oposto de concreta. Um Deus onipotente "não pode fazer uma coisa absolutamente ilimitada", sustentava ele.
O ponto de vista de que a infinidade era paradoxal e contraditória persistiu até o século XIX, quando, em suas investigações de problemas de trigonometria, o matemático Georg Cantor conseguiu proporcionar uma demonstração lógica rigorosa da coerência interna do concretamente infinito. Cantor passou um mau pedaço com seus colegas, e foi rejeitado por alguns matemáticos eminentes, que o consideravam louco. Ele de fato sofreu de doença mental. Contudo, as regras para a manipulação coerente de números infinitos acabaram sendo aceitas, por mais estranhas e contra-intuitivas que muitas vezes fossem. Na verdade, grande parte da matemática do século XX baseia-se no conceito de infinito (ou infinitesimal).
A infinidade pode ser apreendida e manipulada por meio do pensamento racional: estará assim aberto o caminho para a compreensão da explicação última das coisas sem necessidade de misticismo? Não. Para ver por quê, precisamos analisar mais de perto o conceito de infinidade.
Uma das surpresas da obra de Cantor é que não existe apenas uma infinidade, mas inúmeras. O conjunto de todos os números inteiros e o conjunto de todas as frações ordinárias são ambos conjuntos infinitos, por exemplo. Sente-se intuitivamente que há mais frações que inteiros, mas não é verdade. Ademais, o conjunto de todas as frações decimais é maior que o conjunto de todas as frações ordinárias ou de todos os inteiros. Pode-se perguntar: existe uma infinidade máxima? Bem, que tal combinar todos os conjuntos infinitos, formando um super-hiperconjunto? A classe de todos os conjuntos possíveis foi chamada de Absoluto de Cantor. Mas há um empecilho. Essa entidade em si não é um conjunto, pois, se fosse, incluiria a si mesma por definição. Mas os conjuntos auto-referenciais chocam-se com o paradoxo de Russell. E aqui encontramos uma vez mais os limites gödelianos do pensamento racional – o mistério no fim do universo. Não podemos conhecer o Absoluto de Cantor, ou qualquer outro absoluto, por meios racionais, pois qualquer absoluto deve incluir a si mesmo, já que é uma Unidade e, portanto, completo dentro de si mesmo. Rucker observa ao falar do psicorama – a classe de todos os conjuntos de idéias: "Se o psicorama for uno, então é membro de si mesmo, e, assim, só pode ser conhecido por meio de um relâmpago de visão mística. Nenhum pensamento racional é membro de si mesmo, de modo que nenhum pensamento racional seria capaz de associar o psicorama a um Uno."
Conclusão
Será que a franca admissão de inutilidade exposta até aqui significa que nenhum raciocínio metafísico tem valor? Deveríamos acaso adotar a atitude do ateu pragmático, que se contenta em encarar o universo como um dado, e catalogar suas propriedades? Não há dúvida de que muitos cientistas se opõem, por sua própria personalidade, a qualquer forma de metafísica, para não falar dos argumentos místicos. Zombam da idéia de que possa existir um Deus, ou mesmo um princípio criativo impessoal ou fundamento do ser que sustente a realidade e tome seus aspectos contingentes menos rigidamente arbitrários. Pessoalmente, não partilho seu desdém. Embora muitas teorias metafísicas e teístas pareçam artificiais ou infantis, não são obviamente mais absurdas do que a crença em que o universo existe, e existe na forma que aí está, sem razão. Parece que ao menos vale a pena tentar construir uma teoria metafísica que atenue um pouco a arbitrariedade do mundo. Em última instância, contudo, uma explicação racional do mundo – no sentido de um sistema fechado e completo de verdades lógicas – é quase certamente impossível. O acesso ao conhecimento último, à explicação última, nos é vedado pelas próprias regras de raciocínio que nos impelem a procurar essa explicação. Se quisermos ir além, temos de adotar um conceito de compreensão diferente da explicação racional. A via mística possivelmente é um caminho para essa compreensão. A experiência mística, talvez abra a única via que ultrapassa a fronteira até onde a ciência e a filosofia nos podem levar, talvez seja o único caminho possível para o Último.
Através da ciência, nós, seres humanos, conseguimos captar ao menos alguns segredos da natureza. Desvendamos parte do código cósmico. Por que seria assim, por que o Homo sapiens carregaria a centelha da racionalidade que proporciona a chave para o universo? Eis um enigma profundo. Nós, filhos do universo podemos refletir sobre a natureza deste mesmo universo, chegando ao ponto de vislumbrar as regras que o governam. Como chegamos a vincular-nos a esta dimensão cósmica? É um mistério. Entretanto, o vínculo não pode ser negado.
O que significa? O que é o homem que pode participar deste privilégio? Não posso acreditar que nossa existência neste universo seja uma mera peculiaridade do destino, um acidente da história, um grito incidental no grande teatro cósmico. Nosso envolvimento é íntimo demais. A espécie física Homo sapiens pode não importar para nada, mas a existência da mente em algum organismo em algum planeta do universo é certamente um fato fundamentalmente significativo. Através dos seres conscientes o universo gerou a autoconsciência. Isto não pode ser um detalhe banal, um subproduto menor de forças indiferentes e sem objetivo. Nossa existência é certamente intencional.